Porto: Cidade de Cultura*
Os programas eleitorais dos partidos concorrentes à Câmara do Porto são, de um modo geral, fracos. No que diz respeito à cultura, uma calamidade. Mesmo o PS, que é, de todos, aquele que apresenta um programa para a cultura mais consistente e encabeçado por alguém muito capaz, não prima pela originalidade. Eu por mim fartei-me! Já que os partidos não têm ideias para a cultura, eu ofereço-as a quem as aceitar. Deixo aqui algumas sugestões que visam recuperar aquilo que a Porto2001 teve de melhor (mas foi muito pouco): a associação da cultura, do turismo e da identidade da cidade. Festival do Vinho O Porto situa-se na zona de confluência de duas impostantes regiões vitivinícolas: a Leste o Douro e Norte a do Vinho Verde. O Porto que hoje conhecemos é o resultado dos anos de ouro da segunda metade do século XIX, quando se afirmou em definivo como importante centro industrial e, sobretudo, comercial. Como se sabe dos livros de história, foi à volta do comércio do Vinho do Porto que o milagre se económico se deu. À sombra do vinho nos tornámos grandes, à sombra do vinho devemos voltar se queremos superar esta crise que não é apenas económica, mas também de identidade. Nos últimos anos, a região demarcada do Douro tem alcançado prestígio no mercado internacional e o próprio Vinho Verde – o tão especificamente português vinho verde – tem vindo a despertar a curiosidade de alguns mercados. O desenvolvimento de uma imagem de marca da cidade deveria passar pela reidentificação desta com o imaginário dos vinhos. Não basta ter as caves do Vinho do Porto do lado de lá do rio, não basta a criação de um pseudo-Museu do Vinho do Porto. É muito importante incentivar a comercialização do vinho no comércio retalhista especializado (é miserável o nº e a qualidade das lojas de vinho que temos nesta cidade) e até na restauração (a vulgarização da venda de vinho de qualidade a copo não tem acontecido por causa de estereotipos absurdos). Contudo, a medida mais interessante seria a de se criar um Festival do Vinho a realizar nos meses turisticamente mais vantajosos (o ideal seria no final da Primavera ou no início do Outono). Este Festival do Vinho (do Porto, do Douro e Vinho Verde) deveria ter uma dupla vertente: especializada – virada para especialistas do sector (enólogos, produtores, exportadores/importadores, profissionais de hotelaria e restauração, técnicos de turismo, etc...); popular – dirigida à população residente e aos turistas, com animação de rua, concertos, provas, gastronomia, etc. Local? Primeira escolha: Palácio do Freixo; Segunda escolha: Palácio da Alfândega (com acesso à parte virada para o rio); Terceira escolha: as ruas do centro histórico (e porque não?). Festas Camilianas Em muitos concelhos fazem-se recriações históricas, quase todas reportadas à Idade Média (S. M. Feira é um bom exemplo disso). Esse tipo de iniciativa, quando bem orientada, costuma ter resultados muito interessantes em termos de adesão do público em geral e dos turistas em particular, para além de que o seu valor pedagógico-cultural não será de menosprezar. Ora, o Porto poderia explorar este tipo de iniciativas, mas, quanto a mim, seria muito mais adequado fazer uma recriação do ambiente do século XIX com figurinos vestidos a rigor (como se vê na imagem) a percorrerem a Rua das Flores, Rua dos Ingleses e Ribeira. Essa também seria a oportunidade de homenagear o génio de Camilo Castelo Branco (embora, prefira, de longe, o Eça, mas enfim...), adoptando-o como figura tutelar destas iniciativas. Inclusive, seria interessante ver espectáculos de teatro de rua (ou não) que representassem cenas inspiradas da mole de escritos de Camilo. Seriam as Festas Camilianas. Feira Internacional do Livro Histórico Para se re-situar o Porto no mapa das migrações turísticas internacionais seria necessário apostar também em eventos especializados. Ora, aproveitanto o papel de relevo que a cidade desempenhou na história do livro nacional, bem como o interessante número de alfarrabistas e especialistas em livros usados e raros de que é dotada a nossa cidade, poder-se-ia organizar por cá uma Feira Internacional do Livro Histórico, concentrando especialistas nacionais e internacionais do assunto. Gostaria de ver o Porto a liderar uma rede internacional de «Cidades do Livro». Feira do Livro A actual Feira do Livro tem de mudar de estratégia: tem de sair do Pavilhão Rosa Mota para invadir os magníficos Jardins do Palácio de Cristal. A autarquia poderia abrir um concurso dirigido a jovens arquitectos para apresentação de propostas para novos stands polivalentes, de modo a aproveitar ao máximo o potencial dos vários usos dos espaços do jardim. Lisboa é (em parte) o exemplo. Porto, Cidade de Arquitectos Uma das especificidades do Porto de hoje é a quantidade (talvez até excessiva) e a qualidade dos arquitectos que nela habitam e nela trabalham. Os jovens arquitectos estão na linha da frente no retorno à Baixa, ocupando os escritórios agora disponíveis por preços mais módicos. A cidade vai ganhando alguns exemplares de arquitectura contemporânea dignos de interesse e tem à disposição não apenas exemplares de arquitectura histórica muito relevantes, como também alguns exemplares de arquitectura modernista com algum interesse (apesar da degradação de alguns edíficios como os do Arq. Loureiro e Arq. Márcio Freitas, por exemplo). A tudo isto acresce o facto de ao Porto se associarem os nomes de Távora, Siza e Souto Moura. Seria do interesse da cidade aprofundar esta imagem. Como? Em primeiro lugar, seguir o exemplo de Barcelos e só aceitar projectos de arquitectos. Em segundo lugar, acabar com a adjudicação directa e recorrer sistematicamente à figura do concurso público (inclusive para a recuperação dos quarteirões no âmbito da operação de reabilitação da Baixa). Em terceiro lugar, fazer um esforço conjunto com a Ordem dos Arquitectos de maneira a se organizarem anualmente eventos ligados ao sector (colóquios internacionais e nacionais, congressos, pequenas palestras, exposições, etc), até porque sempre que há alguma coisa relacionada com a arquitectura a acontecer nesta cidade, é garantia imediata de casa cheia. Em quarto lugar, adoptar uma estratégia de marketing idêntica à das galerias da Miguel Bombarda, isto é, os gabinetes de arquitectura deveriam ser todos assinalados por uma imagem comum e facilmente identificavel. Acredito que tão importante como a revogação do famigerado 73/73 é a conquista de uma visibilidade social, até porque a arquitectura é, para o bem e para o mal, uma das mais perfeitas expressões de cidadania. Noites Brancas À semelhança do que se tem feito em várias cidades europeias e em especial em Paris, que foi pioneira muito bem sucedida neste tipo de iniciativas, a cidade do Porto poderia organizar anualmente uma Noite Branca. O conceito é simples: durante uma noite nada fecha: os teatros, cinemas, bares, restaurantes,cafés, comércio em geral, museus, galerias, bibliotecas, etc estão abertos até amanhecer. Esta iniciativa tem de ser enquadrada num programa cultural de animação da cidade que mantenha toda a gente na rua em regime non-stop. Uma espécie de S. João, mas com cultura em vez de foguetório (e se pensarmos no que investimos em foguetório...). A altura ideal do ano seria a segunda quinzena de Setembro/primeira quinzena de Outubro em jeito de abertura da época... Roteiro Literário do Porto Em várias cidades europeias tenho visto «Roteiros Literários» para turistas, que marcam os percursos biográficos de autores célebres e/ou percursos ficcionais de obras e personagens igualmente célebres. Nós temos apenas o Camilo, o Garrett, o Eça, o Júlio Dinis, o Guerra Junqueiro, o Sampaio Bruno, o Leonardo Coimbra, a Agustina, a Sophia, o Eugénio. Parece-me haver material mais do que suficiente para elaborar uma cartografia literária do Porto. Estamos à espera de quê? Okupação Cultural O Porto é uma casca vazia, seca, sem gente. A paisagem que admiramos do outro lado do rio pouco mais é do que um cadáver urbano. A coisa é viciosa: ninguém quer viver numa cidade degradada e uma cidade sem ninguém degrada-se. A minha ideia não é original, dado que este tipo de evento não é uma novidade por aqui. No entanto, parece-me que este é o momento certo para reactivar iniciativas do género. Existem edifícios devolutos, semi-abandonados ou abandonados de todo. A reabilitação e reocupação desses edifícios, mesmo para os mais optimistas, não é para já, porque reabilitar a Baixa é tarefa de uma geração. Entretanto, o mínimo que se pode exigir é que esse património não seja deixado ao abandono e à degradação. Ora, a autarquia por intermédio da SRU, por exemplo, deveria promover a ocupação por curtos períodos de tempo (1 a 3 meses) de alguns desses edifícios para serem levadas a cabo pequenas produções culturais alternativas (artes plásticas e teatro, fundamentalmente). Ultimamente tem crescido uma nova franja de criadores que saberiam aproveitar muito bem esta nesga de oportunidade. O que ganharia a cidade com isto? Para além, da animação cultural e social que funcionaria como íman das atenções dos media e da população em geral, ganharia a manutenção miníma do edificado e um edifício preservado já está a meio caminho para a reabilitação. Os proprietários, entre os quais a própria Câmara, nada perderiam em emprestar o seu património passivo, até porque esta seria uma boa maneira de valorizar e notabilizar esse mesmo património. Seria mais um pequeno passo a caminho da civilidade. BUS/Casa da Música Sugestão curta: os BUS cujos trajectos passem pela Casa da Música ou que aí se iniciem/terminem, podem adoptar uma denominação temática, a acrescentar ao número da linha, isto é, qualquer coisa do género: Linha Bach, Linha Beethoven, Linha Brahms, etc. E nesses BUS, os passageiros poderiam ouvir música desses compositores. Não é assim tão estranha esta ideia: eu próprio ainda me lembro de uma magnífica viagem que fiz no 37 numa tarde chuvosa de Novembro a ouvir «Love Will Tear Us Apart» dos Joy Division. Preso no engarrafamento do Campo Alegre, mas nada importado. Mas isso são estórias do tempo em que os autocarros cantavam... Museus Coisas simples: possibilidade de comprar bilhetes compostos (ex: Serralves+Soares dos Reis+Museus dos Transportes+Andante+oferta de um cálice de Vinho do Porto num dos museus à escolha). Mais: do que está à espera o Soares dos Reis para imitar Serralves (ex: abrir à noite de vez em quando)? Desta eu sei a resposta: mecenas e sensibilidade da Câmara. Bibliotecas Já falei sobre isto. A BMAG devia desistir da Galeria e aproveitar o espaço para ampliar os serviços de leitura (e não só). Mas se a ideia é manter aquele salão, então, pelo menos, que desenhem para aí uma programação. Tal como está não pode continuar. A BPMP deve quanto antes iniciar a digitalização dos periódicos que fizeram a história do Porto, por dois motivos: acessibilidade da informação e protecção dos espécimes em degradação irreversível. Uma sugestão extra-cultura Ao abrirmos um mapa de qualquer cidade espanhola (nem vale a pena ir mais longe) encontraremos sempre a Plaza Mayor (ou algo idêntico), a estação da RENFE (enfim, neste caso, não é em todas...) e a Estação de Expressos, ou seja, uma Central de Camionagem. Normalmente situam-se não demasidamente longe do centro e têm condições de conforto (sala de espera, WC, comércio...) e uma organização comparáveis a qualquer estação de combóio (bilheteiras, informações, responsável de linha...). No Porto o que temos? Companhias de longo e médio curso com locais de embarque e bilheteiras espalhadas por toda a cidade: Aliados, Cordoaria, Campo 24 de Agosto, Batalha, Praça da Galiza e sei lá mais onde! O pior é não existe qualquer coordenação com a rede de transportes urbanos! O passageiro chega à cidade e é abandonado à sua sorte: nem Metro, nem STCP, nem ao menos um táxi nas imediações! Se não estiver a chover, poderá escalar as ruas com as bagagens às costas. Isto é de uma estupidez desarmante. Apercebi-me disto quando um turista espanhol me abordou na Baixa perguntando-me onde era a central de expressos. O diálogo que se seguiu foi caricato: primeiro tive de lhe perguntar para onde queria ir, depois tentei adivinhar qual era a companhia e onde poderia comprar o bilhete («Algarve? Acho que é na Cordoaria, não é? Ah! Para voltar depois para casa? Já não é aí... acho que é na Praça da Galiza ou... talvez não...»). Sem compreender a minha atrapalhação o turista agradeceu e seguiu o seu caminho. Espero eu. Não vos parece que já é tempo de parecermos minimamente civilizados e construirmos a nossa Centra de Expressos? De preferência o mais perto possível da Baixa (a mais valia para o comércio não é de desprezar!), ou então, em conexão com a rede do Metro (Boavista? Campanhã? Antas? Gaia? Sim, Gaia: é só o Menezes se lembrar...). Para Terminar: o meu voto Num post intitulado «Próteses e Aparelhos» publicado em 14/04/2005, disse o que pensava sobre o quadro eleitoral que então se desenhava para o Porto. No essencial não mudei de opinião: 1) Rui Rio é uma hipótese excluída; 2) Rui Sá não fez tudo o que deveria ter feito para se demarcar de algumas decisões do executivo de que fez parte; 3) Assis tem um problema interno com o PS Porto que pode descambar a qualquer momento; 4) Rui Moreira perdeu aqui a oportunidade de ter avançado como independente (acho que está mais do que demonstrado que haveria espaço para uma candidatura alternativa). A minha decepção maior foi o BE, que revelou aqui uma grande imaturidade: não se pode concorrer para uma autarquia como quem concorre para uma Associação de Estudantes. Estava disposto a confiar-lhes o meu voto. Agora não. Para encurtar e não repetir argumentos já usados: vou emprestar o meu voto ao Assis porque acredito que não poderá ser pior presidente que Rui Rio e porque é o único que apresenta um programa estruturado e uma equipa à altura. É verdade que Rui Sá é o candidato melhor preparado, mas não tem equipa à altura e a política é um desporto colectivo. Para a Assembleia Municipal, no entanto, não arranjei estômago para votar no pior PS do mundo que é o velho PS Porto que está lá bem representado. Em alternativa votarei no BE que poderá desempenhar um papel mais útil aí do que em qualquer outro orgão (e para além disso poderá começar a fazer uma longa aprendizagem que bem precisa). Junta de Freguesia: Carlos Sá, sem qualquer dúvida. |
Publicado por David Afonso às 16:20
Comments on "Porto: Cidade de Cultura*"
Compro. Quando for vereador da cultura garanto-lhe que está contratado. Estou a reinar; mas compro na mesma :-)
Acrescento apenas mais uma ideia para as suas recriações históricas: o episódio do cerco do Porto e as lutas dos liberais contra os miguelistas. Afinal esses acontecimentos históricos narcaram profundamente a identidade e o carácter da cidade. É inconcebivel que os heróis de Pampelido estejam completamente esquecidos na sua própria pátria - o Porto.
De vez em quando, os portuenses mostram que têm excelentes ideias, basta ouvi-los.
Eu apoio, com muito prazer!
Ideias extremamente interessantes, e que sem a menor dúvida revitalizariam em parte a cidade, não só na sua vertente cultural mas também no comércio, turismo e até recuperação urbanística.
Deixe-me no entanto lembrar que já existe um esboço das noites brancas no Porto: as 40 horas de Serralves, que se realizam desde o ano passado no rpimeiro fim-de-semana de Jub«nho, tanto no museu como nos jardins da Fundação.
João Pedro
Obrigado pela observação. Por acaso foi numa dessas noites brancas em serralves que me ocorreu a ideia de alargar a iniciativa a toda a cidade e em particular à baixa, segundo um modelo inspirado no parisiense. Imagine o que seria Soares dos Reis, Galerias de Miguel Bombarda, Rivoli, Ateneu, Coliseu, TNSJ/TECA, e etc (já nem me atrevo a falar no Batalha...) envolvidos numa programação comum numa noite mágica. Imagine só...