Sim, é mesmo homofobia

Todos temos direito ao nosso momento de profunda estupidez. É algo que subitamente nos aparece e que não poucas vezes nos faz veicular pela blogosfera aquilo que podemos chamar ideias de merda. E são de merda os muitos disparates que se têm escrito na blogosfera sobre a doação de sangue por homossexuais. 1 - Justifica-se com a estatística (que serve para justificar quase tudo neste mundo) que existe uma probabilidade maior dos homossexuais contraírem HIV e por isso mesmo ser natural, aceitável e até essencial negar o direito a estes de doarem sangue. É como quem diz que ser-se homossexual é ser-se, nas palavras de muitos, “sidoso”. É de forma totalmente irresponsável e pouco séria querer analisar uma probabilidade estatística em detrimento de factos concretos e provados por diversas organizações mundiais. Os dados, os verdadeiros, não as probabilidades estatísticas, não confirmam que os homossexuais são de facto o grupo onde existem maior número de infecções. Aliás antes pelo contrário. O que os autores desta teoria peregrina da estatística se recusam deliberadamente a analisar, é que da estatística à prática existe a prevenção, e que os homossexuais tantas e tantas vezes apontados como responsáveis do caminho pecaminoso do mundo, têm desempenhado um papel na divulgação da prevenção da SIDA que governos, opinion makers e organizações hipócritas não têm feito. 2 - Preocupa-me um outro aspecto desta temática. Os beneficiários do sangue doado. Que tipo de mensagem está a veicular o Instituto do Sangue e as instituições que se recusam a aceitar a doação de sangue por parte dos homossexuais. Estão porventura a dizer-nos que tal como nos anos 80 o sangue e os seus derivados não são devidamente testados? É que se esperamos honestamente que a triagem se faça recorrendo a um questionário prévio onde esperamos que toda a gente seja honesta quando à sua prática sexual, então estamos em maus lençóis. Aliás, como todos sabemos, ser homossexual é uma coisa demoníaca e só Deus percebe como é que alguém pode ter orgulho numa coisa dessas, ao ponto de a querer aliar a outras qualidades e virtudes dos homens, como a honestidade, que resulta em lhes ser vedada a possibilidade de dar sangue. Ir às meninas e até lhes pagar mais para as comer sem camisinha já é bom, e como é socialmente aceite nem sequer é coisa que careça dessa frontalidade num simples questionário médico. Ou será que neste caso também se aplica alguma análise estatística sobre a prevalência de doenças contagiosas em determinado lotes de sangue que por razões económicas de contenção orçamental não são todos testados? 3 - Dizer, sabendo e tendo informação relevante em como isso é mentira, que os homossexuais continuam a ser um grupo de risco, ou "o" grupo de risco, no que toca ao contágio do HIV, não só é irresponsável como perigoso. Continuar a fundamentar esta ideia, é ajudar à cada vez maior propagação da doença um pouco por todo o mundo, é contribuir para a desinformação que continua a afirmar que esse é um problema dos outros, um drama que não atinge as melhores e mais honradas famílias heterossexuais. No fundo não passa de uma discriminação homofóbica, que se pretende passar pela capa do bem que se faz em evitar que haja mais pessoas contaminadas pela doença, que é daqueles bons argumentos humanistas que surtem sempre efeito num conjunto de pessoas que se acha muito moral, mas prefere que todos os males do mundo fiquem escondidos num qualquer buraco longe da vista. Mas se a prática sexual (e não a orientação) é confirmada por estudos e não por probabilidades estatísticas, se o maior número de novas infecções pertence a pessoas que se confessam heterossexuais e se o sangue e os seus derivados são efectivamente testados antes de serem utilizados, então não há qualquer razão para este impedimento que não a pura e simples homofobia. O mesmo tipo de descriminação que continua a afectar todos aqueles que por mais variadas razões, de cor, de sexo, de religião, de deficiência ou outra continuam diariamente a ter de provar que são pessoas como as outras.