Vai-vem
«Pedi sempre a Deus que me fizesse ver o tempo em que deveria sair. O tempo em que um ciclo termina.» [Paulo Portas, 20-02-2005] Paulo Portas pediu a Deus. Deus, conselheiro político de craveira, disse a Paulo Portas que naquele momento talvez fosse melhor sair. E talvez fosse melhor sair porque o PS acabava de vencer as legislativas com maioria absoluta, o que nunca acontecera antes. Talvez fosse melhor sair porque o PSD e o CDS-PP, coligados, não ultrapassaram 30% dos votos. Prosseguindo, Deus disse a Paulo Portas que, dadas as circunstâncias, talvez não fosse boa ideia o Paulinho desgastar a sua imagem nos dois anos subsequentes. Talvez não fosse boa ideia fazer oposição num governo em estado de graça. Talvez não fosse boa ideia fazer oposição após pesada derrota. Como se vê, o que move o aconselhamento divino é um imperativo categórico de amor altruísta à coisa pública, constante porque inesgotável, e jamais mera gestão estratégica de imagem política. Nos últimos tempos, Paulo Portas deve ter voltado a falar com Deus. E Deus terá, como é natural, aconselhado Paulo Portas novamente. E Deus deve-lhe ter dito que talvez fosse boa ideia regressar à liderança do partido. Que talvez fosse boa ideia regressar à liderança do partido porque a contestação ao governo começa agora a sentir-se em força. Que talvez fosse boa ideia regressar porque a oposição está nas ruas da amargura: os líderes do PSD e do CDS-PP deram a cara em momento difícil, e agora olham-se ao espelho e têm a cara velha e gasta. Que talvez fosse boa ideia regressar porque é preciso um messias para por ordem no partido de 7%. Ora, não obstante as credenciais de derrota, Paulo Portas é um messias. Vá-se lá saber porquê, mas um messias. Diz quem sabe. Como ainda aqui se pode ver, o que move o aconselhamento divino é um imperativo categórico de amor altruísta à coisa pública, constante porque inesgotável, e jamais mera gestão estratégica de imagem política. «E que não ficasse nem mais um segundo para além desse tempo. Eu acho que terminou o ciclo político em que eu presidi ao CDS [...]» [Paulo Portas, 20-02-2005] Aqui, das três uma. Uma: Deus, há dois anos atrás, não ouviu muito bem aquilo que lhe foi pedido. Ouviu a coisa pelo meio. Duas: Deus, há dois anos atrás, ouviu aquilo que lhe foi pedido, mas esqueceu-se e voltou a aconselhar Portas. Portas, de má fé, desrespeitou o aconselhamento inicial de Deus, corroborando um certo indeterminismo na existência humana. E porquê a excogitação destas duas primeiras hipóteses? Porque Paulo Portas pedira a Deus que o fizesse ver o tempo em que deveria sair e que não ficasse nem mais um segundo para além desse tempo. Três: a palavra «acho» estava carregada de significado, e tanto Deus como Paulo Portas tiveram as suas dúvidas. «Dos quatro objectivos que tracei, falhei os quatro.» [Paulo Portas, 20-02-2005] Ainda bem que a coerência não foi objectivo. Etiquetas: Citações, D. Sebastião, Paulo Portas, Política Nacional, Postas de pescada |
Publicado por Pedro Santos Cardoso às 21:03
Comments on "Vai-vem"
Sim enhor, gostei. E não se fazia um colecionável com mais videozinhos do paulinho? A fonte parece ser inesgotável...
CLAP CLAP CLAP CLAP!!! Absolutamente certeiro, caro Pedro.
David,
se eles não estivessem já explorados e eu tivesse som actualmente no meu abdulah, seria uma excelente ideia.
Valha-nos o YouTube enquanto repositório de memória permanente. E uma saudação ao Pedro por um post daqueles que vai ao cerne da questão. Bravo!