Os Fins Das Penas
Disse David Afonso, no seu post Sexo Na América: «Para a nossa sensibilidade europeia uma pena de trinta anos por causa de um acto sexual com um menor (?) de 14 anos é manifestamente desproporcionado.» Esta frase leva-nos à questão dos fins das penas. Há neste campo essencialmente duas grandes teorias: as teorias absolutas e as teorias relativas. As primeiras vêm a pena como retribuição ou compensação do mal do crime; compensação essa que é função da culpa do agente. Estas teorias estão, entre nós, ultrapassadas porque: 1º) nestas teorias, a pena não oferece à sociedade qualquer efeito útil (e, por esta via, não se trata verdadeiramente de teorias dos fins das penas) - há apenas um tanto por tanto normativo [a tua culpa foi esta, pagas isto]; assim, a pena esgota-se na expiação do prejuízo do crime, não lhe restando qualquer sentido positivo; 2) o Estado de direito democrático laico não é uma entidade que esteja legitimada para exercer «vingança» ou uma qualquer «justiça vingadora ou vingativa», ainda que esta seja comummente considerada uma justiça ideal, divina. Cumpre-lhe apenas a tarefa de protecção subsidiária de bens jurídicos, e sempre na estrita medida do necessário (princípio da proibição do excesso). Para cumprir tal tarefa, necessita de conferir sentido social-positivo à pena. Já as teorias relativas encontram na prevenção criminal o seu sustento. Não obstante reconhecerem existir uma compensação do mal do crime na aplicação de uma pena, entendem que é preciso ir mais além para conferir a necessária legitimação ao Estado para a aplicação de sanções jurídico-penais: é preciso atribuir às penas verdadeiros fins ou sentidos social-positivos. Assim, estas poderão ter um sentido de prevenção geral (reforçando ou restabelecendo, com a efectiva aplicação das sanções penais, a confiança da comunidade na validade e vigência da norma desrespeitada), e um sentido de prevenção especial (de reinserção social ou socialização, dando ao agente as condições para que no futuro não venha a praticar crimes). Para que o Estado leve a boa foz a sua tarefa de protecção de bens jurídicos e, por aqui, da criação de condições para a existência da mais livre realização da pessoa humana, é necessário que os fins das penas tenham apenas natureza preventiva, repudiando quaisquer concepções retributivas - por mais que seja essa a ideia do senso comum - esvaziadas de conteúdo finalístico e quase próximas de uma justiça ideal ou divina - justiça essa que os Homens não estão nem nunca estiveram habilitados a realizar. São aqueles fins preventivos os consagrados pelo ordenamento jurídico-penal português, como se pode verificar no artigo 40.º do Código Penal. Não conheço a lei estadunidense, confesso. Mas não foi com grande surpresa que li no jornal (e admitindo que não se trata aqui de algum concurso de crimes) que os actos [sexuais com um menor de 14 anos] da jovem [e, por sinal, muito bonita] professora de 24 anos tinham uma moldura penal que poderia atingir os trinta anos. E não foi com grande surpresa porque a notícia vem de uma nação que admite a pena de morte e que estende a tutela penal a actos que não violam bens jurídicos (e sim uma qualquer «moral pública» - talqualmente o fazem muitos estados islâmicos), como por exemplo, como escreveu o David no post supra referido, a proibição da prática, em certos Estados, de sexo anal. Em Portugal, uma pena de trinta anos de prisão pela prática de actos sexuais com um menor de 14 anos, a querer ser instituída por algum projecto ou proposta de lei mais populista, nunca passaria o princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade em sentido amplo. Segundo este princípio, constitucionalmente tatuado no art.º 18/2 da CRP, qualquer restrição por lei aos direitos, liberdades e garantias deve limitar-se ao necessário (tem de haver aqui um juízo de adequação, necessidade e proporcionalidade) para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Por outro lado, uma pena de 30 anos de prisão a uma jovem de 24 anos falha em absoluto e por completo qualquer tentativa de ressocialização ou reinserção social - pelo contrário, após cumprir a pena, sairá em liberdade doutorada na escola do crime, sem quaisquer perspectivas. São trinta anos! Trinta anos não ressocializam - marginalizam. Quanto ao reforço da confiança da comunidade na validade e vigência da norma violada, exclamo mais uma vez: trinta anos?! É uma marca que excede qualquer limite. Assim, só posso concluir que se trata de uma pena com um fim retributivo. O que é de lamentar. |
Publicado por Pedro Santos Cardoso às 01:42
Comments on "Os Fins Das Penas"
Meu caro Pedro: excelente post. Estamos em forma!