Faço parte de uma geração cujo primeiro choque de realidade com a questão timorense resultou do massacre do cemitério de Santa Cruz a 12 de Novembro de 1991. Não fosse um militante professor da cadeira de jornalismo no secundário e talvez o assunto nos tivesse passado um pouco ao lado e talvez as manifestações de solidariedade não tivessem contacto com a nossa presença.
A partir desse momento, melhor ou pior, o tema Timor-leste passou a fazer parte das nossas agendas e discussões até ao momento em que voltámos a expressar claramente o nosso apoio, a nossa solidariedade e a nossa determinação no apoio a uma população a quem a história nos une e sobre a qual temos a responsabilidade de ter deixado ao abandono quando fechámos a porta das traseiras do Império.
Com pressão internacional, protagonizada por Portugal, com uma postura diferente de uma administração americana (de origem democrata...), e também devido à crescente democratização do ocupante Indonésia, foi possível encontrar formas de resolver o impasse e de forma civilizada os timorenses escolherem o seu caminho, ainda que com um custo incalculável para as populações.
Veio então a administração da ONU, e a independência e o esquecimento que agora parece querer quebrar-se de forma bastante violenta.
Mas importa perceber algumas questões importantes para analisarmos a actual situação.
A população timorense, apesar da dimensão do território possui cerca de 20 línguas diferentes e sempre se organizou em torno de reinos mais ou menos feudais liderados pelos Liurais. A presença portuguesa sempre teve como vantagem a uniformização do território e da língua, dando prioridade ao Tétum e ao Português, no entanto, ao longo de vários séculos os timorenses envolveram-se em violentos confrontos contra o poder colonial português. Este poder soube aproveitar as diferenças entre grupos étnicos para fazer alianças que acabavam por colocar timorenses contra timorenses e que quase sempre acabavam em gigantescas carnificinas para as populações que se oponham aos portugueses e aos Liurais aliados dos portugueses.
Apesar de constantemente se glorificar a prestação dos timorenses e a morte de cerca de 50.000 durante a ocupação japonesa da ilha, é preciso dizer que mais uma vez potências estrangeiras utilizaram a falta de unidade timorense para deter o avanço japonês, mas do outro lado da barricada muitos timorenses foram arregimentados pelos japoneses num obscuro grupo chamado "colunas negras" que aterrorizou a restante população timorense durante a ocupação.
Esta difícil unidade étnica revelou-se em 1975 juntamente com as movimentações geopolíticas da guerra fria e voltou a surgir em 1999 aquando do referendo. E agora está de volta.
Apesar disso tenho em crer que o actual pode não ser étnico mas social.
A jovem república timorense foi praticamente abandonada aos tubarões da região que a seu bel-prazer têm negociado com Timor a exploração de petróleo. A ONU praticamente saiu do território existindo neste momento pouco mais de umas dezenas de funcionários. Os projectos de desenvolvimento tem vindo a correr bem e com a normal velocidade para um país completamente destruído, mas a fome não pode esperar.
Estamos perante um problema social de acantonamento ou desmobilização de soldados que tantas vezes cria problemas um pouco por todo o mundo. Um problema mal gerido, por uma classe politica inexperiente, onde pontualmente começam a surgir casos de corrupção mas que tendo em conta a dimensão de Timor e tendo em conta o passado violento do país ganhou uma grande dimensão e ameaça tornar-se um problema sério, mesmo que estes revoltosos não contem com o apoio de uma população farta de violência que inclusivamente tem destruído bens destes militares.
Por outro lado temos uma crise política que se pode agravar entre a Presidência da República e o Governo, mas nós portugueses sabemos que isso não é propriamente um drama e que pode resolver-se.
Ontem um consultor do Banco Mundial para Timor, o Cabo-verdiano André Cursino Tolentino (que infelizmente não teve direito ao horário nobre), dizia que o caminho que Timor tem vindo a fazer desde a independência é gigantesco comparado com outros estados em situação semelhante que levaram décadas e até séculos a consolidar as suas independências. André Tolentino dizia que ainda assim o estado timorense é frágil, apesar de em 4 anos ter conseguido uma razoável administração publica, uma gestão adequada dos dossiers económicos importantes, uma negociação com diversos países para projectos de desenvolvimento, autoridades democraticamente eleitas e um projecto de afirmação cultural onde o Português tem um papel fundamental.
E é aqui que se nos colocam algumas questões sobre o que pretendemos fazer.
Portugal não é uma potência regional na Ásia, a bem dizer nunca fomos, mas somos a referência para um Poder timorense que tem de encontrar pontes de união com as diversas etnias e vontades da ilha de forma a poder uniformizar um estado em torno de um determinado ideal, numa convivência pacífica.
Diz André Tolentino que não conhece outro país onde o sentimento de pertença a uma comunidade lusófona seja tão forte, e que Portugal pode e deve enviar militares que estabilizem a situação no pais, mas deve fazer mais junto com a CPLP e com os responsáveis africanos dos PALOP que neste momento têm uma vasta experiência na prevenção de crises, como no caso de Moçambique.
Resta saber até que ponto vai o empenhamento do governo português numa estabilização a longo prazo de Timor-leste, ou se porventura vai permitir que rapidamente Timor-leste se torne uma espécie de protectorado australiano.
Comments on "Longe da estabilidade"
E também para quê, isto é, o seu exclusivo interesse...
Oh dona lusitânea, não quer comentar em "australianês"?...
Timor-Leste vive um problema idêntico ao de muitas nações pós-coloniais e não só. A re-categorização social não resolve os conflitos intergrupais. Desconfio que ser-ser «timorense» não tem lá muito significado para muita dessa gente, porque antes de serem «timorenses» são a sua própria etnia. Sem a ameaça externa, os conflitos endémicos vêm ao de cima. A única solução seria a Indonésia fazer crer aos timorenses que ainda é uma ameaça. Mas, mesmo assim, o problema de fundo por lá continuará: o que é uma nação?