Dolo Eventual

David Afonso
[Porto]
Pedro Santos Cardoso
[Aveiro/Viseu]
José Raposo
[Lisboa]
Graça Bandola Cardoso
[Aveiro]


Se a realização de uma tempestade for por nós representada como consequência possí­vel dos nossos textos,
conformar-nos-emos com aquela realização.


odoloeventual@gmail.com


Para uma leitura facilitada, consulte o blogue Grandes Dramas Judiciários

Visite o nosso blogue metafísico: Sísifo e o trabalho sem esperança

O Dolo Eventual convida todos os seus leitores ao envio de fotografias de rotundas de todos os pontos do país, com referência, se possível, à sua localização (freguesia, concelho, distrito), autoria da foto e quaisquer dados adicionais para rotundas@gmail.com


Para uma leitura facilitada, consulte o blogue As Mais Belas Rotundas de Portugal


Powered by Blogger


Acompanhe diariamente o Dolo Eventual

sexta-feira, junho 30, 2006

«O Porto sou eu!»


1. Dizia um dia destes Bagão Félix que «Hoje há uma censura mais grave que o lápis azul», afirmação que me fez sorrir, já que estava habituado a ouvir destes desabafos ressabiados na boca da extrema-esquerda e, ironicamente, de algum tempo para cá, de uma certa direita que retomou este argumento mal amanhado. Prossegui a minha leitura do jornal até que a páginas tantas tropecei numa notícia que confirmava a teoria de Bagão Félix! O meu sorriso morreu ali mesmo. É que o homem tinha mesmo razão! Reza assim a notícia: «Rio diz que “é uma questão de bom senso” condicionar subsídios à ausência de críticas» (Público, 28 Junho).

2. O episódio do arrufo entre os sindicatos e câmara a propósito das celebrações do 25 de Abril não é, afinal, um episódio. Tudo parece indicar que a câmara ou o Rui Rio pretendem condicionar a liberdade de expressão dos seus parceiros. Já se sabe que o autarca do Porto tem um problema em lidar com a crítica e com a comunicação social: não escondeu a sua satisfação pelo encerramento d’O Comércio do Porto; iniciou uma marcação diária ao Jornal de Notícias; igual tratamento já teve direito a redacção Norte do Público; transformou o site oficial da câmara num pasquim panfletário; criou um protocolo restrito que regulamenta severamente (entrevistas só por escrito) o contacto entre a comunicação social e os membros do executivo; contratou a peso de ouro um acessor de imprensa que comanda uma espécie de guarda pretoiana que vigia atentamente o espectro mediático, desenvolvendo ela própria notícias (!); criou uma espécie de blogue que só serve para os fiéis fazerem a sua profissão de fé; e agora isto. Isto, digam lá o que disserem, não é normal. Pelo menos em democracia.

3. Rui Rio deve se convencer de uma vez por todas que a cidade pode ser cinzenta mas não é toda igual. Aceitar a crítica e livre expressão é uma das virtudes básicas de qualquer político democrático. Repare bem: o meu presidente (meu apesar de não ter votado nele) não sabe que «quem com ferro mata, com ferro morre»? Não vale a pena retocar a imagem, não vale a pena se fechar nos paços do concelho - qual bunker - rodeados de fiéis seguidores, não vale a pena injuriar os jornalistas e os intelectuais e, sobretudo, não vale a pena subir à torre sineira da câmara e sentenciar: «O Porto sou eu!». Não vale mesmo a pena. E sabe porquê? Porque as coisas são mesmo assim. Não há volta a dar-lhe. Habitue-se. Por enquanto a maioria ainda está do seu lado, mas se não deixar o espelho, espelho meu esses serão, de dia para dia, cada vez menos. Se quer conquistar a cidade faça apenas o seu trabalho e deixe a cidade viver a sua vida.

4. A cidade, para Rui Rio, parece reduzir-se ao que lê nos jornais. Se a imprensa disser que tudo está bem, então tudo está bem. Apesar de nada, na realidade, estar bem. Uma cidade de ficção, de papel. A cidade que Rui Rio mal vê de dentro do seu mercedes de brinquedo e de vidros esfumados. A cidade que Rui Rio vê do meio do rio Douro na noite de S. João, num barco repleto de vips que exclamam, embasbacados, o lugar comum de quem não conhece a cidade: «Isto é lindo!». Olham para cidade como se esta não passasse de um cenário de papel colorido «Que lindo!». Bem longe da populaça que cheira a sardinha assada. O Porto que já teve presidentes da república na rua, com o povo, na noite de S. João, agora está reduzido a um presidente de câmara que olha anemicamente de um barco de turismo para a cidade enquanto beberrica um gin tónic! Estamos conversados, carago! Carago sim, carago!
5. Para concluir (ou talvez não) recomendo ao meu presidente este excerto do excelente artigo (excelente, embora eu não concorde totalmente com o que lá é dito) do seu amigo Pacheco Pereira, publicado no Público de 29 de Junho: «Estamos num desses momentos em que mais é necessária política no espaço público, e o que acontece é o contrário, ela praticamente não existe, obscurecida por uma mistura anestesiante de circo, de conveniências, falsos consensos e maus hábitos de poder. Não havendo crítica nem alternância, gera-se um efeito de obscuridade, não havendo ânimo crítico, o espaço público mirra.» Talvez fosse uma boa altura para pegar no telefone e ter um conversa com o seu amigo. Ele terá bons conselhos para lhe dar.

Comments on "«O Porto sou eu!»"

 

Blogger Nuno Guronsan said ... (junho 30, 2006 2:31 da tarde) : 

E o pior de tudo é que o sr. Rui Rio não está sozinho na sua prepotência. Depois ainda se admiram muito que a classe política seja toda olhada de lado...

 

post a comment