Orelhas de burra
Quase sempre se começa ao contrário no que toca às políticas de educação neste país. Sim, é por demais evidente que as escolas estão demasiadas vezes embrulhadas numa lógica burocrático-administrativa e não poucas vezes o aspecto pedagógico acabará por ficar descurado. Até se pode dizer, que em ultima análise os professores não se preocupam com o sucesso dos seus alunos. Mas importa contextualizar afirmações que por si arrasam qualquer tipo de diálogo. Os professores não são um interlocutor fácil. Organizam-se muitas vezes em estruturas sindicais, fortemente corporativas e autistas à mais leve sugestão de mudanças e são na sua maioria resultado da democratização/massificação do ensino superior e por isso bastante jovens e militantes. Mas o que é o Estado tem feito ao longo dos últimos anos para credibilizar e dar condições ao professores para que possam expressar um maior interesse pedagógico pelos seus alunos? Muito pouco. Quem estudou em Portugal nos últimos 20 anos tem a obrigação de saber a quantidade absurda de formulários, certificados, pedidos, matriculas, e demais documentação que teve de preencher e das horas que teve de perder em filas para que o Exmo. Sr. Chefe de Secretaria ou o Exmo. Sr. Presidente do Conselho Directivo se dignassem a carimbar e assinar uma vulgar declaração. Quem nos últimos anos se prestou ao sacrifício de dar aulas, teve de preencher os mesmos milhares de impressos, fazer contas todos os anos ao créditos acumulados, fazer verdadeiras voltas a Portugal para concorrer nos mini-concursos, tudo para que no final o resultado pudesse ser a possibilidade de viver enfiado num quarto alugado num sítio ermo do país com o direito de ver a família ao fim de semana. Não é possível os professores continuarem a resistir às mudanças fundamentais que afectam o sector da educação, assim como todo o país, mas a ministra tem de começar a tratar os professores como adultos, porque a existir alguma educação neste país, ela devesse exclusivamente ao diligente trabalho da maioria dos professores. |
Publicado por José Raposo às 21:47
Comments on "Orelhas de burra"
O Tonel de Diógenes está a intervir aguerridamente no debate sobre a educação em Portugal. Vinde ler, comentar e participar. (http://toneldiogenes.blogspot.com/)
Tiago, já tive oportunidade de noutras alturas criticar o corporativismo e funcionalismo público dos professores.
No entanto julgo que não é com os pequenos choques em que a ministra parece querer profissionalizar-se que se conseguirá mudar alguma coisa na educação.
Não contesto que existe aversão à mudança, mas há vários caminhos para se fazerem as necessárias mudanças.
Colocar em causa o trabalho dos professores, e não a forma como se organizam as escolas, os programas, as turmas ou a formação contínua dos professores, as colocações, que são matérias que o Estado sempre negligenciou, é um mau caminho.
Tiago,
Sou professor de filosofia. Há 12 anos e já exerci em 10 escolas. Contratado. Até hoje. É claro que eu sou um tipo cheio de sorte. É claro que eu assumo o ónus por tudo o que há de errado com este país e me encarregarei de educar os rebentos que os portugueses, no seu irredutível optimismo, continuam pôr ao mundo.
PS: Esta conversa de que o estado desta choldra é toda dos funcionários públicos já começa a cheirar mal...
O caso Lafforgue, conhecem?
Parece-me um bom contributo para esta essencial discussão.
Para os interessados:
http://grip.ujf-grenoble.fr/
« www.ihes.fr/
(%7Elafforgue/demission.html)
« www.aplettres.org/
« www.sauv.net/
« www.delord.free.fr
ou simplesmente a crónica de Jorge Buescu no número 91, de Jan./Fev. deste ano, da Revista "INGENIUM" (da Ordem dos Engenheiros).
Apenas um cheirinho (cito J. B.):
«Em Novembro de 2005, Lafforgue foi protagonista (...) de um verdadeiro escândalo nos meios da Educação em França. (...) É extraordinariamente instrutivo ler o documento de Lafforgue. A sua análise, embora sobre a catástrofe que reina no sistema educativo francês, transpõe-se praticamente "ipsis verbis" para o caso português.»