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segunda-feira, julho 02, 2007

Grandes Dramas Judiciários: Urbino de Freitas (29)

URBINIANA
LA GRANGE, António - Audiências de Julgamento do Dr. Urbino de Freitas. Porto: Typ. de Arthur José de Sousa & Irmão. 1893


A abrir, duas palavras do autor:

«Tratando-se de um processo, que tão vivamente tem impressionado o espirito publico, pareceu-nos que seria bem acolhida a reprodução authentica e completa, por meio da tachygraphia, de tudo quanto occorresse nas audiencias do julgamento. Podemos asseverar aos nossos leitores que todo o trabalho foi feito com a mais escrupulosa imparcialidade e meticuloso cuidado.
No criterio para a escolha de quaes as peças do processo que deveriam ser publicadas na integra ou em resumo, foi-nos de valioso auxilio o magnifico Extracto publicado pelo ex.mo snr. Eduardo Guimarães. E por conveniencia da impressão e paginação, vão esses documentos em Appenso, em vez de precederem as audiencias.
Reputar-nos-hemos felizes se o favor publico nos não faltar, perdoando-nos qualquer incorrecção, inherente a trabalhos d'esta ordem, sobretudo feitos com a rapidez com que este teve de ser executado.»

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29. Debates (Parte 3)

Envenenadas como e por quem?
Pelas amêndoas? Mas foi o Réu que as remeteu!
Pelos clisteres? Mas foi o Réu que os aconselhou e preparou!
Por outro qualquer género adulterado ou alimento putrefacto que tivessem comido nesse dia, (como quer ver se insinua a defesa), e lhes produzisse aqueles efeitos?
Mas então estes haviam de produzir-se em todas as mais pessoas da família Sampaio, sogro, tia Dona Ana, caixeiros, que todos têm as mesmas refeições e a mesma comida.
E os sintomas de envenenamento só se manifestaram nas pessoas que, ou comeram os doces, ou receberam os clisteres. E, sendo assim, só àqueles ou a estes se pode atribuir o envenenamento, ficando posta de parte e abandonada para sempre a peregrina ideia dos géneros adulterados ou alimentos putrefactos.
Portanto, só aos doces ou aos clisteres se pode atribuir a causa da morte de Mário.
Quem forneceu aqueles? O Réu!
Quem aconselhou estes? O Réu!
Como provar o primeiro facto?
Pelos depoimentos dos criados do Hotel Central de Lisboa, e de Dona Maria Violante Statmiller, de Brito e Cunha, sua esposa, sogro e cunhado, e pelos exames dos tabeliães na letra do envólucro que encerrava as cartonagens com as amêndoas.
Como provar o segundo facto?
Pelas declarações de Dona Maria Carolina, sogra do Réu, e da tia Dona Ana; pelos depoimentos das criadas Maria Luísa e Emília Rosa; finalmente, pela própria confissão do Réu perante este Juízo, nos interrogatórios a que procedeu o digníssimo Juiz, sr. dr. Bento José da Silva Lima.
Vamos ao primeiro facto.
Quem comprou as amêndoas? Quem as remeteu? O Réu.
Antes, porém, é necessário que os srs. jurados reparem nisto: que o Réu foi duas vezes, em Março de 90, a Lisboa, uma no dia 4, chegando lá de madrugada do dia 5, outra no dia 7, chegando lá na madrugada do dia 8. para lá se dirigia no dia 27, mas ficou em Coimbra. Isto não se pode pôr em dúvida, porque consta das próprias declarações do Réu e está em harmonia com as suas cartas ao dr. Adolfo Coelho.
Recorda o que se passou no dia 5 de Março, com os criados do Hotel Central, em Lisboa.
Mas, no dia 8 de Março, três dias depois, pela mesma hora da madrugada, chegou outra vez o tal desconhecido ao hotel, e, imediatamente, perguntou ao porteiro de serviço pelo seu companheiro Carlos; e sendo-lhe respondido que estava em casa doente e que lhe não podia falar, naquela ocasião, deitou-se. Logo de manhã, 8 horas, foi procurar o mesmo porteiro, a quem perguntou, se já tinha remetido a caixa para o Porto; e sendo-lhe respondido negativamente, lha pediu e a guardou, acrescentando já não ser preciso, pois podia ser o seu portador.
Os srs. jurados estão lembrados de como estes dois criados vieram a reconhecer no Réu o desconhecido com quem ocorreu o que acabo de referir.
Logo veremos o valor destes depoimentos. Por agora, só chamo a atenção dos srs. jurados para as datas das entradas e saídas do hotel, que coincidem exactamente com as idas e vindas do Réu a Lisboa.
Vamos ao depoimento da professora Dona Maria Violante Statmiller.
Numa quinta-feira de Março, de 6 a 27, encontrou o Réu numa confeitaria a pegar em doces de côco brancos, sobre o comprido; o qual, reparando nela, a cumprimentou, e saiu, deixando os doces, depois de trocar algumas palavras com o caixeiro.
Para quem seriam esses doces? Coincidência: de côco, como os remetidos de Lisboa. E no mês de Março, época da remessa!
Passemos agora a analisar os depoimentos das testemunhas Brito e Cunha, sua esposa, seu sogro e cunhado.
É verdade que aí, no processo, está um documento, em que um gatuno já preso sete vezes por falsificação, vadiagem, furto e averiguações, um seu cunhado e irmã, e ainda um conhecido seu, querem de certo modo, com os seus depoimentos, que poderão ter crédito nas cadeias da Relação ou do Limoeiro, ver se fazem nascer no espírito da gente honesta e honrada, suspeitas sobre a veracidade, sinceridade, dignidade e hombridade daqueles depoimentos.
Os srs. jurados ouviram depor aqui um homem honesto, redactor dum dos nossos primeiros jornais, o sr. Eugénio Silveira, que veio contar-nos como se passaram os factos e desmentir esse Carneiro Homem, que pretendeu manchar com a sua imunda baba Brito e Cunha e toda a sua honesta família.
Evoca a partida de Brito e Cunha de Campanhã, para Lisboa. O encontro, na carruagem, com o passageiro desconhecido. A petição deste, àquele, para o despacho das amêndoas, do bilhete de visita, com o nome de Eduardo Mota, Coimbra – bilhete que foi examinado por três tabeliães, os quais disseram, unanimemente, ter sido escrito pelo punho do Réu e que o lápis empregado era o mesmo ou igual ao que o Réu usava para marcar ou apontar as faltas aos seus discípulos, na caderneta que está junta ao processo.
No dia seguinte, 28 de Março, chegando a Lisboa, despachou Brito e Cunha a caixa das amêndoas, que era dirigida a Berta Sampaio, rua das Flores, e que aqui foi recebida no dia 29 de Março.
Se no nosso espírito ainda pudesse existir alguma dúvida sobre a pessoa que enviou as amêndoas, tínhamos outra prova concludente e esmagadora. Refiro-me aos exames à letra do invólucro das amêndoas e guia de remessa, com que as despacharam, exame a que referiram os srs. tabeliães, nos seus depoimentos, que os srs. jurados ouviram.
São três peritos, três tabeliães, pessoas de toda a competência, caracteres respeitados e considerados em toda a parte, que nos afirmam, ser a letra do invólucro e guia das amêndoas do punho do Réu, embora disfarçada, pela muita semelhança e perfeita identidade que encontram em certos caracteres.
Concluindo e resumindo. Foi o Réu quem comprou as amêndoas e os doces de coco; quem sobrescritou, por seu punho, disfarçando a letra, o invólucro das mesmas, dirigindo-as a Dona Berta Sampaio; quem encheu a guia de remessa, com o nome de D. Lúcio Artins; e, finalmente, quem entregou as amêndoas a Brito e Cunha no dia 27 de Março, no combóio.
[Episódios anteriores: http://grandesdramas.blogspot.com]

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Comments on "Grandes Dramas Judiciários: Urbino de Freitas (29)"

 

Anonymous Anónimo said ... (julho 02, 2007 1:17 da tarde) : 

blá blá blá....os doces foram despachados a 28 de Março, chegaram ao Porto a 29 , ficaram em "descanso" todo o dia 30 e foram comidos nod ia 31 à noite, depois do jantar.........
Mª Irene

 

Anonymous Anónimo said ... (julho 02, 2007 1:24 da tarde) : 

Nota:
Dr Temudo Rangel - na fotografia,
advogado defesa depois do Dr Alexandre Braga ter ficado doente.
Consultar "Minuta do Recurso de Revista no Processo Urbino de Freitas" por João Carlos Themudo Rangel - 1892
Mª Irene

 

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