« Mas afinal o que é isto do dolo eventual?», já se terão perguntado alguns. Para a maioria dos nossos leitores que nunca entraram nas cavernas escuras do mundo jurídico, «dolo eventual» será provavelmente uma chave aparentada com a chave inglesa. «Passa aí o dolo eventual!», diz um mecânico para o outro. Mas não. Lamento informar que dolo eventual não é nada disso. Segundo o art.º 13º do Código Penal, «só é punível o facto praticado com dolo ou [...] negligência». O dolo apresenta uma divisão tripartida: dolo intencional, dolo necessário e dolo eventual. No dolo intencional assiste-se a uma verdadeira intenção (um propósito dirigido ao fim de) realizar um tipo de crime. O art.º 14º n.º 1 do CP refere-se a ele: «Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar». O dolo necessário encontra-se no art.º 14º n.º 2 do mesmo CP: «Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta». Exemplo: Bin Laden está numa montanha, rodeado de 30 homens. Os caças estadunidenses lançam um míssil que, inelutavelmente, atingirá também os outros 30 homens (que não fazem parte do alvo). Os pilotos, em relação a Bin Laden, agiram com dolo intencional. Em relação aos restantes, com dolo necessário. Chegamos ao dolo eventual. O art.º 14º n.º 3 ocupa-se dele: «Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização». Como exemplo deixo aqui o caso decidido pela jurisprudência alemã, referido nas lições de direito penal do prof. Figueiredo Dias: «A e B decidem roubar C, apertando-lhe o pescoço com uma correia de couro até que ele perca o conhecimento. Propondo-se evitar a morte de C, que previram como possível, resolveram porém golpeá-lo na cabeça com um saco de areia até que perdesse o conhecimento. No acto, porém, o saco de areia rebentou e os ladrões reverteram ao plano inicial, aplicando a correia de couro que tinham levado e apertando o pescoço de C até que este se imobilizou, para que se apoderassem dos seus pertences. [...] C morreu.» A e B previram a morte de C como possível mas, ainda assim, decidiram-se pela realização do facto. E pronto, isso da chave aparentada com a chave inglesa é tudo treta. |
Comments on "A Chave Aparentada Com A Chave Inglesa"
Às vezes fico assustado contigo...
Vá lá, não fiques com medo, David!...