Siza em Guimarães
Na passada 5º feira, dia 25, fui a Guimarães assistir à conversa entre a arq.ª Alexandra Gesta e o arq.º Álvaro Siza que decorreu integrada na excelente iniciativa Prática Reflectida para Reabilitação Urbana financiada pelo Projecto Pagus (mais uma oportunidade que nos passou ao largo...). Algumas observações sobre a conversa com o arq.º Álvaro Siza: 1. O «especialista da participação» - instigado pela arq.ª Alexandra Gesta recordou ali os tempos do SAAL. A verdade seja dita: Siza não teve qualquer rebuço em reconhecer que esses tempos já lá vão e que hoje já não é um «especialista da participação». Nada que não se soubesse, infelizmente. 2. O «espírito do lugar» - Siza partilhou com a audiência o gozo que lhe dá passear pelas cidades, extraindo desse exercício peripatético aquilo a que chamou «espírito do lugar», transpondo-o depois para os seus projectos. Este exercício de estirador pé-de-galo nem sempre corre bem. Como se sabe, às vezes os maus espíritos importunam o médium. Deve ter sido o que aconteceu nos Aliados e, pelos vistos, em Madrid. Por coincidência, foi respaldado no argumento do «espírito do lugar» que o arquitecto defendeu a inexistência de muros ou qualquer outro tipo de vedação entre a cidade e o rio. Apesar de céptico no que diz respeito a estas sessões espíritas de estirador, também me parece desnecessário vedar o rio. Mas isso sou isso sou eu, nado e criado à borda d´água... 3. O «modelo Nápoles» - não se escondeu o fascínio por esta cidade italiana e pelo seu «caos ordenado»; as regras secretas do trânsito napolitano foram descritas como exemplares. Esta sedução napolitana poderá explicar alguma coisa, nomeadamente a ausência de passadeiras para peões na Avenida dos Aliados (isto é, não há qualquer marcação através da diferenciação de materiais e duvido que se vá fazer uso de uma solução de recurso como é a de pintar por cima dos paralelos de granito claro...). Este espírito napolitano traz consigo um aspecto positivo: o horror ao excesso de sinais de trânsito no centro da cidade. Siza cita como mau exemplo o propósito de a autarquia instalar um sinal a dizer «Centro da Cidade» em pleno Aliados (Palavras para quê?). Esperemos que não seja mais um mono igual ao do túnel de Ceuta. 4. A «demissão da praia» - Siza, a propósito do seu trabalho para Leça da Palmeira, insurgiu-se contra a campanha de «loteamento» das praias que culminará na sua ocupação e destruição. Sobre isto não esteve nada bem o orador. Em primeiro lugar e sem disfarçar o ressentimento, acusou os ecologistas de não se preocuparem com esta realidade. O que não é verdade, como qualquer pessoa de boa fé reconhecerá. Em segundo lugar, reconheceu que perante as pressões que sentiu por causa desse «loteamento» preferiu «demitir-se» das praias, assumindo apenas a responsabilidade pelo restante plano. Ora, se me permitem, o arquitecto, demitiu-se da parte errada do problema, porque se a não é a sua figura tutelar que vai impor algum respeito aos abutres, quem será então? Mas gostei de o ver assim tão preocupado com estas coisas e esta até é uma boa ocasião para isso: Vamos entrar em fase de discussão do Plano de Ordenamento da Orla Marítima entre Caminha e Espinho e o contributo de todos é importante. A voz do cidadão Álvaro Siza será sempre bem vinda. Em regime de voluntariado, claro. 5. A arq. Alexandra Gesta tem feito um trabalho extraordinário em Guimarães. E se a raptássemos? O Porto precisa de alguém assim. Adenda ao ponto 3: Entretanto fui comprar tabaco e passei pelas obras dos Aliados. As passadeiras para peões foram mesmo pintadas! |
Publicado por David Afonso às 17:07
Comments on "Siza em Guimarães"
Diz a minha mãe, que nem percebe nada de Arquitectura (mas fez o que o celebrado Vieira nunca fará...): « - Ganha fama e dêta-te a dormir...» (é alentejana e a frase não é dela, é desse figurão impertinente chamado Povo)!
Depois desta descrição tão "familiar", quase me apetece fazer os 300 km (ainda sem TGV...) para ir passear a pé nos Aliados... Ou passar antes de carro, a "testar" as passadeiras...
Já há muito que os sapateiros teimam em tocar rabecão, mas agora são os nossos Arquitectos, famosos ou apenas aspirantes a isso, que cada vez mais descobrem a sua irreprimível vocação de... engenheiros de tráfego!
A tentar mastigar uma bucha aqui no gabinete de trabalho, confesso que até me engasguei com essa tão oportuna descoberta das "regras secretas" do trânsito napolitano!
Até começo a pensar que, afinal, eu se calhar é não devo ser Engenheiro de Tráfego e também, das duas vezes que estive em Nápoles (ambas já depois de 2003), devo ter estado enganado, pois não dei por nenhumas "regras secretas" de trânsito (ou melhor, o que existe é algo bem diferente...).
Mas já sabemos que esta receita-tipo funciona sempre na Terra dos Cegos: quem tem um olho e diz que "viu lá fora" prontos, já ninguém se atreve a discutir...
Boa sorte para os peões portuenses...
Não deixa de ser curioso o paralelismo com o "super-fashion" Parque das Nações: com ou sem regras secretas e ideias-vieiras, o resultado do ordenamento da circulação urbana está à vista: depois de tanta inovação e tanta "qualidade urbanística" (ai, ai...), os peões e as carripanas são geridos a toco de... grades de ferro, como os touros à saída dos curros. Genial e económico!
Depois de tantos ministros e presidentes advogados, economistas e até engenheiros, apetece soltar um brado do fundo da Alma:
ARQUITECTOS AO PODER!
Vá, vá... nem tanto à terra, nem tanto ao mar. Não me parece mal que um arquitecto desenvolva projectos sobre o espaço público com implicações no tráfego desde que devidamente apoiados pelos técnicos especializados. Mas concordo: está na hora dos engenheiros chamarem a si as suas responsabilidades.
Plenamente de acordo.
E também sei que, muitas vezes, o problema não está tanto em quem propõe, mas mais em quem aceita sem nada perceber nem, ao menos, discutir.
A intervenção de equipas multi-disciplinares na requalificação do espaço público é mais do que necessária, em muitos casos urgente. Desde que sejam definidos, do lado de quem o deve gerir, programas e objectivos claros.
Também me repugnam as soluções de "ditadura" do ordenamento do trânsito, sobrepondo-se sem qualquer critério a todo o restante "fenómeno" urbano, desde o arquitectónico ao social e cultural!
Lisboa e arredores estão pejadas de exemplos...
a. castanho
já agora não podia escrever (resumidamente) mais alguma coisa sobre as "regras secretas do trânsito napolitano"
Oh, sim! Era uma excelente ideia! Pode até enviar para aqui que nós publicaremos!
O espírito do lugar?!
Os 'arquitectos estrelas' não são os únicos culpados but they should know better...
Fica link:Arquitectura, estrelato, "modernismos" e democracia
Ora então, muito resumidamente.
Quase não se passa nenhum dia que eu não presencie um acidente, mais grave ou mais insignificante, nas ruas e estradas (são coisas diferentes...) de Lisboa e arredores.
Há dois Verões passei duas semanas em Nápoles e, dada a fama do Sul de Itália, a partir do terceiro dia sem ver acidentes comecei gradualmente a ficar curioso sobre o fenómeno.
No final das férias tive de constatar, apesar da fraca representatividade estatística, que era notável não ter, de facto nunca presenciado nada parecido com um acidente rodoviário enquanto por lá andei, numa Cidade algo caótica e desorganizada, cheia de vielas e motorizadas desgovernadas por tudo quanto é lado.
Por outro lado, aprecebi-me que o trânsito de Nápoles, dadas as inúmeras carências da sua rede viária, usa expedientes arriscadíssimos, que incluem graves infracções às regras do Código.
Conclusão ociosa (a coisa merecia um estudo mais a sério): a razão para não haver (?...) acidentes em Nápoles está, pelas minhas observações, na AUSÊNCIA DE EXCESSO DE VELOCIDADE!!
É verdade, dadas as periclitantes condições de segurança rodoviária que se verificam por quase toda a Cidade (por vezes indescritíveis), a reacção lógica da generalidade dos utentes é... andar devagar!
O resultado é impressionante e está à vista: milhares de situações de "quase" toque, atropelamento, ou despiste, mas sempre se evita o pior à última!
Para um especialista em segurança rodoviária, não podia haver prova mais concludente da (muito negativa) influência do nosso tipo de condução nos conhecidos níveis de acidentologia.
E parece-me que também há outro aspecto importante: dadas as condições económicas, vêem-se imensos carros levemente batidos, com a chapa já enferrujada. Presumo que pouca gente possua segura "contra todos os riscos", por isso há que evitar danos, para o carrito ir durando...
Conclusão: adaptar regras napolitanas ao tráfego em Portugal, só se for para haver ainda mais acidentes, ou então para conseguir o que ainda nenhuma Lei oucampanha de sensibilização conseguiu cá: que se ande mais devegar (sobretudo dentro dos centrso urbanos...)!