Dolo Eventual

David Afonso
[Porto]
Pedro Santos Cardoso
[Aveiro/Viseu]
José Raposo
[Lisboa]
Graça Bandola Cardoso
[Aveiro]


Se a realização de uma tempestade for por nós representada como consequência possí­vel dos nossos textos,
conformar-nos-emos com aquela realização.


odoloeventual@gmail.com


Para uma leitura facilitada, consulte o blogue Grandes Dramas Judiciários

Visite o nosso blogue metafísico: Sísifo e o trabalho sem esperança

O Dolo Eventual convida todos os seus leitores ao envio de fotografias de rotundas de todos os pontos do país, com referência, se possível, à sua localização (freguesia, concelho, distrito), autoria da foto e quaisquer dados adicionais para rotundas@gmail.com


Para uma leitura facilitada, consulte o blogue As Mais Belas Rotundas de Portugal


Powered by Blogger


Acompanhe diariamente o Dolo Eventual

domingo, maio 13, 2007

Grandes Dramas Judiciários: Urbino de Freitas (24)

Na peugada de Urbino de Freitas encontrámos no O Comércio do Porto do dia 18 de Janeiro de 1877, a: «Lista nominal e residencial dos facultativos e pharmaceuticos, parteiras e dentistas, matriculados na 1.ª dividão policial no 2.º semestre do anno de 1876.» pela qual ficamos a saber a data exacta em que Urbino começou a exercer medicina e até a morada do seu primeiro consultório: Rua do Almada, 332 (ver foto).




24. Declarações de Dona Maria Carolina


O Juiz manda apresentar-se na sala Dona Maria Carolina Sampaio. A filha, mulher do Rei, que assiste ao julgamento, na teia, ao ver entrar a mãe, levanta-se, soluçando, «retira-se, banhada em lágrimas». A declarante senta-se na cadeira das testemunhas – todo o emocionado auditório na mais ansiada expectativa.
- Juiz: - V. Ex.ª foi requisitada pela acusação para prestar declarações perante os senhores jurados.
A defesa opõe-se a que Dona Maria Carolina seja ouvida em Juízo, por não ser parte acusadora. Dita os porquês da sua oposição, o Delegado ditando os porquês da sua concordância – e o Juiz o despacho em que admite as declarações «sem juramento»; a defesa, logo, a ditar o requerimento de agravo para a Relação.
- Juiz: - (dirigindo-se à declarante) – V. Ex.ª faça o favor de contar o que se passou em sua casa em Março e Abril.
O silêncio, na sala, é tão profundo como se, de repente, tivesse ficado deserta, e nas profundezas do deserto.
Dona Maria Carolina, em voz clara e modos desembaraçados, deduz as suas declarações:
«No dia 29 de Março, preparava-me para ir a casa da minha filha, mulher de Urbino, quando o criado me trouxe uma encomenda destinada à Berta. Antes de sair, recomendei que não mexessem nessa encomenda. No regresso a casa, à noite, vi que, efectivamente, ninguém lhe tinha tocado. No dia seguinte, depois do jantar, os meus netos pediram-me que lhes mostrasse o que continha a caixa. Abri-a e mostrei-lho. Dentro dessa caixa havia outras com amêndoas e doces. Meu genro apareceu nessa tarde. Convidou-me para ir aos cavalinhos. Fui. À noite distribuí amêndoas pelos netos.
«No outro dia estavam bons. Acabaram de jantar e pediram-me os doces que vinham na caixa. Dei um doce a cada um. Eu comi um bocado de cada bolo das crianças, depois de meigamente rogada por elas. Minhas netas disseram que o achavam amargo e deram o resto ao Mário, que comeu o dele depressa. Eu também lhe achei um gosto péssimo.
«Pouco depois os meninos foram brincar. Passado pouco tempo minha neta Maria veio dizer-me que a mana Berta estava muito agoniada. Ela também vinha verde.
«Pedi água com açúcar à criada. Tinha em casa um frasco de sais de frutas. Dei-o às meninas. Como o Mário se queixasse de que estava muito agoniado, dei-lhe também sais de frutas e mandei chamar o boticário Gomes, com farmácia perto da minha morada.
«Maria Augusta vomitou no balde do lavatório. Mário e Berta também vomitaram muito e tiveram muitas dejecções. Em todo o caso, nessa noite, dormiram perfeitamente.»
Narra o que se passou a seguir. Passara a noite nas «mesmas aflições, numa agonia». Os meninos, de manhã, levantaram-se bons, brincaram, deram as suas lições, sem mostras do incómodo de véspera. Pelo meio dia apareceu o genro. Contou-lhe o que se passara. Mandou-lhes dar «café e água morna». O genro voltou de tarde. «Fez-lhe ver que os meninos estavam mais aflitos». Lembrou que se lhes desse um vomitório. Para quê? – indagou o genro. «Se qures, eu chamo outro Médico» - contrapôs. Ele decidiu examiná-los. Apalpou-lhes o estômago. E a barriga. Perguntava-lhes: dói? Como eles dissessem que não, insistia: e aqui? Também não?! Parece incrível! – disse – e a declarante «notou que ele disse isto duma maneira particular, que lhe fez impressão».
«À noite, meu genro prometeu trazer ao Mário os selos de Roma que lhe faltavam, pois era coleccionador.
«Antes de se deitarem as crianças, Urbino disse que era conveniente dar-lhes clisteres, porque estavam abaladas e podia sobrevir alguma inflamação.
- «Clisteres para quê? – perguntei-lhe. – Parece-me que eles agora estão completamente bons.
«Urbino respondeu que eram convenientes. Que bastavam uns clisteres de cidreira. Foi-se buscar a cidreira, que não havia em casa. A este tempo o Réu desapareceu da sala. A seguir voltou e vi que trazia uma caneca e uma xícara. Ora a minha neta Berta disse depois que viu o tio deitar não sei o quê no líquido. Meu genro queria dar os clisteres por sua mão, mas as meninas opuseram-se. Mário e Berta tomaram os clisteres ao mesmo tempo e Urbino dizia: - «Estejam quietos, não bulam». O Mário conservou-o e as meninas não.
«De manhã o Mário queixou-se muito. Nesta ocasião o Réu apareceu. Apareceu cedo, 7 horas da manhã, contra seu costume. Admirada, perguntei-lhe por que vinha tão cedo. Ele respondeu que, como eu ficara incomodada, tinha de ver o que se tinha passado.
«Disse-lhe então que o menino se encontrava muito doente e as meninas se queixavam de grandes dores de cabeça.
«Urbino determinou que se lhes dessem novos clisteres. Recomendou que não deixassem ferver a água, que bastava morna. As meninas diziam: «Não quero o ti-ti. Venha a Luísa». Meu genro perguntou então à criada: - «Vê lá.sabes dar clisteres? Introduz o cano e aperta bem. Olha que não vá para fora».
«A Maria Augusta deitou logo o dela. Berta, pouco depois. Só o Mário o conservou, porque adormeceu.
«Passado tempo ouvi um grande grito. O Mário tinha acordado. Dizia a criança, contorcendo-se: «Mamã! Mamã! O clister do tio matou-me e eu não queria morrer! Anda a casa à roda. Não vejo»! a Berta queixava-se dos mesmos sofrimentos.
«Eu tinha o menino num braço e a menina no outro. Pedi socorro. Mandei chamar meu genro, que já estava pronto, de chapéu na cabeça. Chegou e disse: «Estas crianças estão envenenadas!» Por quem? – perguntei. «Eu sei lá! Mande chamar outro Médico. Chegou o dr. Adelino Costa. Depois p dr. Faria. Depois o dr. Ferreira, que disse: «Na sua casa há um crime! Os seus meninos estão envenenados!»
[Ver episódios anteriores: http://grandesdramas.blogspot.com/]

Etiquetas:

Comments on "Grandes Dramas Judiciários: Urbino de Freitas (24)"

 

post a comment