O nome é Joel, mas isso é o menos importante.
Cosmopolita como eu, viajou pelos quatro cantos do mundo, e conheceu paisagens, arte e culturas milenares, e vidas na aparência tão diferentes das nossas. Do longínquo e fascinante Oriente, às ilhas mais remotas do Índico e do Pacífico, viu cores inimagináveis e sentiu o prazer de aromas fascinantes. Pôde contemplar a beleza de lugares perdidos como a Terra do Fogo, mas também sentir a vida, o cheiro a fritos e suor das artérias mais movimentadas de Hanói. Sentiu a incomensurável sensação de paz das dunas do Sahara e o murmúrio violento de Iguaçu , mas também o pulsar permanente e imparável de Tóquio e de outras grandes metrópoles.
Conheci-o como meu aluno de Navegação, e, por entre os rudimentos da carteação, agulhas magnéticas, azimutes, marcações, proa verdadeira e proa da agulha, fomos trocando impressões de velhos viajantes. E falámos de povos e gentes, das noites de Paris e de Bangkok, ou de um bar muito particular, numa enseada perdida em Madagáscar. Do sabor inebriante dos ouriços de mar em Punta Arenas, de praias com coqueiros, desertas ainda ou povoadas por pequenas colónias de pescadores, afastados da cultura devoradoramente consumista da sociedade ocidental. E falámos também claro, do cheiro a alfazema das mulheres latino-americanas, ou dos enormes e profundos olhos negros das indianas. E entre a marcação de um rumo, e mais uma história de caminhantes, fomos falando também de nós e lançando os alicerces daquilo que é hoje uma forte amizade. Falámos de projectos, passados e futuros, dos filhos, de relações desfeitas, de recomeços. E por entre amores e desamores, falou-me do seu prazer em velejar com um barco mercantel, na Ria de Aveiro e do melhor modo de aproveitar o vento , sentindo o odor a maresia. Da sua meninice num desses barcos, a trabalhar com o pai, do gosto pelo ar livre e por largos horizontes.
Com 65 anos quis aprender Navegação. Não apenas por imperativos legais, mas essencialmente pelo prazer de aprender cada vez mais ainda da arte de navegar.
Ex-emigrante em França, construiu aí um Império económico que abandonou recentemente para se dedicar ao seu novo projecto: a travessia do Atlântico…a remos.
Todos nós temos sonhos, desses que deveriam comandar a vida, mas confesso que a primeira vez que o ouvi mencionar essa ideia, fiquei algo perplexo. Depois fascinado, e pouco a pouco fui-me sentindo contagiado pelo seu entusiasmo.
Comecei a pensar em todas as formas de o apoiar no seu projecto, e à medida que me vou envolvendo no mesmo, não consigo abstrair-me da corrente de pensamentos que esta aventura me provoca. Que não é uma aventura, diz-me, mas simplesmente viver: correr atrás de um sonho, dos muitos que quer realizar. Que a vida é feita de movimento. Amar o longe e o difícil, o que apenas se vislumbra em contornos indefinidos sob o manto diáfano da paixão.
Impressiona-me o seu ar tranquilo, e a tranquilidade com que prescinde do conforto a que nos habituámos: a televisão e o DVD, o aquecimento central e o condomínio fechado, por uma viagem desconfortável, que exige um enorme esforço físico e mental, e por muito apoio que venha a ter, recheada de perigos e imprevistos,
Que o importante é viver, costuma dizer-me. E navegar, remata surdo o meu pensamento.
Comments on "Navigare Necessere Est"
Grande estória!
Excelente começo, o do nosso reforço de Inverno!