Má criação
Jónatas Machado, professor de Direito na Universidade de Coimbra, próximo do CDS, escreveu algumas enormidades sobre a questão criacionismo Vs evolucionismo num artigo publicado com o título de «O Papa e a evolução» (PÚBLICO, 8 de Setembro). Aquele aborto argumentativo não tem pés nem cabeça. É uma vergonha que um professor de Coimbra seja incapaz de alinhar uma argumentação de uma forma coerente. Não me vou pronunciar sobre qualquer uma das partes, mas apenas e tão só fazer algumas observações. Também não me vou debruçar sobre o texto na sua total extensão (lamento, mas não há paciência...), mas apenas sobre um pequeno e único parágrafo que nos servirá de amostra. Diz Jónatas: «A querela entre evolucionistas e criacionistas bíblicos não é entre fé e ciência, mas sim entre duas visões do mundo: a bíblica e a naturalista». Esta é uma velha estratégia: quem parte em desvantagem começa sempre por situar as várias partes em debate ao mesmo nível. Ora, acontece que estas «visões do mundo» são diferentes justamente porque uma sustenta-se na fé e outra na ciência. Chamar pelo mesmo nome duas realidades diferentes não as transformará num única realidade. Esta artimanha tanto pode servir para situar a ciência no domínio da fé ou a bíblia no domínio da ciência. O que pretenderá Jónatas? Vamos ver. «Os criacionistas não disputam os resultados das observações científicas feitas no presente». Óptimo princípio não fosse o que se segue: «Todavia, o passado distante não é observável nem repetível. As evidências científicas são as mesmas tanto para criacionistas como para evolucionistas, como os mesmos são os conhecimentos científicos acessíveis a uns e outros». Perceberam? Em primeiro lugar, Jónatas declara o seu cepticismo radical («o passado observável não é observável»), ou seja, como não é possível aceder aos factos do passado, a ciência não pode provar o evolucionismo (não interessa a evidência do oposto, o professor de Direito revogou a geologia, a arquelogia, a paleontologia, etc...). Todavia (agora digo eu), logo de seguida Jónatas afirma que as «evidências científicas» tanto servem a uma parte como a outra. Do cepticismo dá-se o salto para um positivismo optimista, do «não há factos» salta-se para o «há factos à medida de todos»! Vamos lá ver se entendemos: Isto de ciência é apenas uma visão do mundo, assim como a religião, estão a ver? Sobre o passado o que a ciência diz não tem validade alguma, a não ser que sirva para reforçar o ponto de vista de JM, isto é, o criacionismo. Esta confusão entre ciência e religião, em que ambas são postas no mesmo patamar é um vício que teima em prevalecer. No mesmo homem ambas podem coexistir e nem sempre de maneira pacífica, é certo. Não vejo mal nenhum que um homem de ciência faça as suas orações ou que um homem de religião faça as suas investigações. Agora, nem deve procurar Deus no laboratório e nem deve procurar os factos científicos na bíblia. Tudo o resto ou é poesia ou é má fé. Recomendo a leitura de um artigo de H. Noronha Galvão, professor de Teologia na Universidade Católica Portuguesa e ex-aluno de Joseph Ratzinger, intitulado «Uma questão de sensatez» (PÚBLICO, 10 de Setembro), que situa – e muito bem – a questão em torno do criacionismo no único terreno em que pode e deve ser debatida que é o da filosofia. Apesar de discordar de alguns pormenores do texto, acho importante sublinhar a lucidez do autor, que recusa a insensatez de tomar por igual aquilo que é diferente. Um bom texto para Jónatas ler. [Deixo aqui alguns links: Jónatas Machado no Portal Evangélico, a opinião de Vasco Barreto, o entusiasmo do Nortadas e a posição da Associação de Cépticos de Portugal] |
Publicado por David Afonso às 12:17
Comments on "Má criação"
Jónatas Machado foi meu professor de duas cadeiras...
Ena pá... e então?
E então que foram as duas cadeiras mais mal ministradas que tive. Isto, claro, na minha opinião. Não viste a entrevista do professor ao «Falar Direito», na SIC notícias? Ias lá encontrar matéria muito semelhante a esta.
Aliás, Jonatas era conhecido entre os alunos por pregar grandes secas com histórias bíblicas. Muitos chegavam a faltar alegando que não queriam ir às aulas porque não estavam para ouvir histórias do bom samaritano (essa contou-a, pelo menos, numa das cadeiras, umas 3 vezes).
Viva
Estava eu a ler tão interessante "postal", quando o meu singelo espírito ia deambulando sobre tão incrédula referência ao texto do Senhor Professor da UC.
De facto, como diz, não conseguia perceber "népias". Embora também não atingisse a relação do cds com o texto do sôr prof.
Mas eis que me chego aos finalmentes.
Retirando o cds que ainda não percebi qual a relevância (eu também o sou e não digo estas barbaridades - digo outras, claro) imaginava eu tal católico deveras perturbado nos conceitos.
Mas não. Sôr Professor é Evangélico.
Há... bom!
Fundamentalísmos bíblicos ocidentais.
Já percebi.
Cumprimentos
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Tb foi meu professor... ainda estou traumatizado... Recordo-me particularmente um dia em que interrompeu uma aula para cantar uma música do Sting - I'll be watching you...
Migas,
A referencia ao cds reconheço que não vinha muito a propósito (outras guerras, outras cantigas). O facto de Jónatas ser evangélico a mim não me aquece nem arrefece. As barbaridades não têm credo. Como eu, de resto.
Raposo,
Isso não pode ser verdade! É ridiculo demais.
Pois é, mas é mesmo verdade...
A ideia era explicar às "crianças" para se comportarem porque ele é que ia fazer os exames e daí I'll be watching you...
Segundo o José Raposo, pelo menos teve o bom gosto de escolher STING
Podia ser Marco Paulo, José Cid ou Tony Carreira.
O migas está-me a sair cá um optimista :)
Sim, de facto podia ser pior...