A Pena De Prisão Como Último Recurso
Escreve Paulo Gorjão, no Bloguítica: «Mas a parte da notícia que mais me interessa é outra: «A não aplicação da prisão efectiva é encarada pelo criminalista [Barra da Costa] como resultado da máxima adoptada desde há alguns anos pela justiça: "só em último recurso é que se prende alguém", atendendo sempre em primeiro lugar à reintegração dos autores de crimes na sociedade.» Há vários anos que a justiça, a educação, entre outros sectores, estão dominados por uma filosofia de «(re)integração» e de «(re)inserção» social que, a meu ver, tem vindo a perverter os objectivos essencias nessas duas áreas. Não sou especialista nestas duas matérias, nem discuto, obviamente, que haja benefícios em (re)integrar e (re)inserir determinadas franjas da população no sistema. Mas isso não se pode fazer à custa da justiça e da educação. Este debate complexo é claramente ideológico e não é, seguramente, uma discussão em que haja respostas fáceis. Uma coisa, no entanto, me parece clara: não estamos no bom caminho.» Barra da Costa defende a posição da esmagadora maioria da doutrina jurídica portuguesa. É essa também a minha posição. A secularização do direito penal desaguou no pensamento de que o Estado não tem legitimidade para aplicar sanções penais em nome de uma qualquer moral comunitária metafísica. No pensamento jurídico actual, a pena encontra a sua legitimação ou razão de ser nos efeitos social-positivos ou de utilidade social que porventura possa realizar, e não em ideias imediatistas ou de senso-comum de justiça (cometeste um crime, agora pagas). A pena não se pode esgotar neste pagamento. Tem de ir mais além – já que o Estado não é Deus para cobrar a dívida do mau comportamento moral dos outros – para que tenha fins verdadeiramente úteis à sociedade. O direito penal existe para protecção de bens jurídicos (vida, integridade física, autodeterminação sexual, património, por exemplo), numa óptica preventiva e não meramente retributiva. Mas sobre este assunto já tive oportunidade de escrever de uma forma mais desenvolvida no meu post "Os Fins Das Penas". Se o direito penal visa prevenir a prática futura de crimes, então a pena de prisão deve ser aplicada apenas subsidiariamente ou em último termo, e esta aplicação deve reservar-se para os crimes mais graves. É que, para que haja real prevenção da prática ulterior de crimes, é necessário fornecer ao agente todas as condições para que não os venha um dia novamente a cometer, ressocializando-o – e são óbvios os efeitos dessocializadores da pena de prisão, já que as penitenciárias funcionam (por arrasto de deficiências estruturais, sobrelotação, etc), muitas vezes, como escola do crime. Na pequena criminalidade deverão, tanto quanto possível, entrar em cena penas alternativas ou penas de substituição (pena de multa, prisão por dias livres, regime de semi-detenção, prestação de trabalho a favor da comunidade). É deste modo que se serve a justiça num Estado de direito democrático. Quando Paulo Gorjão afirma que a ressocialização «tem vindo a perverter os objectivos essenciais» da justiça e que a ressocialização «não se pode fazer à custa da justiça» , deveria explicar que objectivos essenciais são esses e que ideia de justiça advoga. Pode ser até que a sua posição faça doutrina. A minha conclusão é oposta à de Paulo Gorjão: estamos no bom caminho. |
Publicado por Pedro Santos Cardoso às 16:54
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