3 alqueires de sofrimento
Não aceitamos as más vítimas. Só aceitamos as boas vítimas, aquelas que choram desalmadamente, que sofrem frente às câmaras de televisão, que recitam ladainhas insuportáveis. Temos uma justa medida de sofrimento e quando alguém não cabe dentro dela já não merece a nossa compaixão. É assim que se anda a tratar um pouco por todo o mundo o caso da miúda austríaca que foi raptada aos 8 anos. Subitamente, e apenas por a forma de resistir à violência a que foi submetida, ter resultado numa determinada frieza e objectividade, passámos a chamá-la de Dominatrix como se na realidade fosse ela quem desde a tenra idade dos 8 anos, vestisse um fato de cabedal preto e desse umas valentes nalgadas com um chicote no seu raptor. Já se chegou ao cúmulo de achar que na realidade ela sim dominava o seu raptor e decidiu o momento correcto da sua “suposta” fuga, simplesmente para se aproveitar dos milhões que a sua história iria render no cinema e em entrevistas. É um absurdo de proporções inimagináveis e de uma hipocrisia sem limites. A rapariga faz muitíssimo bem em capitalizar o mais possível uma compensação pelos anos que perdeu numa cave escura e ninguém que anteriormente tenha demonstrado um interesse mórbido pela sua história tem o direito de a criticar. Aqui em Portugal a Focus pela segunda semana consecutiva dedica uma capa à moça e consegue reduzir-se à falta de qualidade que há muito anunciava. Resolveu convidar, num exercício de jornalismo do mais reles (se podermos chamar-lhe jornalismo), várias pessoas que aparentemente tem por objectivo tornar-se, voluntariamente, escravas de outras para as comparar com a pequena austríaca, numa lógica de que quem é escravizado é quem afinal domina e não ao contrário. Não se pode levar muito a sério quem compara pessoas que voluntariamente decidem levar palmadas, com alguém que foi raptado há quase uma década e cuja força lhe permitiu sobreviver. |
Publicado por José Raposo às 22:25
Comments on "3 alqueires de sofrimento"
José, também li esse artigo e fiquei surpreendida com o rumo e abordagem da peça: práticas sado-masoquistas; dominador/dominadora; uma peça que se fez de conversas em chat´s( a isto se chamam fontes jornalísticas ou sequer fidedignas?!)com nomes falsos... onde ficou a parte do jornalismo, é que eu não a vi por lá!!!
Senti-me na terra dos "ses" e definitivamente muito pertto de um artigo de "quem é que usa as calças lá em casa". O melhor mesmo seria uma folha em branco ou espaço de publicidade.
Viva
Há muita gente que gostava de se sentir na pele de vítima, para, resgatads, pudessem sentir-se importantes e realizadas.
Infelizmente há estupidez para tudo. Até para com o mal dos outros.
Cumprimentos