Nesta quadra festiva que se avizinha, são muitos os peditórios e campanhas humanitárias que, aproveitando esta brisa de bondade, boa disposição da carteira e compaixão pelo próximo, se lançam à rua em busca de donativos dos transeuntes. Meritórias nas suas intenções, estas instituições sobrevivem muitas delas da máxima “grão a grão, enche a galinha o papo” e onde naturalmente o “grão”, aqui, é o cidadão comum que contribui para estas causas, para além de todas as outras que necessitam do erário público: as causas políticas; as económicas; as causas de capricho; as que não são causas; etc. E eis que aqui se prende a razão destas palavras, causas que não são causas, ou melhor ainda, causas de lana caprina.  Já devem ter reparado, em vários estabelecimentos comerciais, nas caixinhas embrulhadas com motivos alusivos ao natal, estrategicamente colocadas, com uma estranha ranhura e cartão de boas festas. Na grande maioria a mensagem no cartão diz como segue: “ os funcionários deste estabelecimento desejam-lhe boas festas!”. Eu agradeço os votos e retribuo os desejos. No entanto, não é só isso que é pretendido com esta estratégia de peditório disfarçada de puro espírito natalício. É o belo do meu contributo monetário que agradecem. A moral da mensagem é, “deixe aqui a moedinha que assim já compro um game boy ao garoto, os funcionários deste estabelecimento agradecem o seu contributo para as nossas prendas”. Ora se, ao entrar num estabelecimento, pago o que compro ou os serviços que me prestam e, os funcionários auferem o seu subsídio de natal nesta época, seja esse montante relevante ou não, muito ou pouco, onde está a razão de ser destas caixinhas? Com este palavreado não é difícil deduzir que eu não dou para este peditório. Já não basta o costume amplamente aceite da gorjeta em determinados locais como restaurantes e hotéis, o colocar da moedinha na bata da assistente que nos lavou o cabelo no salão de beleza, temos agora o “peditório nacional dos funcionários de todos os estabelecimentos deste Portugal que desejam a todos boas festas”. A dupla tributação sobre os rendimentos não é permitida, de igual modo esta dupla cobrança não colhe. O desprendimento de uns e a astúcia de outros funcionam como dois pratos que se equilibram na balança. E, indo ainda mais longe, este meu raciocínio leva-me a concluir que ainda para aí muito rendimento não declarado, muita fuga ao fisco. Como é que Sócrates ainda não pensou nisso e arranja maneira de tributar as gorjas. Em todo o caso, se estou enganada quanto aos propósitos deste fenómeno, para a paridade ser absoluta sugiro que se coloquem estas caixinhas em locais como escritórios de contabilidade, gabinetes de arquitectura, advocacia, escritórios médicos, para se formar uma corrente de boas festas em uníssono. |
Comments on "Quem dá para este peditório"
Vejo que não sou a única de coração empedernido a ignorar estas caixinhas. Acresce ainda que eu tenho alguma alergia a dar gorjetas e, das poucas vezez que o faço, sinto-me como se estivesse a dar uma esmola à pessoa que me atendeu e que, apesar de auferir o seu vencimento no final do mês, espero, parece precisar ávidamente da minha singela gorjeta para sobreviver. Não dou gorjetas no cabeleireiro, por exemplo, em primeiro lugar porque não me apetece andar atrás das assistentes, a contorcer-me por entre escovas e secadores de cabelo, até conseguir alcançar a algibeira da menina, para lá, finalmente, depositar o meu eurito, e em segundo lugar porque esse gesto da gorjeta (seja na algibeira, seja directamente na mão da pessoa com o 'isto é para si' da praxe) me parece sempre humilhante para quem o recebe e de grande arrogância para quem dá. Se calhar estou errada, mas eu, imaginando-me no lugar da pax gorjetada, sentir-me-ia ligeiramente humilhada. :-\