Sociedade De Informação
Ontem, no Blasfémias, assinava João Miranda o seguinte post [negrito meu]: «Sócrates: Famílias poderão deduzir até 250 euros na compra de computador Quando o estado subsidia a compra de computadores está a transferir dinheiro de quem não compra computadores para quem os compra. Logo a medida é limitadora da liberdade de quem não está interessado em comprar computadores e tem que trabalhar para sustentar os interesses de quem os compra. A medida deturpa a economia porque desvia a produção e o consumo para satisfazer os desejos de quem dirige o estado em detrimento dos interesses dos produtores e dos consumidores. A medida é inútil porque a maior parte dos beneficiários são pessoas que iriam comprar computadores de qualquer das formas ou pessoas que são levadas a comprar um bem a que não atribuem o valor que ele tem. A medida é discriminatória porque favorece pessoas com determinadas apetências (neste caso, o interesse pela informática) em detrimento de outras e porque favorece pessoas com filhos em idade escolar em detrimento das que não têm filhos. As necessidades a que esta medida responde são imaginárias porque se a sociedade da informação fosse uma coisa assim tão necessária, as pessoas não precisariam de incentivos para investir nela.» 1) Quanto à afirmação de ser esta medida «limitadora da liberdade», o argumento é francamente desajustado. Há transferência de dinheiro quando pagamos um imposto ao Estado e ele constrói uma auto-estrada no outro lado do mapa, que provavelmente nunca chegaremos a usar (porque, por exemplo, inexplicavelmente detestamos auto-estradas). Há, assim, transferência de dinheiro de quem não usa a auto-estrada para quem a usa. É esta também uma medida limitadora da liberdade? Na verdade, não há limitação alguma: prima facie, não passarei por aquela auto-estrada (mas, se um dia o quiser fazer, poderei fazê-lo), nem comprarei um computador porque não me interesso por informática (todavia, um dia, se o quiser comprar, terei a mesma dedução fiscal que os outros tiveram). O que há aqui não é uma medida limitadora da liberdade, mas sim uma medida política de aposta no desenvolvimento das novas tecnologias. 2) Confesso que não percebi bem o segundo argumento. Ora uma dedução fiscal, ainda por cima quando criada para apoiar novas tecnologias - e, por aí, o capital humano, tão necessário ao crescimento económico -, deturpa a economia? Não. Pretende, ao invés, torná-la mais competitiva por via do aumento da qualidade do capital humano. A tomarmos a asserção de João Miranda por verdadeira, pela mesma lógica de raciocínio, qualquer medida que o Estado adopte deturpa a economia porque é passível de desviar a produção e o consumo para satisfazer os desejos de quem dirige o Estado! Seja como for, reafirmo: não percebi este argumento. 3) Também não me parece que a medida seja inútil, uma vez que promove a qualificação dos portugueses. Mais uma vez, o seu argumento não convence. Inútil porque a maior parte dos beneficiários iriam comprar computadores de qualquer das formas? Não resisto a mais uma analogia: deixemos de incluir o arroz na taxa reduzida de IVA porque a maior parte das pessoas vai comprar arroz de qualquer das formas! A questão aqui não é se a pessoa compra ou deixa de comprar da mesma maneira: assim como o arroz tem uma taxa de IVA reduzida por ser um bem de primeira necessidade, assim a compra de computadores terá uma dedução fiscal por ser o domínio das novas tecnologias o motor das economias hodiernas. Quanto ao segundo segmento deste seu argumento, o de serem «as pessoas levadas a comprar um bem a que não atribuem o valor que ele tem», é óbvio que não cabe na inteligência de ninguém que as pessoas sejam levadas a comprar seja o que for pelo simples facto de haver uma dedução fiscal. 4) A medida também não é discriminatória. Não há qualquer violação do princípio da igualdade - todos os que reunirem aquelas condições [querer comprar computador e ter filhos em idade escolar] beneficiarão da dedução fiscal. E, ainda que se pense que possa haver aqui alguma discriminação, o princípio da igualdade não estanca a possibilidade de haver diferenciações. Estanca apenas as diferenciações sem um fundamento razoável, i. é, o arbítrio. E, neste caso, não há arbítrio: pretende-se atingir os jovens em idade escolar, porque é precisamente essa camada etária que urge mobilizar para as novas tecnologias. 5) Quanto ao seu último argumento, que diz «as necessidades a que esta medida responde são imaginárias porque se a sociedade da informação fosse uma coisa assim tão necessária, as pessoas não precisariam de incentivos para investir nela», estamos outra vez em desafino. Bom, mas vou preferir acreditar que se tratou de um lapso, e o João Miranda não quis demonstrar que a sociedade de informação não é necessária [!] através do brilhante argumento de que, se fosse, as pessoas não precisariam de ser incentivadas para investir nela! 6) Qualquer política que promova, directa ou indirectamente, a qualificação dos portugueses, será sempre bem vinda. Ainda que seja apenas uma tímida medida como esta. Etiquetas: Economia, Política Nacional |
Publicado por Pedro Santos Cardoso às 21:55
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