Sem fim à vista
O governo está a preparar uma medida exemplar para resolver o problema do desemprego que afecta milhares e milhares de jovens licenciados em direito. Hoje durante o dia ficámos a saber pelo DN que o governo está a preparar legislação que prevê sanções para senhorios que não efectuem obras nos seus imóveis, e que numa situação extrema poderá levar à aquisição pelos inquilinos (se porventura estes se responsabilizarem pelas obras a realizar) ao preço de saldo da avaliação patrimonial feita para efeitos do IMI antes de realizadas as obras (que é como quem diz com o valor patrimonial que existia para o Imposto Municipal). Este é um daqueles temas sobre o qual todos os governos decidem mexer, o que à primeira vista parece ser essencial, mas parece também normal que acabem todos por fazer porcaria. Já em Outubro de 2004 tive oportunidade de falar sobre este assunto no Suburbano, quando o governo Santana Lopes inventou a solução para o problema do arrendamento. Desde aí nada, ou muito pouco, mudou. Neste momento o governo quer avalizar a aquisição de casas pelos inquilinos que não querem pagar mais, retirando-as a senhorios que não fazem obras porque não podem aumentar rendas sem as obras estarem realizadas, e tornar-se garante da realização de obras pelos inquilinos que passam a senhorios. É uma pescada de rabo na boca. Mas o mais interessante destas medidas é perceber que todos estes casos se arrastarão ad eterno nos tribunais, só para se saber em que situações alguém pode exercer o direito de aquisição após a classificação de mau ou péssimo estado do imóvel, porque apenas o podem fazer por acção judicial. Já para não falarmos nos inúmeros processos que existirão quando os antigos senhorios verificarem que foram obrigados a vender com base no pressuposto de serem feitas obras que acabaram por nunca se verificar… É uma garantia de futuro para gerações e gerações de advogados. Não há fim à vista para o problema do arrendamento urbano. |
Publicado por José Raposo às 22:20
Comments on "Sem fim à vista"
Zé,
Isto é muito complicado. A situação a que chegámos foi gerada por uma medida populista ainda no Estado Novo. O mercado por si só não parece ter dinâmica suficiente para desencravar isto. Já vi algumas propostas para resolução deste problema e esta, até agora, é a menos má e sua imperfeição é menor do que a imperfeição da situação actual.
Concordo inteiramente com o post. É uma restrição injustificada ao direito de propriedade. Se o argumento é o de que está em jogo o interesse público na reabilitação dos prédios urbanos, ou mesmo a dinamização do mercado, não vai funcionar. E não vai funcionar porque esta «expropriação» só será efectuada aos prédios que se encontrem em mau ou péssimo estado. E quem é arrendatário num prédio em mau ou péssimo estado? Quem é pobre e paga uma renda de miséria. Vai daí que nem o senhorio pode pagar as obras se depender da renda de miséria, nem o arrendatário as poderá pagar também. Quanto mais adquirir o imóvel. É a chamada dinamização da treta.
David,
Resolver um problema, ou melhor tentar resolver um problema criando outros problemas não me parece que seja o caminho.
Se o direito à habitação é fundamental, o direito à propriedade tb o é. Parece-me muito dificil conseguir encontrar uma solução em que judicialmente inquilinos possam constestar (mesmo com apoio do governo) o direito à propriedade dos seus senhorios.
É tanto mais absurdo, porque parece querer responsabilizar senhorios do problema, quando precisamente por causa da medida que indicas ainda no Estado Novo, inquilinos e senhorios são ambos vitimas.
Não me parece que este seja o caminho ideal, e acho mesmo que acabarão por desistir.
O que poderia e deveria ser feito era utilizar o IGAPHE para resolver caso a caso os conflitos emergentes das relações contratuais entre inquilinos com contratos com mais de 15 anos e os senhorios, perante a inevitabilidade legal de duas condições: As rendas terem de subir e as obras terem de ser feitas.
Nessa altura quem teria de ser apoiado seria e quem não necessitasse teria de pagar, mas a administração central teria dados que justificassem essas opções.
É o que começa a acontecer com a maioria das funções do estado e aqui poderia funcionar de igual forma.
Claro que saí mais barato não tomar decisões, sempre assim foi.
Eu estava a escrever e não vi o post do Pedro :)
Pedro,
A parte mais fraca nem sempre é o arrendatário. Conheço muitas situações em que o senhorio é miseravelmente explorado pelo inquilino. Mas isto é um pormenor. O que interessa é que o direito à propriedade não é absoluto e a vida, a saúde e a segurança dos arrendatários e dos restantes utentes da cidade é prioritária. Que eu saiba a possibilidade de um arrendatário comprar a casa por um preço determinado pelo estado não é a única e nem sequer a mais imediata das soluções.
Zé (e Pedro),
Quando nenhuma das partes envolvidas gosta da proposta do governo é porque a proposta é boa!
É preciso conhecer a realidade antes de disparar. O Porto é a cidade do país que mais sofreu com a lei dos arrendamentos. Hoje, é um casco velho e esabitado. Na Rua do Almada, por exemplo, nos primeiros 3 quarteirões vivem apenas 3 pessoas. Tudo é preferível a isto.
David, precisamente por haver arrendatários e senhorios que trocam os papéis de explorador é que a proposta é má, porque é cega.
Quando nenhuma das partes envolvidas se revê numa proposta, eu tenho alguma dificuldade em acreditar na bondade da proposta. Embora isso por vezes possa ser verdade.
O Porto é um casco velho e desabitado tal como Lisboa. Existem situações injustas para os senhorios por ex. na Av. de Roma, e situações injustas para os arrendatários em Marvila ou no alto de São João só para falar em dois casos. E isto não se resolve permitindo aos arrendatários comprarem as casas em que vivem.
Quem efectivamente não pode pagar rendas elevadas, não pode comprar casas e recuperá-las. Ou subitamente já pode?
David, nesses 3 quarteirões quem é que vai comprar as casas ao senhorio?
As casas estão devolutas. Estas têm proprietários mas não têm inquilinos. O direito à propriedade é absoluto?
David, a questão é que esta proposta não resolve o problema das casa devolutas.
Pois não. O objectivo é corrigir a irracionalidade actual que gangrenou os nossos centros históricos. Repara que a proposta prevê que a aquisição à revelia dos proprietários é apenas uma das possibilidades. O problema aqui é deveras complexo: como desmantelar um circulo vicioso? Qualquer medida correctiva poderá se deixar arrastar pela dinâmica viciosa pre-existente...
Não se pode fazer omeletes sem ovos. Um arrendatário que habite num prédio em mau ou péssimo estado paga, as mais das vezes, uma renda miserável. Assim, o senhorio, se depender desse dinheiro para efectuar as obras, está tramado. E se o arrendatário não tem posses para habitar num prédio em condições razoáveis de habitabilidade, não terá dinheiro para adquirir o imóvel, nem tampouco para efectuar as obras. O problema é estrutural e esta lei pouco ou nada irá influir no estado dos imóveis em más ou péssimas condições.
Nenhum direito é absoluto. Por exemplo, o direito à vida não é absoluto e nem por isso eu defendo a pena de morte.
Muito bem. Alternativas?
Não se fazer algo que não vai resultar. É uma excelente alternativa.
O problema aqui está a montante da solução que querem aplicar. De quantos imóveis estamos a falar? quantos estão em estado mau ou péssimo? quem são os proprietários e onde estão? quem é que realmente não pode pagar rendas altas? etc etc etc... O Estado que deveria saber estas coisas parece não estar interessado e aplica uma lei que põe inquilinos contra senhorios.
Pedro,
solução arrojada essa, hem?!
Zé,
Esses números não são fáceis de se obter. Tenho colaborado no levantamento de vários quarteirões no centro histórico e este trabalho é o mais minuncioso que alguma vez foi feito entre nós pq engloba a questão do estado de conservação e de valor patrimonial do edificado, bem como o registo dos proprietários, arrendatários e outros. A esta escala tem-se bem a percepção do desastre que tem sido a manutenção deste status quo que não serve a ninguém (talvez apenas aos patos bravos e a banca que ganharam fortunas a construir e a vender prédios novos). A lei é imperfeita, complexa e talvez demasiado reguladora, mas fornece algumas mecanismos que não são de desprezar: subsídios de renda, co-responsabilização dos proprietários e dos inquilinos, transição faseada do regime de rendas e claro está expropriação. Não é verdade que apenas os inquilinos tenham o direito de comprar «à força» a casa do proprietário. As câmaras têm prioridade.
Não David. Solução arrojada é mudar-se para pior.
mas pedro, é pior porquê? Sabes que sou casmurro, mas bom de ouvidos: explica lá para ver se eu percebo.
David,
penso que já expliquei, nesta mesma caixa de comentários, o que penso sobre a possibilidade de aquisição do imóvel pelo arrendatário.
Aquilo não explica nada porque refereste apenas a um dos tópicos. Não é só o arrendatário que pode comprar também as camaras e as sru's. Mais acho até que a lei devia ir mais longe: quando o arrendatário não tivesse capacidade financeira para a operação, esta podia patrocinada e financiado por cooperativas, associações e, porque não?, empresas. Desde que tal fosse feito dentro de regras muito apertadas de modo a evitar mais do mesmo.