A ferro e fogo
Os acontecimentos de São Paulo são ao mesmo tempo motivados pelo fim de uma espécie de paz podre que se vinha mantendo entre as autoridades do estado e os criminosos, o que permitia a estes relativa impunidade em parte da cidade, e o desmoronamento do equilíbrio frágil em que vivem as grandes metrópoles, vindo ao cimo tudo o que anteriormente se encontrava escondido sob uma capa de normalidade. Em França, quando da crise dos banlieue, houve um aproveitamento do clima de agitação social para que criminosos se lançassem numa campanha de violência indiscriminada contra bens de particulares, tendo posteriormente voltado a aparecer com bastante violência nas manifestações contra o CPE. Em São Paulo não existiu um movimento social de contestação o que torna a situação em que a cidade se encontra ainda mais difícil. O Estado de São Paulo e até o Estado Federal ameaça capitular perante um grupo organizado de criminosos que domina redes de contactos dentro e fora das penitenciárias onde era suposto terem um contacto limitado com o exterior, que agitam, organizam e comandam uma campanha de medo e intimidação que leve as autoridades, daquilo que ainda é um estado de direito, a ceder. É pouco provável que haja grandes alterações à actual situação, mesmo que a violência acabe por acalmar. A corrupção generalizada no Brasil, protagonizada ao mais alto nível, vai permitir sacrificar o Governador do Estado, manter mais ou menos o status quo prisional e definir novas fronteiras para os criminosos. Enquanto a situação se estabiliza haverá mais uns linchamentos e assassinatos seleccionados, e umas mãos lavadas pelo dinheiro da droga e no final tudo voltará a uma aparente normalidade. A normalidade de um país em que os seus cidadãos preferem não escutar, nem ver aquilo que se passa dentro das suas cidades e preferem anestesiar-se com as novelas e as traições nas revistas cor-de-rosa. Enquanto isso o governo federal aproveita para desviar o olhar dos seus próprios escândalos, oferece ajuda mas na realidade não faz nada e prefere fazer passar leis inócuas contra a violência e organizar referendos absurdos sobre o porte de armas, enquanto no planalto se decide quem começou a ser corrupto primeiro o que muito provavelmente já será impossível de determinar. Todos os responsáveis políticos brasileiros são ao mesmo tempo vitimas, reféns e beneficiários deste sistema e parece que ele vem para ficar por muito tempo. |
Publicado por José Raposo às 11:25
Comments on "A ferro e fogo"
"A normalidade de um país em que os seus cidadãos preferem não escutar, nem ver aquilo que se passa dentro das suas cidades e preferem anestesiar-se com as novelas e as traições nas revistas cor-de-rosa."
Não percebi este parágrafo sobre o nosso país no meio de um post sobre o Brasil... Me explica, vai...
Um de cada vez meu amigo... :) desta vez era a realidade do Brasil. Noutra altura logo isso se poderá tb aplicar à realidade portuguesa...