Grandes Dramas Judiciários: Urbino de Freitas (26)
Urbiniana ROCHA, Augusto; SILVA, Joaquim Santos e - O problema medico-legal no processo Urbino de Freitas. Coimbra. Coimbra Médica. Suplemento ao n.º 19 de Outubro de 1892 --------------------------------- 26. Conclusão do interrogatório do Réu. «Se V. Ex.ª permite – pede ao Juiz – eu exponho o que se deve apurar com verdade das declarações, e mostrarei a inanidade completa desse depoimento que foi lido aqui, em que um homem que foi Professor e ainda hoje é Lente da Escola… O Juiz interrompe-o, dizendo-lhe que tem de responder às perguntas que lhe formular. E a pergunta, se a declaração junta aos autos é ou não é do Réu. - Réu: - Sim, senhor. - Juiz: - A única coisa que o Réu aí disse, foi que suspeitava de envenenamento. Nas declarações do Comissariado disse o mesmo e que, daí em diante, só procurara caracterizar a substância tóxica. Em Juízo disse estar convencido de que as crianças tomaram um tóxico. - Réu: - Não desdigo essas declarações. Fui obrigado a fazê-las, porém, por ver que era essa a opinião dos meus colegas. Não sei se as fiz na presença do sr. Juiz Silva Lima ou do sr. Comissário. O que sei, é que as fiz, na convicção de que, como a Imprensa já me indiciava, se eu fosse a dizer logo todo o meu pensamento, imaginavam que eu pretendia desviar de mim a responsabilidade. De modo que se V. Ex.ª me pergunta hoje a opinião a respeito da morte do Mário, eu digo que houve envenenamento, mas não intencional, quero dizer, não houve criminalidade. Mas reservo-me para fazer a exposição das razões que tenho para assim pensar, quando V. Ex.ª me der licença: - Juiz: - O Réu, em casa de seu sogro, quando Mário estava a expirar, disse a José António de Magalhães que se tratava de um envenenamento. Disse o mesmo ao dr. Adelino Costa, e que o envenenamento se dera por ingestão dos doces vindos de Lisboa. O mesmo disse ao dr. Godinho de Faria. - Réu: - É possível. Não me recordo. - Juiz: - Disse mesmo ao dr. Carlos Lopes, ao acompanhá-lo a casa. Disse-lhe do envenenamento pelos doces vindos de Lisboa e os sintomas da doença. Só não lhe falou dos clisteres. - Réu: - Havia uma razão particularíssima para não falar nisso. - Juiz: - E conta a sua sogra que o Réu, quando os médicos se retiraram de casa, lhe afirmou que os seus colegas eram muito estúpidos, por não terem conhecido o veneno propinado. Recorda-se? - Réu: - Não posso recordar-me do que nunca existiu. Nego absolutamente que tal dissesse! Nega que tivesse sugerido a ideia de que o remetente das amêndoas fosse Carlos de Almeida ou qualquer outro; nega que tivesse receitado os clisteres aos sobrinhos, pois até «demonstrou que eram escusados, desde qu lhes tinha dado sais de frutas»; nega que tivesse afirmado, na instrução do processo, ter perdido o comboio para Lisboa, em Coimbra, a 27 de Março, por haver partido quando saiu da sentina, na estação; o que disse foi que, ao sair da «retrete da gare, vira apenas um comboio diante de si, com uma carruagem de 1.ª classe aberta, pela qual entrou; e que, depois, pondo-se o comboio em andamento, se achou no trajecto do ramal, perguntando a si mesmo se se trataria de alguma manobra na linha, ou se se teria enganado». E, quanto às idas a Lisboa, afirma que fora encontrar-se com Berta Franco – e que, se a Polícia nunca a encontrou – explica – é «porque essa Berta Franco nunca se chamaria Berta, e o tal velho que viera com ela, nunca seria Franco». - Juiz: - E como explica que, deixando Berta Franco, passeasse pela cidade, sem ir a qualquer hotel? - Réu: - É verdade. Comi em restaurantes. Nega que tivesse estado no Hotel Central. Nega que tivesse entregado a caixa das amêndoas a Brito e Cunha – acentuando: - «Há tanto tempo que se procurava um cúmplice, que fatalmente havia de aparecer. Nega que tivesse escrito, por seu punho, o endereço do invólucro da encomenda; não escreveu a guia de remessa, nem o cartão de visita apresentado por Brito e Cunha. - Juiz: - E a caderneta da Escola? - Réu: - Não a vi ainda. (Examinando-a): - É a minha, embora muito bem conservada. Volta a discutir-se, entre Juiz e Réu, a questão da aplicação dos clisteres, a qualidade do veneno encontrado nas vísceras de Mário, sem que o Juiz modifique o seu modo de ver, baseando-se nas conclusões dos peritos oficiais, o Réu a afirmar que tais conclusões assentam em erros de observação e em falsas conjecturas. - Juiz: - Então, quanto está no processo, é uma série de tolices… - Réu: - Eu não sei o que é. - Juiz: - Bem. Pode sentar-se. [Episódios anteriores: http://grandesdramas.blogspot.com] Etiquetas: Grandes dramas |
Publicado por David Afonso às 23:16
Comments on "Grandes Dramas Judiciários: Urbino de Freitas (26)"
O dr Miguel Pestana da Silva , que aparece na fotografia, era o delegado do Ministério Público, e fundamentasl na acusação.
Há quem sugira ter-se prestado a uma "vingança" por ter sido grande apaixonado da Mª das Dores, mulher do dr Urbino de Freitas............