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sexta-feira, julho 22, 2005

Sexo Na América

O devaneio moralista americano prossegue: uma professora de 24 anos arrisca-se a levar com uma pena de cadeia de 30 anos por ter mantido relações sexuais com um seu aluno de 14 anos.
A relação do Ocidente com a sexualidade sempre foi complexa e repleta de praxes e tabus mais ou menos consensuais. A grande novidade é a passagem desses códigos sociais para letra de lei, processo esse que ganhou especial ímpeto no século XIX e que hoje tem o seu máximo expoente em alguma da sua legislação fundamentalista e evangelicamente histérica (por exemplo: em alguns estados o sexo anal pode dar direito a prisão). Ora, excluindo a questão específica da pedofilia (que é alvo de justa repulsa quer pelos códigos sociais quer penais), a questão da menoridade e do exercício da sexualidade é passível de abordagens distintas e específicas de cada contexto e de cada época. Um facto inegável – os estudos e as estatísticas estão aí para o demonstrarem – é que a iniciação sexual acontece na maioria dos casos antes da maioridade cívica (16 e/ou 18 anos). Na teoria, a culpabilidade do acto sexual só desaparece quando alguém é capaz de exercer o seu direito de voto, de obter a carta de condução ou se consumir álcool num bar ou ainda de comprar uma arma de fogo (nos EUA). Na prática, os limiares institucionalizados pura e simplesmente são desrespeitados porque o poderoso processo de eroticização da cultura ocidental, dispositivo essencial de uma sociedade de consumo, ou seja, da sociedade de exacerbação do puro desejar, exerce uma pressão muito forte sobre a libido do indivíduo. Tudo se resume a este quadro verdadeiramente esquizofrénico: por uma lado, institucionalizam-se regras que penalizam legal e moralmente o livre exercício da sexualidade, infantilizando o indivíduo até a um limiar dificilmente suportável; por outro lado, o fundo em que se inscreve este discurso pseudo-moralista é o de uma eroticidade omnipresente, instrumentalizada e reduzida a uma mera estratégia de manter a ferida o desejo em aberto. A falsa insatisfação é chave do capitalismo contemporâneo.
É claro que há aqui uma sombra, que é a dificuldade que se terá em estabelecer a fronteira etária entre o comportamento sexual legítimo e ilegítimo. Para a nossa sensibilidade europeia uma pena de 30 anos por causa de um acto sexual com um menor (?) de 14 anos é manifestamente desproporcionado. Muitos de nós nem verão aí qualquer matéria de censura moral ou até penal. Mas do outro lado do Atlântico é o que se vê. Mais um sintoma de que a América está a recriar à sua maneira a sua ocidentalidade. Fico a pensar no que poderiam os nossos amigos americanos dizer ao lerem estes versos de 1855 de António Feliciano Castilho:

«OS TREZE ANOS

Já tenho treze annos,
Que os fiz em Janeiro:
Madrinha, casa-me,
Com Pedro Gaiteiro

Já sou mulhersinha;
Já trago sombreiro;
Já bailo ao domingo
Co’as mais no terreiro.

Já não sou Annita,
Como era primeiro,
Sou a senhora Anna,
Que mora no Outeiro.»
(...)

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