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quinta-feira, outubro 26, 2006

Miguel Bombarda: Ei-los que partem!

As galerias portuenses Graça Brandão, Fernando Santos e Quadrado Azul optaram, nos últimos tempos, por abrir uma extensão em Lisboa. Apesar de nenhum dos galeristas falar em fechar portas no Porto, a verdade é que não há garantia de que tal não venha acontecer e que acabem por seguir os passos da galeria Jorge Shirley. E mesmo que não se confirme o pior dos cenários, assistiremos, pelo menos, à secundarização do Porto relativamente a Lisboa na actividade destes galeristas, tornando-se o Porto numa espécie de montra de segunda linha, não onde a novidade se exibe, mas onde se exibem obras secundárias e em “fim-de-vida”, enfim, os monos.
Os argumentos para esta súbita inclinação para sul apresentados pelos próprios são de quatro ordens distintas:
1) Argumento económico – Os galeristas são comerciantes e os comerciantes procuram mercado que sustente a sua actividade. Como a procura é maior e com mais poder de compra no mercado lisboeta do que no mercado nortenho (que parece se ressentir muito mais dos efeitos da crise económica), é natural que a opção mais racional seja a de se privilegiar o primeiro. Ainda nesta ordem de razões, será ainda de considerar a maior exposição internacional que o seu produto tem em Lisboa, comparativamente ao Porto, o que lhes abrirá as portas a um mercado muito mais vasto.
2) Argumento profissional – A actividade profissional do galerista exige um acompanhamento continuado e muito próximo dos criadores por si representados. Ora, como a grande maioria dos criadores nacionais colmeiam-se na capital, mesmo que tenham nascido e formado na “província”, deverá ser aí mesmo que os seus representantes devem fundear.
3) Argumento cultural – Apesar de se tratar de uma actividade comercial, as galerias são também agentes culturais, pelo que são particularmente sensíveis a todas as variações do ecossistema cultural. Porto, desde 2001 tem vindo a perder dinâmica e a maré baixa toca a todos: das artes plásticas ao teatro, passando pelo cinema (só a música é que parece viver dias felizes...). No entanto, em Lisboa o frenesim cultural não acalma, atraíndo para si o pouco de vida que resta no resto país.
4) Argumento político – A cidade não tem política cultural, não tem interlocutores com os quais os criadores e programadores possam afinar estratégias. Antes pelo contrário, aparentemente a cultura terá sido expulsa da agenda autárquica. Em contrapartida, em Lisboa existe uma maior receptividade e apoio aos projectos culturais, mesmo que se trate de galerias com manifestos propósitos comerciais.
Em toda a argumentação perpassa uma imagem de uma cidade em regressão económica e cultural, cada vez mais secundária (deverá até começar a olhar por cima do ombro porque as terceiras e quartas cidades andam por aí...), cada vez mais ensimesmada e sem capacidade de reacção.

As galerias de arte da Miguel Bombarda são um fenómeno cultural e urbano muito interessante: surgem, inicialmente, de uma forma espontânea, aproveitando armazéns, caves e espaços comerciais com áreas adequadas. Rapidamente se organizam, conseguindo aquilo que nenhum ProCom ou UrbCom conseguiu nesta cidade: agir concertadamente para captar clientes e público, ou seja, organização conjunta de eventos (inaugurações), unificação da imagem e horários e criação de uma associação que funcione como uma espécie de interlocutor institucional. Quem conhecia aquela zona antes da vinda dos galeristas, reconhecerá como a sua presença a revolucionou: é uma das poucas zonas da baixa que não tem problemas em fixar residentes e em atrair novas actividades comerciais, incluíndo um hotel (Hotel das Artes). Muito antes de se falar em SRU, um grupo de privados assumiu o risco e investiu na reabilitação e requalificação urbana, conseguindo-o com notável sucesso.
Perante isto, o que seria de esperar da parte dos responsáveis autárquicos não era, de certo, indiferença. O único sinal de reacção desse lado são as taxas que continuam a cobrar pelas telas publicitárias que identificam as galerias. O que é estranho porque se a cultura não é uma prioridade, já a reabilitação urbana o parece ser. Repara-se que não é pedido nada de especial à Câmara do Porto: não se pedem subsídios ou apoios materiais (recordo que em Lisboa a Câmara imprime com frequência ela própria os convites para as exposições e fornece transporte para o circuíto das inaugurações), mas apenas uma parceria nesta aventura. As galerias de Miguel Bombarda são de iniciativa 100% privada e creio que assim gostariam de continuar. Agora, há coisas que os galeristas não podem fazer, como, por exemplo, intervir sobre o espaço público. Como é complicada a minha cidade: existem ruas reabilitadas sem comércio e sem habitantes e existem ruas cheias de comércio e gente que continuam por ali mal amanhadas, sem ordem e sem qualidade urbana. O Circulo Cultural Miguel Bombarda encomendou ao arq. Filipe Oliveira Dias uma projecto de reabilitação da rua e ofereceu-o à Câmara. Iniciativa que foi ostensivamente ignorada pela autarquia. Que fazer? Assim é muito complicado remar contra a maré...

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Na imagem: Galeria Fernando Santos, Porto
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Alguns links de interesse (aceito outras sugestões):

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Comments on "Miguel Bombarda: Ei-los que partem!"

 

Anonymous Anónimo said ... (outubro 26, 2006 6:10 da tarde) : 

Se calhar não vale a pena bater no ceguinho, mas este é mais um exemplo de como a tão falada reabilitação urbana parte dos pressupostos errados.
O que a arte contemporânea fez pela recuperação da baixa através das galerias da Miguel Bombarda é infinitamente superior ao que qualquer SRU, planos de pormenor, masterplans e o diabo a quatro que burocratas cinzentos e promotores radiantes com a palavra 'Baixa' sempre na boca, alguma vez poderão fazer.
É pena que pouca gente perceba isso!
Afinal é só arte e "enquanto houver gente a viver sem condições qual é a importância de um quarteirão cheio de galerias"?
Está tão triste a vida no Porto.
Eu acredito que vale a pena bater no ceguinho.
hs

 

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