Classes A e B
Na 6ª-feira passada estive na Tektónica, uma feira de materiais de construção civil em Lisboa, e no Sábado estive no Cantinho das Aromáticas, em Gaia, numa iniciativa da Quercus Porto. Aparentemente, nada têm em comum: de um lado a indústria subsidiária do betão que, em grande parte, é responsável pelo estado a que chegámos; do outro, uma indústria inovadora que encontrou um nicho de mercado que terá tanto de improvável como de lucrativo. Duas actividades com princípios opostos, liderada por gerações opostas e, sobretudo, com futuros opostos. No entanto, ambas parecem jogar no mesmo tabuleiro: a classe média, média/alta. Na Tektónica foi possível constatar que a tendência do sector é investir em produtos com suposto valor acrescentado, já que a era da construção em massa parece fazer parte do passado. Pena é que a interpretação que o sector faz do perfil de um produto de qualidade seja completamente desajustado. Na feira abundaram os cerâmicos e grés dourados, prateados e serigrafados num hino ao mau gosto e ao novo-riquismo (o stand da Cinca, por exemplo, estava qualquer coisa de medonho: juro que nunca vi tanto dourado e prateado junto num só espaço!). A justificação dos “comerciais” era sempre a mesma: para além da produção em massa (os chamados produtos “técnicos”), as marcas aspiram agora a uma oferta personalizada (e cara), virada para os escalões mais elevados de consumidores. Pois a mim pareceu-me que se inspiraram na casa dos patrões. Escusado será dizer que não encontrei vestígios de preocupações ambientais. Nem sequer no marketing! Indústria fóssil, é o que é! No Cantinho das Aromáticas descobri uma pequena empresa que se arrisca a se transformar num caso de sucesso. Actividade? Produção e comercialização de plantas aromáticas, medicinais e condimentares, sobretudo de espécies nacionais e mediterrânicas. O Portfólio já vai em 150 espécies e só não é a maior empresa do ramo em Portugal porque é a única. Neste momento, grande parte da produção destina-se à exportação. Convém salientar que se trata de um produto de biológico certificado. Os responsáveis, no entanto, não escondem que aquilo é, sobretudo, um negócio rentável, embora com preocupações ambientais (algumas espécies raras e em vias de extinção são criadas nos seus viveiros, por exemplo). Não é difícil perceber que o target é a classe média-alta europeia. Aliás, o próprio activista de um curioso projecto na área da comercialização de produtos biológicos – Projecto Raízes – implicitamente o reconheceu quando criticou a sociedade em geral por esta se preocupar mais com as prestações do carro, da casa e com as férias do que com o seu próprio bem estar. O mercado é, mais uma vez, a mítica classe média-alta. Uma conclusão: A classe média-alta é o novo Graal da economia. Duas preocupações: Existirá uma classe média-alta capaz do eterno consumo? Quando é que a ecologia deixou de ser uma questão política e social? Sim, porque sempre pensei que a ecologia tinha a ver com a sobrevivência dos milhões e milhões de pobres pobres e não com o bem estar de uma anafada classe social. |
Publicado por David Afonso às 20:49
Comments on "Classes A e B"
Olá,
Por coincidência hoje decidi vir passear um pouco pela Blogosfera, e encontrei este Blog.
Mais uma vez por coincidência este Blog faz referência a "um activista" do Projecto Raízes.
Em primeiro lugar, queria deixar claro que não me incomoda a forma como fui classificado. No entanto não concordo.
Tanto não sou activista como o Projecto Raízes, não é um projecto de intervenção.
É sim um projecto empresarial, que visa implementar, um negócio sim, sustentável e ecológico.
Em segundo lugar queria discordar plenamente de ter admitido que o alvo de mercado é a classe média-alta.
Aquilo que foi dito é que muitos dos portugueses de classe média que dizem não ter possibilidades de comprar produtos biológicos não a têm porque dão mais valor ao carro, à casa e às férias do que à sua saúde e bem estar.
O Mercado alvo é a população inteira.
Recorde que também disse que um dos objectivos é tornar os produtos biológicos mais baratos, para que estes possam chegar a mais gente e para que não se faça dos produtos BIO algo só acessível aos mais afurtunados.
Até fiz uma comparação com a situação que se vive no pais com os dentistas. Os ricos têm dentes tratados e os pobres não, porque é demasiado caro e a segurança social não comparticipa.
De resto não tenho reparos
Olá Pedro,
Tenho de lhe dar razão: o Projecto Raízes é essencialmente um projecto empresarial. Mas há-de concordar comigo que terá também uma componente de genuino activismo (o só lhe fica bem)). Sabe que tenho algumas reservas quanto à vaga de produtos BIO, por três motivos: 1) Pela apropriação que o mercado tem vindo a fazer de tudo quanto tem a ver com a imagem "Verde" (por exemplo, há qualquer coisa de pornográfico numa parceria EDP/Quercus, não acha?); 2) Porque o mercado BIO é, de facto, um mercado limitado que mais do que alimentar bocas, alimenta consciências; 3)Duvido que a agricultura BIo consiga dar resposta às necessidades globais, a essa maré de pobreza e faminta que é, quanto a mim, o problema ambiental do século.
No entanto, acredito que vale a pena pensar na microprodução, sobretudo em contexto urbano, e acredito que a agricultura alternativa tem grande utilidade como exercício de pressão sobre o mercado contribuindo para uma mudança necessária na produção industrial de bens alimentares.