Porto: Cidade Anti-Turismo*
0. Li no «Público» que este ano houve uma quebra muito forte no número de turistas que visitam a nossa cidade. Não os censuro. Passei uma tarde com um grupo de amigos que vieram conhecer o Porto e descobri porque motivo não voltam cá os turistas. 1. A caminho da Ribeira passei por um restaurante que ostentava duas placas: uma dizia «Welcome» e a outra «Encerrado para férias». Estamos em pleno centro histórico e pelas ruas passeiam-se ao sol alguns turistas. Vieram conhecer um país que não está para os aturar. 2. O calor exige uma bebida. Vamos a isso que ali, a meia dúzia de passos, existem muitas esplanadas viradas para o rio. 1.ª tentativa: o pessoal da esplanada parecia muito concentrado na extraordinária tarefa de alinhar milimetricamente mesas e cadeiras. Em transe, esquecem-se de atender os clientes. Mesa a mesa os turistas vão levantando vôo para outras paragens. Tomamos o mesmo rumo. 2.ª tentativa: serviço rápido, mas não há tremoços! São estranhos estes apetites de quem saboreia uma cerveja ao sol. Tremoços! Ele há cada uma! Ficamos, mas a despedida foi amarga: a conta foi excessiva e tivemos de perseguir o empregado para saldar a nossa dívida! 3.ª tentativa: estava mesmo muito calor e a conversa exigia o reconforto de uma mesa e sentámo-nos logo ali, onde fomos atendidos por uma septuagenária, de muletas e com os braços repletos de psoríase! Como é natural, esmorecemos. 3. Numa casa na Rua Cimo do Muro descobrimos uma varanda transformada em galinheiro. Nenhum de nós foi capaz de esconder a inveja com que ficou destas afortunadas galinhas: um galinheiro classificado pela UNESCO com vistas para o Rio Douro. Ah... até os ovos devem ter outro sabor! 4. O cheiro a esgoto que vinha de uma parte da margem do rio fez um aveirense sentir-se em casa. 5. Uma criança pr’aí com uns 5/6 anos passa a correr toda nua pela rua da Fonte Taurina fora. Muito típico! 6. A dado momento, tropeçamos em Paulo Morais a dar uma entrevista na Casa do Infante. Também muito típico! Cá fora o Volvo da vereação lá estava: mal estacionado e a incomodar os transeuntes. Aliás, a omnipresença do automóvel é uma constante. Os autarcas bem se podem gabar de terem controlado o acesso de viaturas à Ribeira, mas como são os primeiros a dar o mau exemplo, vai daí que os eleitores democraticamente exigem igualdade de direitos... Ouvi dizer que na Holanda e na Dinamarca é normal os autarcas e até governantes utilizarem os transportes públicos e andarem a pé nestas curtas deslocações. Mas o que sabem eles disso? São uns bárbaros. A nossa comitiva dá a sua anuência a este dislate e fica por ali admirar as poderosas linhas daquele magnífico Volvo. 7. A exposição permanente da Casa do Infante vale sempre a pena. Gosto de mostrar a maqueta da cidade aos meus amigos que não conhecem bem o Porto. Mas agora é a doer: 2 €! É muito por tão pouco. 8. Inesperadamente um popular resolve lavar a varanda. Sem dizer «água vai» foi o bom e o bonito. Seja lá como for estava calor, não é? Sacudimos a cabeça e alguns de nós lembraram-se do tempo em que os moradores daquela zona atiravam sacos de água aos noctívagos mais persistentes. São hábitos. 9. O final da tarde traz algum vento. Sacos de plástico, papéis de gelados e outros lixos esvoaçantes iniciam a coreografia de todos os dias. Pelo meio garrafas de cerveja meio vazias, latas de Coca-Cola e cocó de cachorro. Porto: a Nápoles ibérica! 10. Os angariadores dos cruzeiros do Douro acima devem ter feito a sua formação na Tunísia: chatos! 11. Um grupo de turistas já suficientemente entrosado com os costumes indígenas deixa uma mesa repleta de restos de sandes, cascas de tremoços e amendoins. Nenhum empregado se preocupa em limpar a mesa. Também não é preciso: uma horda de pombos e gaivotas já está a tratar do assunto. É uma técnica que tem vindo a ser desenvolvida nos últimos tempos nesta cidade. Não é tão mau quanto parece. No Palácio de Cristal é pior: até pavões têm! 12. Um gang de adolescentes atira com uma garrafa de cerveja desde da Rua Cima do Muro até à Praça da Ribeira! Ninguém diz nada, ninguém faz nada. É normal. Ah! E ninguém se deu ao trabalho de limpar os perigosos cacos de vidro! Nenhum empregado de qualquer uma daquelas esplanadas se preocupou com o mau aspecto daquilo. Como estava fora da área de concessão, já passava a ser responsabilidade da Câmara. 13. Antes da retirada ainda uma surpresa final: somos simpaticamente avisados pelo empregado de que a esplanada fechava às... 20:00! 14. Por fim ainda tentei convencer os meus camaradas a virem conhecer a Foz, mas não consegui. Era tarde demais! Já tinham lido o último post do Pedro Aroso! *Também publicado no A Baixa do Porto |
Publicado por David Afonso às 18:50
Comments on "Porto: Cidade Anti-Turismo*"
Um dia normal na Ribeira. :-)Excelente post.