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domingo, maio 14, 2006

Grandes Dramas Judiciários: URBINO DE FREITAS (6)

Como o post de hoje é longo não vou sugerir mais leituras complementares. Fica aqui, no entanto, uma pergunta: O tal Dr. Adolfo Coelho que aparece envolvido nesta história toda será este Adolfo Coelho?
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6. Declarações de Adolfo Coelho.
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Os jornais de Lisboa e Pôrto, com êstes os do Minho e Algarve, em impressionantes reportagens, entram a proclamar,sem rebuço, a convicção do crime e a suspeita do criminoso. Em glosa às declarações de Miss Lothie à Polícia de Lisboa surge a desconfiança de crime, da mesma sorte, quanto ao falecimento de José Sampaio Júnior.
A propósito, afirma-se o seguinte: - José Sampaio, estroina insanável, transferira-se de Lisboa para o Pôrto, na companhia de Miss Lothie, sua amante, teúda e manteúda, em vésperas do Natal de 89, na fé de obter a benção do pai, que lhe não perdoa as loucuras dissipadoras. Hospedara-se no Hotel Paris. Adoecera a 29 de Dezembro. Miss Lothie recorrera, a seu favor, à medicamentação do cunhado, Urbino de Freitas. Êste, aplicara-lhe uma injecção de pilocarpina, que, estando êle sentado na cama, o prostou, em estado de síncope, coberto de suores frios e numa algidez cadavérica, verificando-se, ao recuperar os sentidos, que tinha perdido a vista. Urbino convocou a conferência o Médico Godinho de Faria. O Médico Faria, reconhecendo a gravidade da situação – pensando em suicídio ou crime – aconselhou a que se chamasse a mãe do enfêrmo e outro médico. Chamaram Sousa Loureiro. Diagnosticou a doença de congestão cerebral – ordenando que se lhe aplicassem estimulantes sôbre a pele e clisteres purgativos. No dia 31 o doente apareceu capaz de triunfar da doença. Sobreveio-lhe, porém, uma retenção de urinas. Algaliaram-no a 1 e a 2 de Janeiro, a crise inalterável. Urbino achou conveniente a aplicação duma injecção de cafeína. Faria concordou, receitou, retirou-se, na disposição de voltar e aplicar a injecção. O frasco de cafeína foi entregue a Urbino durante a ausênsia de Faria. Urbino despejou a droga num cálice, foi à cómoda, tornou à janela, encheu de líquido a sua seringa, observou-o à luz exterior, devolvendo-o depois ao frasco, encarapuçando a rôlha com a cápsula de papel vinda da farmácia.
Faria reapareceu. Urbino entregou-lhe o frasco. O outro alçou-o à altura dos olhos, como quem examina.
«O colega está muito escrupuloso» - comentara Urbino.
- «Não. Fui ver a fórmula»... – replicou Faria, natural.
Fôra o colega quem aplicara a injecção ao enfêrmo, servindo-se da seringa de Pravaz oferecida por Urbino. A injecção aplicou-se às duas da tarde. E Sampaio Júnior morria às seis horas, nesse mesmo dia, numa agonia horrorosa, com «vómitos sanguíneos», que «se deitaram fora», por ordem de Urbino.
Perante a insistência crescente dos boatos de envenenamento criminoso, a 10 de Abril, no cemitério de Agramonte, os médicos Rodrigo Moreno e Alcino Ferreira da Cunha autopsiaram o cadáver de Sampaio Júnior.
Sepulto há três meses e oito dias, encontraram-no «em estado de putrefacção adiantada», a qual torna impossível observar os indícios apreciáveis de lesões que expliquem as causas da morte. E os peritos recolhem em frascos restos quási liquefeitos da massa encefálica, estômago, intestinos, pulmões e coração, a fim de os submeterem a análise toxicológica.
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Como se assinalou na altura devida, o Comissário do Pôrto, à notícia do envenenamento da família Sampaio por efeito das guloseimas expedidas de Lisboa, despachara no rumo da Capital o chefe da Polícia Judiciária Cardoso Lopes, encarregado de proceder ali às necessárias diligências de investigação.
Por sua vez, o Comissário de Lisboa agregara ao chefe do Pôrto, com fito idêntico, o chefe Romão Ferreira.
As investigações iniciaram-se pelo interrogatório de Carlos de Almeida e sua mulher, Dona Maria Pia. Considerando-os inocentes, a Polícia procurou outra pista.
Nisto, o Comissário de Lisboa recebe os primeiros rebates referentes a Urbino. Comunica-os aos seus subordinados. Cardoso Lopes pede para o Pôrto uma fotografia do clínico. E êle, e o seu adjunto, munidos da fotografia, percorrem os hóteis e hospedarias de Lisboa, em busca do rasto da sua passagem pela cidade.
Descobrem que esteve no Hotel Central, em 5 e em 8 de Março. Chegara ao hotel em 5, à 1 hora da madrugada – informa o porteiro e o ajudante – ocupando o quarto n.º 10. De manhã, pedira ao porteiro, Carlos Colombo, a indicação de confeitaria de confiança em que pudesse comprar amêndoas finas, para oferecer à sua noiva; saindo do hotel, voltou pouco depois, sobraçando uma caixa que devia ser de amêndoas; apusera-lhe o enderêço da noiva, e entregara-a ao Colombo, recomendando-lhe que a despachasse no dia 8, por ser o dia 9 o do aniversário da destinatária, visto êle ter de se retirar, nesse mesmo dia, com destino a Mafra. De facto, pagou a conta, deixou a caixa ao Colombo e retirou do hotel. Reaparecera no dia 8, também à 1 hora da madrugada e preguntara pelo porteiro ao ajudante; como lhe dissesse que saíra mais cedo, adoentado, mas que voltava de manhã, recolhera ao quarto n.º 29, e nessa manhã de 8, pedira ao Colombo, a restituição do embrulho dizendo que, como tinha necessidade de ir ao Pôrto, resolveu entregar as amêndoas à noiva, pessoalmente. Pagou a conta e despediu-se, tomando um trem de praça.
A Polícia, de investigação em investigação, averigua que a caixa das amêndoas foi comprada na Confeitaria Nacional, na rua da Betesga e que o enderêço para a noiva foi escrito na papelaria Gil Carneiro, da rua Augusta.
Patrões e caixeiros da confeitaria e da papelaria trocam as datas da venda e do enderêço, aparecendo outros patrões e outros caixeiros de casas similares a reivindicarem a procedência na compra das amêndoas e na escrita do enlólucro, em dias provadamente inexactos. O confeiteiro Pucci, da rua das Capelistas, reconhece Urbino pelo retrato; afirma que as amêndoas foram compradas por êle, no seu estabelecimento, no dia 28 de Março – afirmação irrefutàvelmente contradita pelas declarações de Urbino, que saíra do Pôrto, mas que não chegou a Lisboa, por ter perdido o combóio em Coimbra, havendo regressado ao Pôrto na manhã de 28.
Reconhecida a flagrante contradicção, as investigações continuam. De que esteve em Lisboa de 4 para 5 e de 7 para 8 não há menor dúvida. Êle próprio o confessa. Dissera, entretanto, que se hospedou em casa de Adolfo Coelho, facto corroborado pelo irmão Freitas Fortuna – facto que põe em evidência nova e impressionante contradição, em vista das informações colhidas no Hotel Central.
Os chefes Cardoso Lopes e Romão Ferreira batem à porta de Adolfo Coelho, na travessa da Bela-Vista, à Lapa, 9-1.º; intimam-no a comparecer no Comissariado, a fim de aclarar a situação contraditória. Adolfo Coelho, no Comissariado, nega a presença de Urbino em sua casa, nos dias citados. E, para confirmação do seu depoimento, entrega à Polícia quatro cartas; a primeira, de 4 de Abril, esta sem importância quanto ao problema ventilado; a segunda, sem data, que põe a situação a claro, recebida em Lisboa a 6; a terceira e a quarta, respectivamente de 7 e 8 dêste mesmo mês.
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