Madeleine e a histeria à escala mundial
Os acontecimentos, por mais trágicos que sejam, têm a importância ou repercussão que um determinado timing lhe dá. As coisas já não são importantes pela própria importância que têm mas porque a sua importância é imposta e fabricada. Tem sido curioso ver esta bola de neve em movimento relativamente ao caso da menina inglesa. A primeira notícia que ouvi, foi numa rádio local do Algarve, logo no dia a seguir ao desaparecimento de Madeleine, onde me encontrava a passar uns dias de ócio. Quando cheguei à terrinha, já todas as televisões esfregavam as mãos com as inúmeras reportagens, qual CNN com a guerra do Golfo e já Portugal era capa em todo o mundo, mais uma vez não pelas melhores razões. Em Inglaterra tem-se tratado a situação como se fosse um caso singular e o nosso país visto definitivamente como terceiro mundista. Ronaldo e Beckham incitam ao seu aparecimento, Scolari convidou a uma oração nacional no dia 13 de Maio, os motards andam em viagem pelo país com retratos dela, os batedores florestais correram a pente fino as matas de Lagos, fitas amarelas, corridas de solidariedade, vigilias, etc. A tamanha concertação nunca assisti. Quando o país receia ficar mal visto lá fora, parece que tudo funciona com mais afinco, até a solidariedade. Com os desaparecimentos/raptos cá da casa nunca tal se viu. Também os pais de Rui Pedro gostariam de ter visto certamente o país debater-se assim pelo seu regresso, como tantos outros. É engraçado como uma só vida parece ter mais repercussão ou chocar mais do que situações que envolvem massas de vidas humanas, estranhamente parece que elas se vão perdendo umas nas outras, nos números. Estou a falar inevitavelmente da pedofilia enquanto fenómeno mundial mas também e não menos relevante dos milhares de crianças soldado por todo o mundo e particularmente em Africa (Serra Leoa, Congo, Angola, Somália) ou Afeganistão e do tráfico de mulheres. O que aconteceu com Madeleine é dramático mas uma pequena gota que só vai jorrar como uma fonte enquanto jornais e revistas quiserem e dela abusarem. Ela é uma efeméride nacional e mundial, lamentavelmente, só nunca o será para os pais, por isso tanta preocupação e choro colectivo a mim deixam-me mais uma vez surpreendida com a mente humana. Chora-se e sofre-se por sugestão, por lavagem cerebral que nos fazem com tanta notícia e fotografia em simultâneo. |
Publicado por Claudia Gonçalves às 15:07
Comments on "Madeleine e a histeria à escala mundial"
Totalmente de acordo
Subscrevo inteiramente.
No prós e contras de ontem, José Miguel Judice também se referiu ao exagero dos media e de meios neste caso, alertando igualmente para outros graves problemas mundiais, horrores diários aos quais osjornais não dedicam capas nem as televisões fazem coberturas. Será que antes do programa passou pelo Dolo?! :)
Não, a sua interpretação é quanto a mim a que resultaria de uma qualquer pessoa com dois dedos de testa, discernimento e poder de observação