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sábado, novembro 19, 2005

Mais Uma Vez O Art.º 175º Do Código Penal

Defende Carlos Loureiro, no Blasfémias, a conformidade constitucional do art.º 175º do Código Penal. Já anteriormente tinha escrito sobre o tema (I, II, III), a propósito de uma crónica de Miguel Sousa Tavares, mas repito essencialmente o que foi dito na altura.
Actos sexuais com adolescentes
Quem, sendo maior, tiver cópula, coito anal ou coito oral com menor entre 14 e 16 anos, abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
Actos homossexuais com adolescentes
Quem, sendo maior, praticar actos homossexuais de relevo com menor entre 14 e 16 anos, ou levar a que eles sejam por este praticados com outrem, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
As condições de punibilidade da conduta do homossexual são desproporcionadamente mais gravosas em relação à do heterossexual, i. é, a fronteira da punição ou não punição, é traçada consoante a conduta seja homossexual ou não - porquanto, no art.º 175º, bastam actos sexuais de relevo [sendo que no art.º 174º são necessários cópula, coito anal ou oral]; não é necessário que se abuse da inexperiência, como no art.º 174º; e existe o segmento "ou levar a que eles sejam praticados por outrem", que não se verifica no artigo que trata dos actos sexuais com adolescentes.
É irrelevante, ao contrário do que afirma o Carlos, que o crime em causa tanto possa ser praticado por homossexuais como por quem tenha uma qualquer outra orientação sexual; é irrelevante, ao contrário do que afirma o Carlos, que a palavra homossexuais seja usada como adjectivo ou substantivo. A verdade é que as condições de punibilidade da conduta homossexual são muito apertadas relativamente à conduta heterossexual. E quando o Carlos afirma que o art.º 175º do CP «não contém, por isso, qualquer discriminação subjectiva (de pessoas ou grupos de pessoas, os únicos incluídos no pronome indefinido "Ninguém" com que começa o artigo 13.º, n.º 2 da CRP), mas apenas objectiva (considerando mais desvaliosos certos actos do que outros, independentemente dos seus autores)» não explica nem fundamenta por que cargas d'água há-de ser mais desvalioso um acto homossexual com uma criança do que um acto heterossexual. E nestas coisas, como saberá, tudo tem de ser muito bem fundamentado.
Por que será então esse um comportamento mais desvalioso? Uma criança sofrerá maiores traumas se for abusada por uma pessoa do mesmo sexo, é isso? Como é que se saberá uma coisa dessas? E, nos casos - ainda que em menor número - em que a criança sofre menos traumas com uma relação homossexual, já será de recusar a aplicação da norma? De resto, nem sequer vem ao caso o quantum doloris da criança, i. é, se ela sofreu maiores ou menores traumas com uma ou outra conduta - que é, aliás, indeterminável. Com a incriminação da norma trata-se, apenas, no ponto de vista do direito penal, de proteger bens jurídicos, no caso, a saber, a autodeterminação sexual. Aliás, quem defende que a criança sofrerá maiores traumas com uma conduta homossexual defenderá outrossim que a adopção de uma criança por um casal homossexual é uma aberração. Afirmações estas, claro, suportadas por estudos secretos e acessíveis apenas a uma elite de iluminados.

Comments on "Mais Uma Vez O Art.º 175º Do Código Penal"

 

Blogger David Afonso said ... (novembro 19, 2005 10:58 da tarde) : 

Uma boa maneira de resolver esta questão seria a de nivelar a pena pelo máximo. Quer dizer: não aceitar a aplicação de uma pena menor só porque se tratou de um acto heterossexual. O que MST defende, juntamente com outros macacos de imitação, é que a pena seja menos gravosa só porque o acto não foi de carácter homossexual...

 

Blogger Luís Bonifácio said ... (novembro 19, 2005 11:52 da tarde) : 

Eu lios dois artigos e a pena é exactamente a mesma. Não percebo a questão.

O que eu acho estranho é que os Homossexuais queiram uma descriminação inversa (Os tão propalados crimes de ódio).

Se uma pessoa matar um homossexual é considerado um crime de ódio. Matar um não hom,ossexual é quê, um crime de amor?

 

Blogger Carlos Loureiro said ... (novembro 20, 2005 12:01 da manhã) : 

Caro Pedro,

Recomendo-lhe a leitura deste acórdão, de 2003, relatado por Armindo Monteiro, tirado por unanimidade.

 

Blogger José Raposo said ... (novembro 20, 2005 12:55 da manhã) : 

Luis desculpe mas pensava que a questão dos crimes de odio estava resolvida em relação aos restantes. Aliás até porque não se aplica o conceito exclusivamente aos homossexuais mas a todos os crimes em que a condição particularmente susceptivel da vitima por pertencer a uma minoria ou a um grupo particurmente discriminado, motivar esse mesmo crime.

 

Blogger Mente Assumida said ... (novembro 20, 2005 1:01 da manhã) : 

Caro Carlos Loureiro,

Para quem escreve num blog que supostamente luta contra a bovinidade, surpreende-me essa sua recomendação de leitura.

Acaso sabe que posteriormente à prolacção desse acórdão do STJ ocorreu a sexta revisão constitucional, através da Lei Constitucional 1/2004 de 24 de Julho de 2004, que procedeu à alteração do art. 13.º acrescentando ao corpo do artigo a expressão "orientação sexual"?

Acaso sabe que depois da prolacção do acórdão do STJ que refere, já o TC se pronunciou pela inconstitucionalidade do artigo 175.º CP?

E acaso já teve oportunidade de ler o comentário de Maria João Antunes no "Comentário Conimbricense ao Código Penal" e ver o que a professora aí discorre sobre esse artigo? Cito apenas estas passagens:
(...) «parece seguro que o direito penal português do futuro deve caminhar no sentido de não discriminar as relações homossexuais» (...) «mas preferível será sempre a solução de haver um só tipo legal de crime que, não distinguindo a natureza homossexual e heteressexual, proteja melhor o bem jurídico».

Sabe, é tão nobre lutar contra a bovinidade dos outros como contribuir para o seu não adensar...

 

Blogger Pedro Santos Cardoso said ... (novembro 20, 2005 2:05 da manhã) : 

1. Não, David: uma boa maneira de resolver a questão seria a de atribuir a ambas as normas os mesmos pressupostos de punibilidade. É que no art.º 175º bastam actos sexuais de relevo [sendo que no art.º 174º são necessários cópula, coito anal ou oral]; no art.º 175 não é necessário que se abuse da inexperiência, como no art.º 174º; e existe o segmento, no 175º, "ou levar a que eles sejam praticados por outrem", que não se verifica no artigo que trata dos actos sexuais com adolescentes.
2. Luis Bonifácio, a moldura penal é a mesma, sim. Os pressupostos de punibilidade é que são diferentes.
3. Caro Carlos Loureiro, recomendo-lhe do mesmo modo a leitura do Acórdão de 9 de Janeiro de 2003, do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (caso n.º 45330/99). E não é só na jurisprudência que se verifica uma corrente imparável contra a substância da norma. Também na doutrina assim acontece, como diz, e bem, o/a Mente Assumida: leia-se, por exemplo o comentário conimbricense, onde se pode ler a opinião da minha ex-professora Maria João Antunes.
4. Não dou um ano para o assunto estar resolvido.

 

Blogger Carlos Loureiro said ... (novembro 20, 2005 3:11 da manhã) : 

Cara Mente Assumida,
Se lê o blogue em que escrevo, terá visto que não ignoro nem a mudança da constituição nem os acórdãos do TC. Recordo-lhe, ainda, o seguinte:

1. A declaração de inconstitucionalidade ocorreu em dois processos de fiscalização concreta. O artigo em causa não foi (ainda) declarado inconstitucional com força obrigatória geral, mantendo-se, por enquanto, em vigor.

2. A Prof. Maria João Antunes, tanto quanto me lembro, defende que o crime previsto no artigo 175.º deixe de discriminar os actos homossexuais dos outros actos sexuais de relevo, passando a incluí-los a todos, pois ficaria assim melhor protegido o bem jurídico em causa - a autodeterminação sexual dos menores com 14 ou 15 anos. Não defende a revogação do artigo.

3. O mais recente acórdão do TC tem um voto de vencido - da Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - cuja leitura lhe recomendo, caso o não tenha ainda lido: aqui, sustentando a não inconstitucionalidade.
O mais antigo tem também uma declaração de voto, desta feita do Conselheiro Pamplona de Oliveira, que defendeu ambém a não inconstitucionalidade do artigo, ainda que com argumentação diversa.

4. Para terminar (e respondendo também ao pedro): também eu entendo haver interesse numa clarificação legislativa, que alargue a tutela penal aos actos heterossexuais de relevo em que não haja abuso da inexperiência de natureza heterosexual. Não por causa da inconstitucionalidade - que a meu ver não se verifica - mas por entender que a tutela penal da autodeterminação sexual dos menores de 16 anos se justifica em todos os casos.

 

Blogger Pedro Santos Cardoso said ... (novembro 20, 2005 9:49 da manhã) : 

Caro Carlos,

1. Sim, apenas ocorreu em dois casos de fiscalização concreta da constitucionalidade. Mas, como sabe, o Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de qualquer norma, desde que tenha sido julgada por ele em três casos concretos. Por isso, estamos a um caso concreto de tal acontecer...
2. A prof. Maria João Antunes não defende a alteração do artigo, mas defende a sua alteração no sentido de serem nivelados os pressupostos de punibilidade de ambas as situações.
3. Quanto aos votos de vencido são, felizmente, isso mesmo: vencidos. Há um cerco a essa norma talqualmente ela está.
4. Proponho a nivelação do art.º 175º pelo art.º 174º, e não o oposto.

 

Anonymous Anónimo said ... (novembro 20, 2005 11:04 da manhã) : 

"Uma criança sofrerá maiores traumas se for abusada por uma pessoa do mesmo sexo, é isso?"

Não é de abuso que se trata, como sabe. Tem de ter cuidado com o modo como equaciona o problema.

 

Blogger Pedro Santos Cardoso said ... (novembro 20, 2005 11:26 da manhã) : 

Não vá o caro anónimo não compreender aquilo que quero dizer, reformulo a questão: "Uma criança sofrerá maiores traumas se o acto sexual de relevo for praticado por uma pessoa do mesmo sexo, é isso?"
Isto deverá satisfazer as suas ânsias de rigor.

 

Blogger Mente Assumida said ... (novembro 21, 2005 1:28 da manhã) : 

Caro Carlos,

Se o TC já tivesse declarado o artigo em causa inconstitucional com força obrigatória geral esta nossa troca de ideias não estaria a acontecer.

O importante a ressalvar na posição da Prof. Maria João Antunes é que também ela considera o artigo inconstitucional e, portanto, faz todo o sentido invocar a sua posição quando se discute, precisamente, a constitucionalidade do preceito. Se a via é a da revogação ou a da alteração, é uma outra questão.

Agradeço-lhe a simpatia da indicação dos acórdãos. Já tinha tido oportunidade de os ler, mas obrigada pelo seu cuidado em referi-los. Aprecio e louvo-lhe o rigor.

Quanto às suas ideias acerca do artigo, repare que o fundamental e o que está em causa em relação à inconstitucionalidade não é a despenalização do comportamento, mas sim a não diferenciação/discriminação dos comportamentos homossexuais. Uma das maneiras de o fazer pode ser a que o caro CL propõem. As hipóteses estão em aberto.

 

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