As editoras "escolares" II
![]() Dizia António Barreto um dia destes: «[Os serviços do Ministério da Educação], em geral, não são competentes para tratar de assuntos técnicos e científicos, por isso recorrem a docentes em vários regimes de requisição, destacamento ou avença. Muitos acumulam essas funções com as de autores de manuais. Averdade é que se criou um universo fechado, propício à estagnação e ao erro.» Um bom exemplo disso é a disciplina de Psicologia A destinada ao Cursos Tecnológicos de Acção Social e de Desporto, acompanhando o aluno desde o 10º ao 12º ano. Os autores do programa são Angelina Costa, António Ferreira, Lina Morgado e Vanda Mendes. Acresce ainda a colaboração de Luísa Amaral. Tudo o que se passou com a recente implementação deste programa dava direito a um outro manual: um manual de más práticas. Em primeiro lugar, o programa é desajustado e com um grau de complexidade muito superior ao do Psicologia B que se destina, por exemplo, a alunos do 12º de ciências, quando aqui estamos a falar de alunos de cursos tecnológicos vocacionados para abordagens mais práticas e elementares. Seria uma boa ideia sujeitar este programa a uma avaliação independente de uma instituição acadámica especializada. Em segundo lugar, não existe coesão no programa, que não passa de um rol de temas avulso (curiosamente, a sua “estruturação” faz lembrar um conhecido manual de psicologia de origem anglo-saxónica, uma daquelas obras que se apresenta como um compêndio de introdução a todas as ramificações e temas da psicologia). Tanto é assim, que foi homologado em duas fases distintas: o 10º ano em 5/2/2001 e os 11º e 12ºs anos em 22/8/2004, o que, por um lado, confirma a sua falta de unidade e coesão e, por outro lado, obriga-nos a colocar outra questão: Como é possível que a durante três anos (2202, 2003 e 2004) se tivesse trabalhado nas escolas com um programa parcialmente homologado? Talvez para surpresa de muitos leitores, devo dizer que existem programas que estão a ser leccionados neste preciso momento nas escolas, mas que carecem da devida homologação, principalmente no ensino recorrente por módulos capitalizáveis (consulta aqui). Em terceiro lugar, há uma grande dificuldade da parte dos professores em encontrar e até produzir material didáctico. Motivo? Só existe um manual disponível no mercado e muitos dos autores referenciados pelo programa ainda se encontram incipientemente divulgados em Portugal, obrigando o docente a uma busca demasiado morosa. Em alguns casos, há que traduzir e adaptar textos para que estes se tornem legíveis pelos alunos. E o manual? Bom, o manual é editado pela Porto Editora e tem como co-autoras nada mais, nada menos Angelina Costa que também é co-autora do Programa da mesma disciplina, e Luísa Amaral que aparece como colaboradora no programa. É o tal universo fechado e estagnado de que nos falava lá em cima António Barreto. Parece-me grave toda esta promiscuidade até porque tem consequências para lá do mero negócio das resmas de papel a que as editoras chamam eufemisticamente “manuais”. É que estas senhoras partiram de uma situação privilegiada (foram as primeiras a ter acesso ao programa da disciplina porque colaboraram na sua concepção), antecipando-se à concorrência, fazendo sair para o mercado um (péssimo) manual que bloqueou toda e qualquer hipótese de livre concorrência entre editoras. Reparem que estamos a falar de um universo muito restrito de alunos (apenas dois cursos do tecnológico) e que os manuais uma vez adoptados por uma escola, são-no por um período de 3 a 4 anos. Conclusão: não é viável lançar um manual alternativo durante esse período. Perdem os alunos que ficam sujeitos a um manual de má qualidade, perdem os professores porque têm de procurar muito mais material suplementar, perdem os pais que pagam mais do que deviam por um manual e ainda têm de pagar fotocópias extra, perdemos todos nós porque o ensino não se liberta destas más práticas. A única solução possível é separar águas e permitir a intervenção da universidade como entidade independente no processo de produção e implementação de programas, de fiscalização da qualidade dos manuais e de monitorização contínua do ensino. Mas isso ía ser uma chatice para muita boa gente que anda na sombra do Leviatã da Educação. Etiquetas: Educação |
Comments on "As editoras "escolares" II"
Caro Sr. David Afonso
Li com bastante atenção o seu "post" e, enquanto representante da Porto Editora, gostaria de deixar aqui um breve comentário.
Não me debruço sobre as críticas que dirige ao funcionamento do Ministério da Educação nem tão pouco quanto à situação dos programas do ensino secundário - neste aspecto, apenas lhe digo que as editoras escolares da APEL (sem aspas), particularmente, a Porto Editora, alertaram inúmeras vezes as entidades competentes e a opinião pública para várias situações semelhantes, evitando-se assim que a situação fosse hoje ainda pior.
Antes, prefiro usar o "direito ao contraditório", que estou certo me concederá, para lhe dizer que: (i) há manuais bons, há manuais menos bons e há manuais maus. Quem os classifica são precisamente os professores, que com eles terão de trabalhar durante três a quatro anos. Essa avaliação e as opiniões subsequentes que nos chegam ajudam a nossa equipa editorial, constituída por quadros especializados nas respectivas áreas disciplinares, a decidir se renovam ou não os contratos de edição com os autores, com base também na sua própria apreciação. Ou seja, se há manuais maus, esteja certo que eles vão desaparecer do mercado; (ii) a edição do manual que refere não bloqueou “toda e qualquer hipótese de livre concorrência entre editoras”, e essa é uma afirmação sua que não tem sustentabilidade e parece-me, no mínimo, despropositada. Há várias editoras concorrentes que apresentam manuais assinados por autores de programas, e isso nunca nos impediu de encontrar equipas de autores tão ou mais competentes para apresentarmos os melhores manuais escolares; (iii) do “universo fechado e estagnado” a que se refere António Barreto e de que fez eco não faz parte a Porto Editora (nem as editoras escolares da APEL). Pelo contrário: a Porto Editora trabalha desde há muitos anos com inúmeras universidades e outras instituições do Ensino Superior, bem como com sociedades científicas, para a divulgação de trabalhos académicos e de investigação através da sua publicação em livro. Aliás, reconhecendo o contributo que tais entidades podem dar ao trabalho desenvolvido pelos nossos autores e consultores científicos e pedagógicos, temos vindo a celebrar com elas protocolos com vista à revisão e validação científica dos manuais escolares; (iv) não sei se alguma vez trabalhou numa editora escolar, se conhece alguém que o faça nem tão pouco qual o grau de conhecimento que tem sobre este sector. Mas estou certo que, se aceitasse o meu convite para vir conhecer o quotidiano da Porto Editora e a realidade desta empresa que se orgulha do trabalho que faz – embora não seja perfeito, como nada o é – não nos rotularia da forma deselegante como o fez.
Desculpe a extensão deste comentário (que deveria ser breve) e aceite os meus sinceros votos de Festas Felizes!
Paulo Gonçalves
Porto Editora