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quinta-feira, abril 13, 2006

O acórdão do STJ e a histeria colectiva

Arrefecidas as vozes em torno da recente decisão do STJ [link] - que serão provavelmente as mesmas que de quando em vez surgem a defender a pena de morte - estamos mais aptos a discernir sobre o assunto. A verdade é que o acórdão revela mais sensatez e equilíbrio do que qualquer uma das vozes histérico-justiceiras que têm soado.

Principais factos provados em sede de 1ª instância:
1) A arguida por várias vezes fechou o BB à chave, na despensa, com a luz apagada, quando este estava mais activo, chegando o menor a ficar fechado cerca de uma hora.
2) No mesmo período, por duas vezes, a arguida amarrou os pés e as mãos do BB à cama para evitar que acordasse os restantes utentes do lar e para não perturbar o descanso matinal da arguida.
3) Durante o período referido a arguida dava bofetadas ao BB.
4) A arguida por uma ou duas vezes deu palmadas no rabo à CC quando esta não queria ir para a escola e uma vez deu uma bofetada ao FF por este lhe ter atirado com uma faca.
5) Ao EE mandou-o uma vez de castigo para o quarto sozinho quando este não quis comer a salada à refeição, tendo este ficado a chorar por ter medo de ficar sozinho.
Pelos factos 1), 2) e 3), a arguida foi condenada a dezoito meses de prisão, com pena suspensa por um ano, e muito bem. O crime previsto e punido pelo art.º 152.º do Código Penal pressupõe que «maus tratos e tratamento cruel» sejam trespassados por uma gravidade que exceda, de todo em todo, o poder-dever de educação e correcção dos pais. Fechar o menor BB à chave, na despensa, com a luz apagada, amarrar-lhe os pés e as mãos à cama para evitar que acorde os restantes utentes do lar e não perturbar o descanso matinal da arguida, dando-lhe bofetadas durante o mesmo período encerram, sem margem para dúvidas, as características da reiteração e gravidade necessárias para a punição.
Porém, a grande onda de indignação gira translactivamente em torno de palmadas no rabo [por uma ou duas vezes] à CC quando esta não queria ir para a escola; uma bofetada ao FF por este ter atirado uma faca à arguida; uma ordem de castigo ao EE para o quarto quando este não quis comer a salada à refeição. Mas onde estão aqui as características da reiteração, da habitualidade, da gravidade que excedam o poder-dever de educação dos pais? Como muito bem pergunta o acórdão: qual é o pai ou a mãe razoável que, após o filho lhe atirar com uma faca, não lhe dá uma bofetada? Qual é o pai ou a mãe razoável que nunca pôs de castigo o filho? Qual é o pai ou a mãe razoável que nunca deu uma palmada no rabo ao filho por este fazer uma qualquer birra? Maus tratos e tratamento cruel? Eu também fiz as minhas asneiras e levei alguns tabefes. No entanto, nunca me senti vítima de maus tratos ou tratamento cruel. Fosse aliás este tipo de condutas bagatelares punível, e o país que hoje se indigna com este acórdão estaria todo na prisão ou com pena suspensa. Recomendo, a este propósito, a resposta ao pertinente questionário apresentado pelo Carlos Loureiro no Blasfémias.

Comments on "O acórdão do STJ e a histeria colectiva"

 

Anonymous Anónimo said ... (abril 13, 2006 10:33 da tarde) : 

Caro Pedro Santos Cardoso,

Tenho, nos últimos dois dias, defendido exactamente a mesma posição. Acho o acórdão perfeitamente equilibrado e razoável e espanto-me pelo nível de histeria que o mesmo gerou e que apenas posso atribuir à peça jornalística lamentável de Tânia Laranjo publicada ontem no Público.
Aliás, acho que o Público merecia uma carta ao Provedor para ver o que ele pensa sobre a dita peça jornalística...a bem da reposição da verdade.

 

Blogger Pedro Santos Cardoso said ... (abril 14, 2006 12:47 da manhã) : 

Caro José,

o problema disto tudo é o mau jornalismo que por aí grassa. Aguardemos um futuro melhor.

 

Blogger Pedro Santos Cardoso said ... (abril 14, 2006 7:45 da tarde) : 

Tiago, foste mesmo vítima de mau jornalismo.

A arguida foi condenada pelos 3 primeiros actos na 1ª instância e o Supremo confirmou a condenação, concordando com ela. Portanto não houve qualquer espécie de conivência para com os primeiros 3 actos, muito pelo contrário. Por eles a arguida foi condenada a 18 meses de prisão com pena suspensa.

Há um link para o acórdão no post, podes confirmar.

É triste o estado do jornalismo em Portugal.

 

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