Lisboa perde Praça Sony para a Amadora. Não quero falar muito da ida do Jumbotron para a periferia até porque Carmona optou pela solução mais barata, o que hoje em dia se traduz directamente em intenções de voto, mas sim daquilo que representa o esquartejamento de uma zona da cidade pensada para devolver o rio à cidade. O Parque das Nações. Tive a sorte de trabalhar na EXPO98, e guardo até hoje um cada vez mais importante álbum de memórias do que esta zona da cidade poderia ter sido. É um dossier bastante completo da intervenção urbana nesta zona degradada, que além de discriminar com detalhe todas as zonas do recinto da exposição e a sua utilização, refere também todo o trabalho envolvente, antes, durante e depois da exposição até 2010... É uma obra de ficção... Nada ou quase nada manteve o seu objectivo inicial e praticamente todas as estruturas previstas ou não existem, ou foram alteradas para servir os interesses da especulação imobiliária. Ao longo dos vários hectares da zona de intervenção da Parque Expo, que se dividem entre os concelhos de Lisboa e Loures, é possível observar edifícios de habitação assim como de escritórios com volumetrias absolutamente díspares, que sem qualquer regra criaram becos sem saída nas esquinas com os lotes vendidos a outros empreiteiros, dificultando os acessos e lógica urbanística numa zona que se queria especial. Desde a antiga torre da Galp (Porta do Mar durante a Expo98) acumulam-se os exageros de gosto duvidoso como a sucessão de edifícios, rematado com a frondosa Torre River Place (na foto) com os seus terraços com jacuzzi. Trata-se nada mais do que um muro de betão com cores garridas.
Da área sul para a Avenida D. João II onde se amontoam os empreendimentos sobre anteriores parques de estacionamento da exposição, criando a cada dia que passa um maior problema, tão lisboeta, de estacionamento. O betão armado revestido a vidros espelhados vinga por estas zonas. Por manifesta incapacidade de resistir ao dinheiro essencial à compensação do buraco financeiro deixado pela Expo, a Parque Expo autoriza tudo. Uma parede de betão com 36m de altura que bloqueia a vista de rio do Hotel Tivoli, edifícios cuja dimensão é de tal forma grande que apenas deixaram uma rua com pouco mais de 3m de largura (com dois sentidos) onde se faz grande parte do acesso às garagens dos prédios ou aos escritórios da EMEF na Gare do Oriente, onde é naturalmente impossível passar de carro, ou perigoso a pé. Um amontoado de edifícios de escritórios ainda quase todos por vender em que as lojas foram sendo ocupadas por bancos e os andares imediatamente superiores por restaurantes com pretensões nouvelle cuisine, mas com vista para o betão do outro lado da rua, e cabeleireiros da moda. Na zona norte, onde já na altura da Exposição dificilmente se compreendia a quantidade de construção, esta aumentou significativamente, não sendo possível vislumbrar uma nesga de rio deste a antiga Porta do Norte até ao rio Trancão onde já foram autorizadas urbanizações que retiram espaço ao Parque do Tejo que aí existia desde 1998. Seria de pensar que pelo menos no recinto onde ocorreu a exposição se mantivesse alguma característica do que foi esse evento. Infelizmente não. A maioria dos pavilhões da Zona Sul deram lugar a urbanizações e reina uma total selvajaria nas zonas de restauração não existindo um rumo definido para uma zona composta de pré-fabricados onde se sucedem os restaurantes e os bares mal frequentados, e a total destruição dos Jardins Garcia d’Orta. Falta saber para que servirá no futuro a torre Vasco da Gama, e o que virá a acontecer com o abandonado espaço da Praça Sony (verdade seja dita que aquilo já não servia para nada). A demolição do Pavilhão da realidade Virtual que agora se faz acompanhar de um jardim-de-infância sem uma única àrvore, e a sua substituição por mais um empreendimento de escritórios faz temer uma generalização da destruição para construção de novos empreendimentos cuja utilidade ainda está por provar. Estes são apenas alguns dos exemplos do que se tem vindo a fazer nesta zona. Claramente foi mais uma oportunidade perdida de se fazer alguma coisa pela cidade. |
Comments on "It's a Sony"
Oportunidade perdida para a cidade mas muito bem aproveitada pelos predadores do costume.
Brilhante texto e acutilante manifesto sobre esse espaço onde em tempos já se encenou a utopia, essa cidade que afinal é um não-lugar... e a propósito, registe-se que mesmo dos cinco grandes "senhores" do recinto e da exposição, um está ao abandono, à espera de revitalização, e outro só sobreviveu como casino, o que não deixa de ser sintomático...
Caro José, e o que me diz à frente de prédios que estão a construir a norte da ponte Vasco da Gama?
Tem uma vista excelente para o aterro com os solos contaminados da Galp, para alêm do facto de estar em cima de uma ETAR.
Sinceramente não sei o que vai acontecer às crianças que ali irão viver. Não devem chegar a velhos
Muito bom, o problema é que os apartamentos são demasiado caros para quem praticamente vive debaixo da ponte :)
Concordo e felicito o autor pelo artigo que uma boa revista da especialidade já deveria ter tido a coragem de fazer.
Para acabar de vez com a grosseira ilusão do "Parque das Nações"!
Mas nada disto me surpreende a mim (que por pouco tempo mantive uma ténue esperança no milagre), que vivo lá perto quase desde que nasci e tive assim a felicidade de crescer num Bairro que é dos poucos bons exemplos recentes de urbanismo e arquitectura de Portugal: os Olivais!
Mas então, como foi possível fazer o péssimo mesmo ao lado do óptimo, pensado e feito mais de trinta anos antes (será que estamos num processo de desaprendizagem colectiva? Assim parece...)??
As diferenças abissais entre os processos de promoção urbanística dos Olivais e do "Parque das Nações" explicam os opostos resultados: ao contrário dos primeiros, que nasceram de uma intervenção urbana exclusivamente municipal, a "Zona de Intervenção do Parque das Nações" ficou a seu tempo, cuidadosa e preventivamente, DE FORA do próprio PDM de Lisboa!!!
E aí eu antevi logo a situação que agora se conhece e que só tende a piorar...
Não concorda comigo, Dr. Jorge Sampaio (Pres. à data da C. M. L.)?
Sim, sim, mas agora com o casino pode sempre haver a esperança de termos não um Parque das Nações mas sim uma autêntica Las Vegas dentro da capital. Quem sabe se não terá mesmo direito a uma série do CSI...