Corte cego ou avaliação justa?
Supranumerários ou em regime de mobilidade especial, uma coisa é certa, a administração publica está a mexer. Aguardam-se tempos conturbados, greves, manifestações e dramáticos exemplos de funcionalismo público militante através de sindicatos mais ou menos politizados, mas também indiferença de um grupo considerável de funcionários públicos que embora preocupados, reconhecem a necessidade de mudanças, principalmente nos seus sobrecarregados serviços. O Governo não pretende informar a opinião pública de um número concreto de funcionários públicos que pretende movimentar para outras bandas ou colocar em situação de supranumerários. O que até se compreende se, como parece ser o caso, desconhecer o número exacto de funcionários públicos, as suas funções e a sua real necessidade ao funcionamento das instituições. No fundo é tudo uma grande bandalheira que todos os portugueses reconhecem na complexidade da máquina burocrática do Estado, que impede qualquer tipo de eficácia relevante para o cidadão comum, assim como obriga as próprias instituições e os seus colaboradores à habitual rede burocrática onde muitas vezes tão bem se mexe a “cunha”, como os interesses políticos. Mas então de que forma vai o Estado reconhecer a necessidade de determinados funcionários no aparelho, por oposição a outros que podem ter de se movimentar ou até abandonar a administração? O Estado e mais concretamente as finanças, pretendem auditar os diversos Ministérios, as Direcções Gerais e departamentos para concluir da eficácia de cada um, da sua necessidade para o sistema e no final concluirão também quais as necessidades em recursos humanos para cada uma das áreas cumprir a sua missão. Não vai fazê-lo, nem pode fazê-lo, em relação a cada um dos funcionários públicos. Logo tem de haver um mecanismo que permita decidir quem tem de sair, quem muda ou quem fica. Os funcionários públicos têm sempre resistido às tentativas de estabelecimento de um processo de avaliação à luz do que acontece nas empresas privadas, porque isso representa para muitos a morte do sistema de progressão automática de carreira, de que alguns beneficiam, mas é a única forma de se discriminar positivamente os funcionários públicos com base no mérito de cada um e nas missões e eficácia dos organismos em que trabalham. É assim nas empresas privadas e não existe razão absolutamente nenhuma para não acontecer o mesmo no Estado. Os funcionários têm de sentir que pertence a uma equipa, e que essa equipa tem uma missão que no caso da Administação pública é muitas vezes de carácter social, e isso deve motivá-los a terem um bom desempenho. O problema do sistema de avaliação é que tal como a acusação do Governo à politização dos sindicatos, a Administração pública está fortemente politizada ao nível das chefias intermédias e superiores. E assim o sistema ameaça cair pela base mesmo antes de ser correctamente implementado. Nas empresas privadas o sistema costuma funcionar, quando correctamente aplicado, mas existem inúmeras situações em que os funcionários acabam sempre por perder. Nas empresas privadas existem objectivos. Estes são metas a alcançar, que quase sempre carecem de realismo. Apenas a simples aproximação dos objectivos definidos por uma administração desconhecedora da realidade da base é suficiente para que se possa no ano seguinte aumentar novamente a generalidade dos objectivos para valores igualmente irreais. Nas empresas privadas os objectivos visam a criação de lucro para alguém, numa lógica muitas vezes inversamente proporcional entre salários e lucros. E mesmo assim existem situações absurdas ao nível das chefias intermédias, muitas vezes mal instruídas e mal preparadas, que desconhecem por completo como se gere pessoas e cedem com facilidade aos favoritismos ou à arrogância da superioridade das suas ideias. Numa empresa privada os objectivos mudam, muitas vezes sem serem devidamente adequados aos anteriores objectivos dos colaboradores que a meio do jogo lhes foi tirado o tapete. Nas empresas privadas os objectivos se forem mesmo maus, são alterados para outros que fiquem bem num relatório às cores e que resultem bem numa reunião de accionistas, mas os colaboradores são responsabilizados pelo incumprimento dos objectivos mal definidos. Poucas vezes as estruturas sofrem alterações profundas, mas sofrem com frequência limpezas de cara que permitem que toda a gente continue a fazer mais ou menos o mesmo, e quem tinha inicialmente provocado problemas fique devidamente arrumado onde não cria mossa ou noutro lugar onde pode criar problemas a outras pessoas. Ora como facilmente se imagina, esta é uma das principais razões da falta de dinamismo da nossa economia. Temos todos dificuldade de ser frontais com quem devemos, seja para baixo, para os que estão por cima ou simplesmente ao lado, apesar de estimarmos a conversa de café ou de corredor. Se o Estado se pretende arrogar o direito de ser referência nalgum aspecto, então não pode ir atrás deste pântano. Conseguiremos imaginar facilmente que isto acontece, e provavelmente numa escala bem maior na administração publica e continuamos sem saber como é que o governo pretende combater as injustiças que o processo de mobilidade especial e a “supranumerização” vão criar. Isto se porventura for objectivo do Governo colocar as pessoas certas nos lugares certos, ou poupar recorrendo a cortes cegos. Faltam ainda muitos esclarecimentos... |
Publicado por José Raposo às 23:13
Comments on "Corte cego ou avaliação justa?"
Como é costume, estou plenamente de acordo!...