A minha Biblioteca Vermelha: apresentação
Durante os anos de 1989 e 1990 calhou-me salvar uma biblioteca vermelha. Andava eu então nos últimos dois anos do ensino secundário quando, ao bisbilhotar nas prateleiras de uma livraria situada perto da Estação da CP de Aveiro (chamar-se-ia Livraria Avenida?), encontrei centenas de livros de doutrina marxista-leninista, maoista, trotskista, estalinista e sabe-se lá o que mais. O caso é que o destino daqueles livros seria a destruição se ninguém nada fizesse por eles, isto é, se não os levasse para casa. Senti um aperto no coração, não porque me imaginasse a mergulhar de cabeça naquela versão política da literatura de cordel, mas porque pressenti ali um crime lesa-memória. Moralmente não podia deixar que aquilo tudo fosse para o lixo. Tinha acabado de ver Fahrenheit 451 de François Truffaut na televisão e imaginei-me ali na posição de Montag. Cumpri então a minha missão. Não salvei todos e dos que salvei muitos tiveram o destino natural dos livros: o de serem emprestados para nunca mais serem devolvidos. Dentro deste filão há que destacar o lote dos livros situacionistas e anarquistas. Mais leves e mais voláteis que os restantes salvados, poucos ou nenhuns permaneceram até aos dias de hoje nas minhas mãos. Em todo o caso, tenho uma Biblioteca Vermelha que estimo não tanto pelo que ela possa ensinar, mas pelo testemunho que possa dar de uma época que o país teve muita pressa em esquecer. Nos finais dos anos 80, menos de duas décadas passadas do PREC, ali andavam os livros revolucionários esquecidos, renegados, desclassificados. É apenas espuma, senhor. É apenas história Etiquetas: Biblioteca Vermelha, História, Livros, Política |
Publicado por David Afonso às 23:53
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