Simplex ou Simplório?
O novo regime simplicado de licenciamento municipal de urbanização e edificação será, à partida, um avanço muito importante na desburocratização nos processos de licenciamento municipais, ao mesmo tempo que representa uma inversão positiva na lógica que rege a relação entre o cidadão e o estado, dado que a partir de agora parte-se do bom princípio de que o cidadão cumpre honestamente as suas obrigações, não sendo necessário o estado andar a controlar cada um a cada passo dado. É importante porque contraria a tradição de desconfiança que há entre o estado e o cidadão, mesmo se tratando aqui de uma decisão meramente simbólica. No entanto, para sermos honestos, temos de reconhecer que estamos perante um reconhecimento de uma mera situação de facto. É que a esmagadora maioria das obras interiores não são licenciadas e fazem-se na clandestinidade. Basta consultar os arquivos municipais e averiguar quantos processos deste teor deram entrada nas últimas décadas. Na prática, é como se o governo estabelecesse como limite máximo oficial de velocidade nas auto-estradas os 150km/hora: não haveria qualquer alteração nos comportamentos porque ninguém cumpre os 120km/hora. Tal como na situação do Simplex para os licenciamentos, seria apenas a oficialização de uma prática corrente. Por outro lado, se antes não era cumprida a obrigação legal de pedir um licenciamento porque carga d'água haveria agora de ser cumprida a obrigação (bem menor) de comunicar à Câmara as alterações executadas? É uma medida, que em bom dizer, só vem dar cobertura às práticas ilegais, com a agravante de se tratar de um reconhecimento da incapacidade real de as autarquias fiscalizarem este tipo de intervenções sobre o edificado. É por isso que esta medida do Simplex é genial: não alterando nada, parece alterar muita coisa. É claro que também devemos ficar apreensivos sobre as consequências desta medida. Se os cadastros técnicos sobre o edificado já eram imprecisos ou inexistentes, agora ainda mais o serão. Quando comprarmos uma casa “em segunda mão” nunca saberemos ao certo o que estamos a comprar (e se calhar quem vende também não saberá em rigor o que vende). E isto de um proprietário poder alterar livremente a sua casa poderá ter consequências desastrosas: pense-se que a simples adaptação de uma cozinha terá implicações de segurança e higiene que não devem ficar ao critério de amadores; pense-se como um leigo facilmente pode demolir uma parede-mestra para “arranjar mais espaço” (já vi disso muitas vezes); pense-se que um projecto que foi licenciado cumprindo os requisitos de inúmeras entidades – que vão desde segurança contra incêndios, até definição de acessibilidades – poderá ser adulterado inconscientemente pelo voluntarismo do proprietário. Assim sendo, e por uma questão de coerência, todos os processos de licenciamento deviam gozar da mesma simplória prerrogativa e as câmaras ficariam dispensadas de passar as licenças de habitabilidade necessárias para se proceder á venda ou arrendamento de imóveis. Etiquetas: Arquitectura, Política Nacional |
Publicado por David Afonso às 22:39
Comments on "Simplex ou Simplório?"
Uma coisa não tem nada a ver com a outra.
mas para isso era preciso estar aqui a explicar uma porrada de coisas do codigo admnistrativo, do regime de edificação e urbanização, e das práticas usuais dos nossos empreiteiros e donos de obra (proprietários)que leva uns anitos a compreender.
abraço
Ó pá, não sejas assim! Explica-nos então melhor o que está em causa. Isto não pode ser assim tão obscuro ;)
Mal soube dessas novas medidas pela boca do nosso PM, lembrei-me tambem do livre arbítrio que refere para as alterações nos interiores: RGEU..., Redes interiores..., etc.
Resta-nos esperar e acreditar piamente que as vistorias comecem a funcionar melhor...