Dolo Eventual

David Afonso
[Porto]
Pedro Santos Cardoso
[Aveiro/Viseu]
José Raposo
[Lisboa]
Graça Bandola Cardoso
[Aveiro]


Se a realização de uma tempestade for por nós representada como consequência possí­vel dos nossos textos,
conformar-nos-emos com aquela realização.


odoloeventual@gmail.com


Para uma leitura facilitada, consulte o blogue Grandes Dramas Judiciários

Visite o nosso blogue metafísico: Sísifo e o trabalho sem esperança

O Dolo Eventual convida todos os seus leitores ao envio de fotografias de rotundas de todos os pontos do país, com referência, se possível, à sua localização (freguesia, concelho, distrito), autoria da foto e quaisquer dados adicionais para rotundas@gmail.com


Para uma leitura facilitada, consulte o blogue As Mais Belas Rotundas de Portugal


Powered by Blogger


Acompanhe diariamente o Dolo Eventual

domingo, maio 20, 2007

Grandes dramas judiciários: Urbino de Freitas (25)

ROCHA, Augusto; SILVA, Joaquim Santos e - O problema medico-legal np processo Urbino de Freitas. Coimbra. Coimbra Médica. Suplemento ao n.º 12 de Junho de 1892






Colaborador nesta publicação e especialista farmacêutico que participou no caso Urbino de Freitas do lado da defesa. Aqui podem encontrar mais informações.


-----------------------------
25. Um testemunho dramático. Interrogatório do Réu

«Eu chamava pelo Mário. Não me respondia. Estava agonizante. E, como tinha os dentes cerrados, e não podia ingerir qualquer remédio, eu tomava-os na minha boca e procurava fazer-lhos engolir. Ele estorcia-se em convulsões, exactamente a mesma agonia que teve o meu filho José.
«Por isso» - a declarante levanta-se da cadeira, aponta o Réu, clama, num grito de dor e de desespero: «…juro aqui, diante de Deus e dos homens, que foi este homem que matou meu filho José e o meu neto Mário»!
A sala convulsiona-se. Sente-se o marulho longínquo de vagas entrechocam-se.
«Foi este homem! –continua, no tom da amargura e de revolta: - a cuja mulher meu marido dava 10 libras por mês para alfinetes, a quem eu dei um conto de reis para ir ao estrangeiro, onde foi aprender os venenos para matar a minha família!
«Depois da morte do pequeno, meu genro avisou-me de que o Comissário da Polícia era um canalha, um francês que lhe não dissesse que foi ele quem tratou os meninos.
«Nunca supus o meu genro capaz de fazer o que fez, porque sempre fomos seus amigos».
- Juiz: - E nessa ocasião, levantaram-se suspeitas?
- Declarante: - Ele quis criminar Carlos de Almeida. Chegou a mostrar-me a semelhança da letra dele com certas letras do envólucro.
Exalta-se, clama de novo, de rosto para o Juiz, logo para o Júri:
- «Foi este homem o envenenador do meu querido Mário! Como o foi do nosso José! Juro-o, sr. Juiz! Juro-o, srs. jurados!»
Diz ainda que o Réu lançou também suspeições sobre Miss Lothie. A Berta escrevera-lhe, a perguntar se havia mandado algumas amêndoas. Ela respondeu que o envenenador devia «existir na família; que o envenenador do Mário talvez fosse o do nosso José Sampaio».
Sempre se recusou a tratar da família, porque, observava, «se um dia houver qualquer coisa, não quero que digam que fui eu». Mas, naquela ocasião, ninguém o chamou para tratar os pequenos.
- Advogado: - (ao Juiz) – Peço a V. Ex.ª o favor de perguntar à declarante se os netos não iam com frequência a casa do tio e se não costumavam lá comer; se o Mário lá não ia quási todos os dias, quando vinha do colégio?
- Declarante: - (em resposta ao Juiz) – Sem mim, não iam lá. Iam jantar quando eu ia e comiam do que nós comíamos.
O Juiz previne a declarante de que pode retirar-se. A audiência continua no dia imediato.
Na audiência imediata o jurado Frederico Vaz pede que se ouça novamente o sr. Ferreira da Silva, para esclarecer dúvidas dos seus colegas, pedido a que o Juiz «não pode anuir».
- Juiz: - Levante-se o Réu.
O Réu levanta-se, pede licença para se apoiar às costas da cadeira, declina o seu nome, naturalidade, filiação, estado, morada e profissão. Nunca esteve preso.
- Juiz: - É verdade ter cometido o crime de que o acusam?
- Réu: - É absolutamente falso.
- Juiz: - Mas acredita que houve envenenamento?
- Réu: - Sim, senhor.
- Juiz: - E crê que fosse propositado?
O Réu observa que, em sua consciência, não pode responder a um interrogatório feito por perguntas e respostas simultâneas. Em todo o caso diz recordar-se de ter afirmado que havia envenenamento e que até indicou a substância…
- Juiz: - Parece-me estar equivocado. Parece-me que não indicou qualquer substância.
- Réu: - Estou quási convencido de que disse que havia envenamento pela morfina e foi isso que deu orientação à análise a que se procedeu. Tenho uma reminiscência de que cheguei a declará-lo, no Comissariado, e contudo, a minha convicção era já inteiramente outra.
- Juiz: - Mas isso não consta de nenhum auto do seu processo.
- Réu: - Também o não afirmo. Mas parece-me tê-lo dito ao dr. Adelino Costa e ao dr. José Carlos Lopes, que fui espontaneamente procurar.
- Juiz: - A fs. 99 dos autos está uma declaração escrita e assinada pelo punho do Réu, em que assevera que, pelo que observou nos seus sobrinhos, se firmou em seu animo a suspeita de envenenamento; e que o mesmo sucedeu aos seus colegas Godinho de Faria e Adelino Costa. Nas declarações verbais perante o Comissário disse que se convenceu de que havia envenenamento e que daí em diante só procurou caracterizar a substância tóxica. Em juízo declarou estar convencido de que as crianças tomaram um tóxico. Os drs. Godinho, Adelino Costa e Carlos Lopes declaram que o Réu lhes dissera que se tratava de um envenenamento, envenenamento criminoso.
- Réu: - Mas isso consta de alguma declaração?
- Juiz: - Consta dos depoimentos das testemunhas a quem o Réu o disse.
Estabelece-se diálogo entre Juiz e Réu, o Réu convencido de que dissera ao Juiz que se tratava de envenenamento por morfina, e assinalando as características sintomáticas desse envenenamento; o Juiz acentuando que isso é uma questão científica, em que, geralmente, o resultado é ficar cada um com a sua opinião.
O Réu insiste em que supunha que havia envenenamento, mas que não havia crime.
[ver capítulos anteriores: http://grandesdramas.blogspot.com/]

Etiquetas:

Comments on "Grandes dramas judiciários: Urbino de Freitas (25)"

 

Anonymous Anónimo said ... (junho 11, 2007 6:09 da tarde) : 

Caro David
Pois eu também acho que havendo envenenamento não havia crime - uns doces vindos de Lisboa comidos uns dias depois da chegada ao Porto, numa altura em que o Porto era ainda mais nojento do que é hoje....a Rua das Flores não tinha saneamento, frigoríficos ainda não faziam parte do "decor"...etc etc etc...que tal umas "salmonelas"? Será que não podia ter acontecido ?? Não ?!! Quantos não terão morrido naquela época com gastroentrites e coisas que tais?? Absurdo?

Pois vamos lá a tornar isto mais divertido participando.
Cumpts
Maria Irene Fonseca
11.06.2007

 

post a comment