Bloqueio
A situação militar em Timor está prestes a chegar a um ponto de não retorno, no que toca à relação da GNR com as forças australianas. Sejamos claros e fiéis aos factos porque isso é essencial para tentar perceber as notícias de ultima hora sobre a ordem do governo português que obriga os militares portugueses a permanecerem no seu quartel em Dili e a quebra que quaisquer negociações com o governo australiano sobre as cadeias de comando em Timor. Meia dúzia de pessoas receberam os primeiros militares australianos a chegar a Timor. Neste momento existem vários milhares, mas o seu papel nem sempre é claro, não se percebendo a razão objectiva que levou a um crescimento do fenómeno da violência dos gangs após a chegada deste contingente que sempre demonstrou dificuldades em fazer-se entender com as partes em conflito. Centenas ou talvez milhares de pessoas receberam numa histeria totalmente injustificada os 120 militares portugueses, cujo contingente nem sequer se prevê que aumente. Os portugueses são de todos os mais de dois mil militares na zona os únicos a conseguir comunicar directamente com os desordeiros na rua porque a maioria ainda fala português e não inglês. Parece evidente a complementaridade das duas forças, mas é compreensível a frustração australiana por ter vindo a ser chamada de incompetente ao longo da estadia em Timor por oposição a uma espécie de recepção heróica dos bravos 120 portugueses. Os australianos não conseguiram pôr fim à violência, arrumaram os militares e polícias timorenses a um canto, alimentam o caos não fazendo qualquer detenção significativa, baseados numa suposta falta de legitimidade, exigindo assinar mais acordos com Timor e a alteração das leis do próprio estado. Não respeitam as próprias tropas que comandam como os malaios que fazem a protecção pessoal do Presidente do Parlamento timorense. Hoje ficámos a saber que também não respeitam juízes timorenses, não reconhecem legitimidade aos militares da GNR para fazer detenções ao abrigo do ordenamento jurídico timorense, que continua a existir, uma vez que todos os poderes democraticamente eleitos se mantêm nos seus cargos e ainda mais importante, protegem o líder rebelde, apesar de ameaça de disparar sobre forças paramilitares portuguesas. Os Militares Portugueses andam com carrinhas de caixa aberta emprestadas, foram para o terreno fazer a missão que supostamente lhes teriam indicado ser sua e passaram a estar presentes em toda a cidade à velocidade que as suas limitações lhes impõem. Politicamente, a Austrália reivindica para si o estatuto de principal garante da segurança timorense, feito que peca por falta de conclusão, e por isso se arroga ao direito de criticar a governação das instituições timorenses, o que até há um mês atrás não acontecia o que revela um claro oportunismo ou interferência nesta situação. Por seu lado Portugal é o maior doador internacional para a jovem república timorense e precisamente por isso se arroga ao direito de defender as legitimas instituições timorenses, ainda que em crise politica. É fundamental que Portugal tome uma posição mais firme sobre esta situação. Ou os australianos reconhecem que os titulares dos órgãos de soberania timorenses continuam a ser os mesmos que eram antes da crise, e que são os mesmos que solicitaram a ajuda internacional, e que por isso a GNR tem a legitimidade que os poderes timorenses lhe atribuírem, ou então estamos perante ingerência grave de um governo estrangeiro na politica interna de um estado soberano. Ou esta situação grave se resolve com o correspondente acto de contrição do governo australiano, criticando publicamente o excesso de zelo dos seus militares, ou então Portugal tem de repensar toda a sua estratégia internacional em relação à presença de militares portugueses em teatros de operações que em nada respeitam as tradicionais ligações históricas de Portugal, para poder envolver-se mais em Timor-leste. Portugal só pode opor-se fortemente às pretensões australianas de moldar um estado à sua vontade, se estiver disponível para se empenhar tanto como os australianos. Isso só é possível com um maior envolvimento militar que possa permitir uma solução bipartida de comando entre Portugal e a Austrália, onde se respeitem claramente os interesses dos timorenses. Enquanto isso, Portugal tem de pressionar a ONU e o seu inócuo Conselho de Segurança para que aprove urgentemente uma missão participada por militares de outras paragens não geopoliticamente comprometidos com a política imperialista das potências regionais, de forma a pôr cobro definitivamente a esta insanável situação para os timorenses. Independentemente da opinião que manifestava no texto anterior sobre este tema que aqui deixei, começamos a não ter grande alternativa aos custos que acarreta um maior envolvimento na situação timorense, precisamente porque considerámos como inegociáveis as nossas posições anteriores e agora estamos perante a encruzilhada de termos de nos envolver mais profundamente ou metermos a viola no saco e voltarmos para casa, abdicando de qualquer posição de principio da defesa das instituições timorenses e dos interesses geo-politico-económicos que possamos ter naquela zona do globo. |
Publicado por José Raposo às 10:01
Comments on "Bloqueio"
Nem mais, José. Como sempre, nesta matéria, concordo a 100% consigo...
Pois é, política externa portuguesa, a sério, precisa-se...
Mas para isso não seria conveniente termos um Presidente da República que percebesse minimamente de (e tivesse a indispensável sensibilidade mínima para) esse assunto?...