A minha geração
Glória faz parte da minha geração, mas Glória não é como eu. Glória nasceu no ano da constituinte e apesar de todas as contrariedades em que a minha geração vive, Glória é deputada pelo PS. A minha geração sempre foi muito heterogénea nas suas opções e quase sempre nos associámos a grupos com os quais nos identificássemos, naquela altura em que havia muitos mais grupos do que existem hoje na geração Morangos com Açúcar. Nós vestíamos de forma diferente uns dos outros, éramos pirosos, mas era o que se arranjava naquela altura e só mais tarde tivemos o apelo das marcas. No fundo todos queríamos coisas simples desde tenra idade. As meninas queriam Tuchas e os rapazes bolas de futebol, garagens da Galp, ou uns ténis Sanjo. Glória teve a felicidade de receber a sua primeira constituição aos 7 anos e agora recorda com saudade o orgulho que sentiu quando os pais lhe ofereceram em tão tenra idade um exemplar do texto constitucional. Glória não é como eu, nem como grande parte da minha geração e provavelmente por isso é deputada, enquanto nós seguimos a escola e tornámo-nos doutores como os nossos pais tinham previsto, ou então deixámos a escola por era muito cansativo para tão jovens corpos e fomos para mecânicos, carpinteiros ou escriturários e os nossos pais tiveram de se contentar com o facto de pelo menos termos um trabalho honesto. Glória não teria ficado igualmente contente com uma Barbie ou uma Tucha com mangas de balão cor-de-rosa. O que Glória almejava era uma constituição. E por isso terá passado parte da sua vida em reuniões e em “cacicagem” para as eleições das estruturas das concelhias, das distritais e dos delegados aos congressos. Foi uma boa prenda a que os pais de Glória lhe deram, mas será que Glória tem hoje a mesma consciência social que teria se em devida altura lhe tivessem oferecido Tuchas e Barbies ou será que o tortuoso processo politico, cheio de ambiguidades, cunhas e amizades interesseiras a afastou definitivamente da sua geração e dos problemas que a afectam, tal como acontece à maior parte da classe política? |
Publicado por José Raposo às 14:19
Comments on "A minha geração"
Tiago, a Glória é uma pessoa como as outras, e tem os mesmos direitos que as outras pessoas.Eu até acho que é uma boa prenda :) O que eu pretendo questionar é a partidocracia e o distanciamento que ela provoca da realidade das pessoas comuns.
Exacto...
Excelente post de abertura aqui no "Dolo"..Zé!
É mesmo assim, enquanto as escolhas de Deputado se fizerem com base nos que se "enredam" nas tramas partidárias aparelhísticas...corremos efectivamente o risco de continuarmoa a ter a nossa AR coberta de "Glórias" , paenas pontilhadas por "deputados com glória"....
Apesar de a Constituição ser um excelente presente...sem dúvida!
O alheamento a que a "escalada" que as pessoas têm de percorrer para chegarem a Deputados provoca...esse sim...é provoca a AR que temos...embrenhada em si pópria..tecnocrática...ou seja...cheias de pessoas que:
PRIVILEGIAM OS MEIOS EM RELAÇÃO AOS FINS!!!
Parabéns!
Saúdo o Dolo Eventual pelo seu aniversário, pela vitalidade do(s) projecto(s) dos seus autores e, inevitavelmente, pelo reforço da sua equipa com o meu velho e grande amigo Raposo. É inevitável também que alguns visitantes lá do seu espaço Suburbano apareçam por aqui agora... e hoje para dizer como se compreende este seu texto. Não se trata de um simplismo redutor e abusivamente generalizador, que seria demagógico, mas de uma sensibilidade que não pode deixar de afectar quem se interessa pela "causa pública". Com efeito, por valorosa ou vã que seja a nossa deputada Glória, não podemos fechar os olhos ao "tortuoso processo político" em que efectivamente se tornou a nossa democracia, na perpetuação de um dos mais corrosivos males nacionais - o caciquismo, a cunha, o interesse mesquinho e umbiguista.
Convêm esclarecer que o "anónimo de passagem" aqui e o "anónimo do costume" no Suburbano é um leitor perfeitamente identificado. :)