Como Chegámos Até Aqui?
Como chegámos até aqui? Não alinho nessa família de teorias que tudo justificam como sendo um episódio de uma milenar luta de civilizações. Na verdade, não me parece que o confronto com o mundo islâmico fosse uma inevitabilidade. Os ataques terroristas como os a Nova Iorque, Madrid, Londres e os já esquecidos ataques a Paris (em princípio não atribuíveis à Al Qaeda, mas islâmicos na mesma), eram impensáveis nos anos 50, uma hipótese académica nos anos 60, pouco prováveis nos anos 70, prováveis nos anos 80, inevitáveis nos anos 90 e nos nossos anos 10 tornaram-se num hábito. Sim, num hábito apesar de tudo. Quem, ao ouvir a notícia dos atentados em Londres, não pensou: «Outra vez»? Dos anos 50 à actualidade ocorreram uma série de fenómenos que directa ou indirectamente ajudaram a construir o presente quadro geo-estratégico: a guerra-fria e a divisão do mundo em blocos (leste/oeste); a imposição do estado de Israel; a descolonização e emergência de novas nacionalidades, o fim da guerra-fria e emergência de outras novas nacionalidades; a laicização definitiva da ocidentalidade e a redescoberta da força política e social do Islão; a deriva consumista do Ocidente; a hiperconcentração de riqueza no hemisfério norte e consequente nova divisão do mundo em dois blocos (norte/sul); a omnipresença (hard e soft) do Império Americano e a globalização/ocidentalização. É neste labirinto que devemos inscrever a história do terrorismo islâmico. Não existem roteiros simples. Observemos de novo a cronologia: a aparecimento de fenómenos de movimentos anti-ocidentais, agressivamente anti-ocidentais, acompanha a escalada consumista-capitalista e à medida, claro, que a dependência do petróleo se torna maior. O terrorismo islâmico não se distingue pelo seu ressentimento contra o Ocidente, porque nisso – acreditem – não está só. O que o distingue é o facto de ter poder suficiente para levar a cabo operações complexas de grande impacto mediático, sociológico e político. E de onde vem esse poder? Do financiamento dos petrodólares! Isto quer dizer que alimentamos o terrorismo de duas maneiras: ideologicamente, porque menorizámos e desprezámos o mundo islâmico, empurrando-o para a miséria, e porque o nosso apoio incondicional e acrítico a Israel se torna o deflagrador perfeito; materialmente, porque o nosso consumismo alimenta-se do petróleo, que por sua vez alimenta estes grupos. A verdade é que o nosso sucesso, o nosso crescimento, faz-se à custa do resto do mundo. É natural que se defendam como podem. É um erro grosseiro querer fazer passar a ideia de que o terrorista é um louco. Ele ama a morte e professa uma espécie de nihilismo que lhe permite tudo, inclusive, matar inocentes e matar-se a si próprio. Em parte isto é verdade. Não pode deixar de ser verdade. Mas na realidade é algo mais do que isso. São homens e mulheres que acreditam ter perdido tudo, para quem o mundo, de facto, já acabou. Já anteviram o fim da história. No fundo, não são muito diferentes de nós próprios: também somos afectados por um nihilismo estranho, que nos leva a repudiar a essência do tempo a favor de um eterno presente, de um culto da beleza erótica e da juventude, esgotamo-nos a nós e ao mundo numa brincadeira sem fim, chamada capitalismo, na qual se nos devemos empenhar ao máximo, enfim, devemos ser competitivos e ganhar mais do que outro porque sim. Se isto não é nihilismo... E também somos indiferentes perante a morte: por semana quantas pessoas morrem no Iraque? E em África? Que nos importa a China? E as moles humanas da Índia? E a pena de morte nos E.U.A? Que nos importa isto se temos um telemóvel da última geração? A este propósito apetece-me escarrar na hipocrisia britânica! Deu-lhes um surto de dignidade e de respeito para com os mortos. Com os SEUS mortos! Na BBC não passarão imagens de sofrimento, nos tablóides não se fará a exploração da dor, nenhum jornal ganhará dinheiro com o sangue dos mortos. Quando nos toca a nós, que somos Pessoas, existem valores mais altos, existe o respeito. Ora, não consta que a agora pudica BBC se tivesse furtado a transmitir as imagens horríveis de Madrid ou do tsunami. Todas as televisões, neste mesmo dia, continuaram a difundir imagens dos outros mortos, dos mortos deles, do Iraque. Esta atitude é demonstrativa de que existe uma desvalorização do Outro, uma redução da morte do Outro à condição de entretimento televisivo. Amanhã todos saberão quantos britânicos morreram no atentado, mas ninguém saberá quantos iraquianos inocentes morreram no Iraque à custa dos meticulosos erros das forças de ocupação. Aliás, o facto de me ver na necessidade de especificar que os iraquianos de que falo são inocentes e de não sentir a mesma necessidade relativamente aos britânicos, só demonstra o quanto eu próprio sou capaz de ser hipócrita. É uma questão de ocidentalidade. |
Publicado por David Afonso às 03:06
Comments on "Como Chegámos Até Aqui?"
Fantástico.
Peço desculpa aos demais, e até a mim próprio.. antes de escever algo tão ignorante.. Ocidentalidade? .. E matar mulheres á pedrada por desporto? !!! da-se!! ah!, E porque é cultura e tradição e tal.. e tá escrito pelo sr. Maomé e tal.. O mundo está a arder e eu estou a nadar..
O Pedro tem razão o post está muito bom. Obrigado David
Sabe,se reler com atenção o post verá que não abordei esse problema. Como é óbvio, defendo o direito à liberdade e à integridade física e moral da pessoa. Agora, não me parece que essa defesa se fará pela violência. Para além do mais,o islão não é todo igual e se tivesse lido o Al Corão sabia que o profeta maomé não autoriza a morte gratuita de inocentes, muito menos de mulheres. Se está a nadar é porque se farta de meter água.Já agora: porque motivo não assina os seus comentários? Olhe que a gente não morde...
Parabéns pelo post. A verdade é que cada um destes atentados despertou em mim um sentimento de "é bem feito". Não pela morte das pessoas (embora algumas delas não estejam tão carregadas de inocência, porque de certeza que entre os mortos estavam apoiantes da Coligação por uma mera questão probabilística), mas pelo significado simbólico que os ataques têm. Não sou pró-terrorista, sou anti-Coligação. E como se costuma dizer... "quem semeia ventos, colhe tempestades"...
Prometeu
Outra deixa a propósito do nosso corajoso anónimo: a violência contra as mulheres não é uma especialidade islâmica. Em Espanha foram criados tribunais especializados na violência doméstica, dado o estado crítico da situação, e em Portugal já se ouvem vozes no mesmo sentido. Parece que no UK a situação também não é propriamente exemplar...
Outras vitimas de outros atentados, entretanto esquecidos, mas de que tivemos imagens amplamente divulgadas pela BBC e SkyNews entres outras: Bali (2002) - 202 mortos e 300 feridos; Mombassa (2002) - 18 mortos; Casablanca (2002) - 45 mortos e 100 feridos; Istambul (2002)- 63 mortos e centenas de feridos