A Desnecessidade De Certos Inquéritos Em Portugal III
Abri hoje, de novo, a mesma coluna. «Precisamos (...) de vontade comum à volta do reconhecimento de uma situação à beira do abismo que nos ameaça a todos»; «Se a colectividade nacional não apresenta coesão, é porque os portugueses não gostam uns dos outros. E não gostam (...) porque não gostam de si próprios - reciprocamente»; «Um país onde um futebolista, Miguel, e seu contrato dominam os noticiários (...) é um país irremediavelmente condenado à farsa»; «No dia da demissão de Campos e Cunha, decidi ensinar as primeiras palavras de inglês à minha filha de três anos. É que o futuro passa por ela, mas não necessariamente por aqui». |
Comments on "A Desnecessidade De Certos Inquéritos Em Portugal III"
Se bem me lembro e não foi assim há tanto tempo, fiquei chocado quando vi, por duas vezes, sair como notícia de abertura num Telejornal (não sei precisar o nome da Estação) o estado do calcanhar da perna esquerda (?) do futebolista sportinguista, João Vieira Pinto. Após a notícia sobre a evolução clínica do calcanhar do nosso famoso lusitano gladiador, seguiram-se então outras notícias menos importantes versando, creio, a actividade do Presidente Jorge Sampaio, a situação no Iraque, a anunciada reunião da OPEP, a discussão das cotas de pesca a atribuir aos países da EU, etc. etc.
Pois com o contrato do futebolista Miguel (felizmente que goza de boa saúde) o fenómeno repete-se.
Mas o povo talvez seja coeso num ponto.
As opiniões que acaba por ouvir daquele senhor Rosa, bem posto, de falas mansas, sorridente, confiante, sobre qualquer problema das nossas aflitivas contas, é contrariado, ponto por ponto, por outro senhor Laranja, bem posto, de falas mansas, sorridente, confiante.
E nisto somos todos coesos – não foram os galegos nem os marroquinos os responsáveis pelas dificuldades que já há muito entraram em nossa casa.
Isto depois de se terem esfalfado, rosas e laranjas, com o turbilhão ululante e colorido dos seus apaniguados, a prometer novos mundos e fundos.
E, afinal, daqueles nem cheiro e destes há muito que lá batemos.
É realmente muito mais retemperador para os nervos ouvir alguém falar como toda a gente fala sobre o contrato do Miguel, do Clube do Miguel, do Presidente do Clube do Miguel, das ambições do Miguel, das desilusões do Miguel, do Agente do Miguel, numa linguagem mais simples e clara em que se possa ouvir, entender e discutir à mesa do café na hora da bica.
Mesmo que nenhum deles seja tão bem posto, fale um pouco mais alto, que não se ria e possa parecer às vezes incomodado...
Mesmo que o pivot no televisor informe que Campos e Cunha saiu do governo.
– Oh Chico! Já topaste o azar que teve este gajo? Até ficou sem a cunha!
Kalonge
Kalonge, sempre inspirado. Gostei especialmente da passagem «turbilhão ululante e colorido dos seus apaniguados». Fantástico.