Rui Sá no Majestic*
1. Dando continuidade à série de debates organizados pelo Sport Club do Porto, esta 5.ª feira tivemos Rui Sá. Tal como no debate anterior com Teixeira Lopes, o Majestic estava cheio, mas, desta vez, não pronto para o debate. A organização tem de perceber que não é possível manter o melhor dos dois mundos: uma tertúlia política não é compatível com a exploração comercial e turística do espaço. O barulho feito pelos clientes e turistas ia comprometendo o debate. Durante a exposição inicial do candidato, a mesa mais privilegiada, porque mais próxima, era ocupada por um quarteto de jovens turistas estrangeiras que não se coibiram de manter a alegre cavaqueira enquanto acabavam o jantar. Estes embaraços são escusados. 2. Carlos Magno, desta vez mais contido, abriu o debate exprimindo um desejo: « O Porto precisa de um Jerónimo de Sousa», ou seja, de alguém capaz de travar o declínio. Pegando na deixa, Rui Sá explanou o seu «sonho de cidade», num discurso que foi muito para além do local. Numa perspectiva mais abrangente, advertiu para a necessidade urgente de mudança de protagonistas, capaz de regenerar a cidade assumindo-a como capital de uma região e de fixar a fuga para Lisboa (ou até Madrid) dos quadros superiores nela formados. Esta regeneração passaria pela implementação de uma verdadeira regionalização, pela reforma da Junta Metropolitana («um bloco central de interesses»), pela valorização regional e nacional do aeroporto, pela reformulação do projecto TGV (acertadamente diz que, tal como está, apenas serve para tentar fazer esquecer o fiasco dos pendulares, mas não concretizou qualquer outra alternativa). 3. Quanto ao Porto, apontou para o modelo Barcelona, o qual, segundo o candidato, teria conseguido regenerar uma cidade à custa de eventos. Ora, Rui Sá parece desconhecer que não foi apenas à custa de eventos internacionais que Barcelona se recriou e afirmou. Existe todo um trabalho político e urbanístico, de dia a dia, de porta a porta, que tornam a cidade no que ela é. Para piorar as coisas, quando alguém lhe perguntou que eventos teria em mente, Rui Sá sugeriu apenas o centenário da República, que, não sendo uma má ideia, é muito pouco para tão ambicioso objectivo. Outras ideias avançadas: requalificação da escarpa e marginal entre as pontes D. Maria e D. Luís, reaproveitamento de linhas de combóio desactivadas (parece que a ideia do GARRA pegou), transformação da VCI em alameda urbana, tornar o Porto numa efectiva Capital da Cultura e da Ciência (aproveitando o compasso para criticar o assassinato cultural – palavras minhas – dos grupos de teatro portuenses e o programa «Porto: Cidade de Ciência» que, na sua opinião, se dedica a áreas como a Assistência Social e Sociologia, quando se deveria dedicar à Medicina e novas tecnologias). Curiosamente, só no final da sua exposição, quase em jeito de rodapé, é que Sá anunciou as suas propostas de âmbito especificamente social (um comunista pouco ortodoxo, este comunista...): os bairros sociais, os quais diz conhecer melhor do que ninguém, são a prioridade do PCP, mas em vez de avançar com soluções, lá foi dizendo que este problema é para se resolver em 25 anos! Excesso de realismo? 4. Quanto à SRU, Sá considera que este modelo leva ao «êxodo da actual população que ainda resiste», tratando-se de um «plano de passagem do património dos pequenos proprietários para grandes investidores». Não pondo de parte a parceria pública-privada, considera, no entanto, que o modelo de reabilitação da baixa deveria passar por um pacote de benefícios fiscais e pela atribuição de subsídios de renda, os quais não representariam um custo, mas um investimento indirectamente rentabilizado, dado que ao pagar estes subsídios a autarquia estaria a promover o aumento da segurança, a defesa do património, a redução no número de viagens e a melhoria do ambiente. Argumentação interessante, mas não totalmente convincente. Ainda no capítulo do urbanismo, defendeu que os PDMs deviam ser, em nome do bom-senso, documentos genéricos que definissem arruamentos e usos do solo, privilegiando-se o trabalho sobre Planos de Pormenor. Foi com alguma surpresa que escutei estas considerações de Rui Sá, porque não consta que tenha votado contra a dispensa de Plano de Pormenor nos quarteirões intervencionados pela SRU. E justamente a SRU que tanto critica! Para quem tanto apregoa a coerência... Às vezes Rui Sá faz-me lembrar o célebre Dr.Jekyll/Mr. Hyde. 5. No tema mais delicado, o da união de facto com a coligação PPD/PSD-CDS/PP, Rui Sá defendeu-se recorrendo a uma estratégia argumentativa eficaz, mas que não apagou a sombra do concubinato. Com toda a razão, lembrou que muitas vezes votou sozinho contra o PSD e o PS, dando como exemplo o caso da aprovação da SRU. Se o PS então tivesse votado contra, em vez de se abster, provocaria a demissão de Rui Rio, a qual poderia levar a eleições antecipadas. Neste caso, se alguém ajudou Rui Rio a levar até ao fim o seu mandato foi o PS e não o PCP. Sendo um excelente argumento, não me satisfaz porque no máximo apenas nos permite concluir que o PS e o PCP partilham a responsabilidade de terem funcionado como o alicerce invisível deste executivo. E responsabilidade partilhada não é responsabilidade diminuída. Antecipando já o futuro próximo, em que previsivelmente voltará a funcionar como fiel-da-balança (seja lá qual for a cor da maioria), foi reafirmando o seu amor à cidade, assumindo por isso qualquer cargo em que possa ajudar, ao contrário de outros que só ficam se ganharem (Rio e Assis). 6. Neste ponto, de uma forma muito inteligente, começa a enumerar o rol de obra feita e a obra que ainda gostaria de fazer, voltando às propostas para os próximos quatro anos. Apontou como principal trunfo da sua vereação o facto de o SMAS se ter mantido como um serviço municipalizado e não ter sido concessionado a privados (se isto é uma vantagem ou não, é, no mínimo, discutível) e de ter iniciado a recuperação do desperdício de água. Ainda chamou a si os louros da abertura do Gabinete do Munícipe, no âmbito do pelouro da Reforma Administrativa, pelouro esse que considerou ter sido um erro a atribuição a um simples vereador, dado que pela sua especificidade deveria ser da responsabilidade directa do Presidente da Câmara. Quando questionado sobre o «Grande Prémio da Boavista» não teve qualquer pejo em assumir o seu gosto pelo automobilismo, indo ao ponto de nos confidenciar de que não tem, mas que há-de ter um dia, um Porsche 911 (de facto, um comunista muito pouco ortodoxo...), mas, não obstante, já exigiu junto do Presidente da Câmara conhecer as contas do «Grande Prémio» e que desde do início tinha feito sentir as suas reservas quanto à requalificação da Avenida sem garantia do financiamento da Metro do Porto. Será que não passou pela cabeça do vereador do PCP de que a exigência de conhecer as contas devia ser feita antes do «Grande Prémio» e não depois? Reservas? Reservas temos nós, simples eleitores/contribuintes! Aos eleitos exige-se decisões e não reservas! Mas, apesar de tudo, o candidato foi deixando no ar uma mão-cheia de boas ideias que deveriam ser aproveitadas: tirar do papel o Parque Oriental da cidade; despoluir o rio Tinto; rentabilizar a Alfândega e o Rosa Mota, em vez de se construir um Pavilhão Multiusos; recuperação do Bolhão (como?); recuperação da Quinta da Família Ramalho; construção de jardins de proximidade (nem canteiros, nem mega-parques); certificado de habitabilidade para quartos a arrendar a estudantes; Conselho das Instituições da Cidade e outras. 7. Um último ponto: não gostei de ouvir o vereador a dizer que a Câmara não vai limpar mais a VCI porque isso é da responsabilidade de outra instituição, reconhecendo – ainda por cima! – que com a aproximação do Inverno tal medida poderá pôr em causa a segurança dos automobilistas. Se daí resultar algum acidente, com mortos e/ou feridos graves, vai encolher os ombros, enjeitando a responsabilidade? Não se devia ganhar peso político à custa do peso na consciência. [*Publicado também n' A Baixa do Porto |
Publicado por David Afonso às 20:19
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