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quarta-feira, outubro 11, 2006

Grandes Dramas Judiciários: Urbino de freitas (21)

A Biblioteca Urbiniana cresce. Agora com mais um suplemento à Coimbra Médica



ROCHA, Augusto - O problemamédico-legal no processo Urbino de Freitas. Coimbra Médica. Coimbra. Suplemento ao nº 10 de Maio de 1891
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21. Depoimento de Godinho de Faria, médico

Inquirido pelo Delegado, o dr. Godinho de Faria recorda a sua intervenção no caso em litígio. Fôra chamado á rua das Flores, perto meio dia, a 2 de Abril. Encontrara lá o dr. Adelino Costa e o Réu. O Réu disse-lhe que se tratava de um envenenamento criminoso; que a Berta tinha recebido de Lisboa uma caixa de amêndoas e doces de côco; que as crianças, a avó e criada comeram desses doces, no dia 31 de março, e se sentiram incomodadas. Tomaram sais de frutas e melhoraram. As crianças, no dia seguinte, haviam-se alimentado regularmente, brincando e dando as suas lições. Nesse dia, 2 de Abril, pela manhã, as crianças apareceram novamente muito incomodadas. O depoente fôra observá-las. As meninas, além de outros sintomas, tinham notável contracção pupilar, vómitos e retenção de urinas. Em Mário havia já completa abolição da vida de relação-contracção de pupilas, colapso profundo e quási completa asfixia. Exposto isto, o depoente dissera que os sintomas observados em 31 de Março foram produzidos pela acção de um tóxico, revelavam envenenamento, pois que, a simultaneidade dos mesmos sintomas, em várias pessoas, após a ingestão dos doces, era imprópria das doenças comuns. Em relação ao que se verificou a 2 de Abril., parecia-lhe que havia também a acção dum tóxico, porque em duas crianças se notavam os mesmos sintomas, havendo em Mário o sintoma comum da contracção das pupilas, embora neste muito mais intenso. O que não podia, era a achar a relação entre o primeiro e o segundo quadro tóxico. Os sintomas verificados pareciam produzidos pela acção do ópio, ou por um dos seus alcalóides, a morfina, mas não se podiam explicar pela ingestão do ópio em 31 de Março.
Os alcalóides – explica – tem uma acção local que varia com a qualidade e a dose da substância ingerida, a idade e a receptividade do entoxicado. Depois de absorvidos, actuam sobre os órgãos e elementos anatómicos da sua eleição e eliminam-se rapidamente. Se o indivíduo não sucumbe, os sintomas desaparecem gradualmente e ele recupera a saúde. Este princípio tem a generalização duma lei. Portanto, as crianças, a avó, a criada, se tinham sido entoxicadas a 31 de Março, o alcalóide que apresentou a sua acção tóxica nesse dia, não podia explicar, de modo algum, o quadro tóxico que se apresentou a 2 de Abril.... E porque há poucos alcalóides cujos efeitos tóxicos gerais possam ser combatidos pelos efeitos tóxicos gerais de outros alcalóides, ele, depoente, e Adelino Costa, aconselharam o Réu a que chamasse o Professor de Farmacologia José Carlos Lopes, o mais competente dos clínicos do Porto para indicar a terapia a seguir. O Réu saíu a procurá-lo, mas só o procurou, de facto, às 3 e meia da tarde. Não o encontrou. E procurou-o de novo às 7 horas, também da tarde.
Nesse dia – prossegue a testemunha, remomerando os factos – começou a convencer-se de que o Réu, no relato do ocorrido, lhe omitira circunstâncias muito capitais; e que tinha havido dois envenenamentos, um a 31 de Março, outro de 1 para 2 de Abril. Começou a suspeitar de que o autor da façanha devia ser a pessoa mais interessada na extinção daquela família. Depois, realizou-se a Conferência médica de 22 de Abril – o arguido já preso e indigitado como suposto autor do crime de envenenamento. Fôra chamada à conferência Dona Carolina Sampaio, que contou o que se havia passado entre 31 de Março e 2 de Abril. E Dona Carolina Sampaio, narrando a circunstância daintervenção de Urbino no caso clínico – ele que lhe afirmara, ao depoente, que não medicou, por não querer responsabilidades – esclarecia todas as sua dúvidas, confirmava todas as suas suspeitas.
- Delegado: - V. Ex.ª, que fêz parte dessa conferência, recorda-se, se se fêz nessa ocasião um quesito, sobre se era conhecido algum tóxico ou alcalóide, que, embora produzisse a morte, pelo estado actual da ciência não pudesse ser devidamente determinado?
- Testemunha: - Preguntou-se-nos se podia haver envenenamento, sem que a análise revelasse a presença do tóxico. E nós respondemos que há alcalóides cuja análise ainda não está bem determinada.
- Delegado: - Ontem, falou-se numa receita da Farmácia Birra, formulada por V. Ex.ª quando foi ver ao Hotel de Paris o doente Sampaio Júnior.
- Advogado: - Isso não está em discussão. O Réu não foi pronunciado por esse crime.
- Delegado: - Não quero dizer que o Réu seja acusado por esse crime. O Supremo Tribunal disse, pelo contrário, que o não era. Mas é lícito preguntar de que morreu Sampaio Júnior. Podia ter morrido de morte casual. Entretanto, não pregunto mais. – E para a testemunha, depois de pormenorizada a evolução da doença dos entoxicados.
- Então explica-se a morte do Mário e os fenómenos apresentados pelas meninas, por intoxicação?
- Testemunha: - Intoxicação nos clisteres e nada mais. O dr. Ferreira foi ver as crianças. Pediu a comparência do Comissário de olícia. O Réu chamou a sogra de parte e disse-lhe: «Mamã. Não diga que eu dei os clisteres às crianças. Olhe que o Comissário é um grande francês e um grande canalha».
O Réu pede ao Juiz para falar ao seu Advogado – ao que o Juiz defere.
- Advogado: (depois de falar com o constituinte) – Disse V. Ex.ª que o Réu pediu à sogra que guardasse segredo.
- Testemunha: - Disse-o ela na Confer~encia. Não o ouvi ao Réu.
- Advogado: - Não conhece nenhum alcalóide vegetal que dê a remissão dos fenómenos sintomáticos do veneno? E a palavra alcalóide não pode ser aplicada também aos tóxicos cadavéricos? Eu não pretendo dar lições a um Médico tão distinto como V. Exc.ª. A minha pregunta, em resuno, é esta: - não há doença doutra qualquer espécie, com manifestações em períodos alternados, aparecendo e dsaparecendo? E com períodos em que o doente entra em melhoras, tornando a piorar depois?
- Testemunha: - Há. As febres intermitentes, terçãs, quartãs...
- Advogado: - Não há outras moléstias em que isso acontece?
- Testemunha: - Às vezes, numa recaída.
- Advogado: - E com os venenos alimentares, com matérias fermentadas, em estado de putrefacção?
- Testemunha: - Nessa hipótese os sintomas são completamente diversos dos observados neste caso.
- Advogado: - Perdão. Nos envenenamentos por substâncias alimentícias não se dão períodos em que o indivíduo, depois de sentir o primeiro incómodo, pode melhorar, reaparecendo mais tarde o padecimento?
- Testemunha: - Nessas doenças há o período de incubação. Aparecem, depois, os sintomas de intoxicação geral. Esses sintomas seguem-se, e, se desaparecerem, não se reproduzem.
A discussão toxicológica entre Advogado e Médico distende-se, morosa, sem que o Médico se dê por vencido ou o Advogado por convencido – o Médico, à repregunta do Juiz, acentuando que o primeiro envenenamento, na confissão do próprio arguido, não foi ocasionado pelas anilinas das amêndoas, mas sim pelo tóxico introduzido nos doces de côco; e que, se fosse resultante de alteração nas substâncias alimentares, teria envenenado as restantes pessoas da família, pois toda ingeriu o mesmo alimento.
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