Grandes Dramas Judiciários: Urbino de Freitas (9)
9. A imprensa e o Ministério Público![]() O crime da rua das Flores assume proporções de acontecimento nacional, de Norte a Sul do País – a ponto de quási relegar para segundo plano a agitação e as consequências políticas do Ultimatum de Janeiro dêste ano de 1890, e as crises ministeriais a que dá origem, e as manifestações patrióticas a que arrasta a Nação, e os gritos explosivos de protesto soltados por poetas e prosadores, no meio do clamor tempestuoso, retumbando as tubas apocalípticas de Junqueiro e Gomes Leal. A curiosidade em tôrno do caso Urbino de Freitas aumenta no lance em que os peritos juntam aos autos, ainda na fase secreta, o relatório do exame ao cadáver do Mário. Apesar do segrêdo da Justiça, sabe-se que os peritos nadam concluíram relativamente à natureza da entoxicação de que o menor fôra vítima. E que, a 17 de Abril se procede a nova exumação do cadáver, anova colheita de elementos que permitam completar a autópsia cadavérica com o exame toxicológico e histológico das vísceras –aos peritos anteriormente nomeados, sendo agregado o Lente da Escola Médico-Cirúrgica, Agostinho António de Souto. O corpo de delito indirecto continua. Entre as muitas testemunhas ouvidas, os médicos que assistiram aos enfermos, os comissários e agentes policiais que procederam às investigações, as criadas da casa Sampaio, aparece a depor Dona Maria Violante, Professora de ginástica no Ginásio Lauret. É Professora dos netos de Sampaio. Afirma que viu o dr. Urbino de Freitas na Confeitaria Lisbonense, na rua Formosa, do Pôrto, numa quinta-feira, a 6, 13 ou 27 de Março. Recorda-se que foi numa quinta-feira, por vir de um colégio em que só dá lições nesse dia da semana. E não foi a 20, por ter ficado em casa, adoentada, na respectiva quinta-feira. Deparou-se-lhe o dr. Urbino, naquela confeitaria, a examinar uns doces de côco, deixando-os no prato e retirando-se ao ver a depoente. Diz mais que, à notícia da morte de Mário, e envenenamento das meninas, correu a casa dos avôs; o dr. Urbino apareceu no quarto em que ela, testemunha, se encontrava. E falando-se da ocorrência, observou que era «natural que sôbre êle recaíssem as suspeitas do envenenamento, por ser uma das pessoas que mais lucrariam com a morte das crianças»; e, sem que ela, depoente, se referisse à cena da confeitaria e do doce de côco, acrescentou que comprava muitas vezes dêsse doce, «porque a espôsa muito o apreciava». Pouco a pouco, do seio da tormenta que ruge e espumeja de encontro aos muros do cárcere, começam a entreluzir santelmos de barcas que lutam contra a vaga atroadora, que remam contra a maré tempestuosa. Camilo, ao tempo Visconde de Correia Botelho, amigo devotado de Freitas Fortuna, irmão do encarcerado, diz-lhe, em carta endereçada de Seide, já a afagar a coronha da arma suicida: «Ao sair dêste horrendíssimo mundo, deixo-lhe duas palavras: - corageme esperança. Que a justiça humana receba da justiça divina um raio de luz que chegue ao seu abismo. Adeus, meu desgraçado amigo! Visconde de Correia Botelho». A requerimento do Ministério Público e da parte queixosa reúne-se no Tribunal, a 22 de Abril, uma Conferência de treze médicos, dos mais nomeados do Pôrto, a fim de responderem a questionário proposto sôbre as causas da morte de Mário e José Sampaio. A Conferência decide, em definitivo, que os sintomas da morte de José Sampaio e Mário revelam envenenamento; e que existe analogia entre certos sintomas observados na doença e morte dos dois envenenados. O Ministério Público, atendendo ao que consta do corpo de delito indirecto, viagens de Urbino a Lisboa; contradições e inverosimilhanças das suas declarações; omissão da terapêutica dos clisteres nas suas várias conferências com colegas e autoridades; depoimentos das testemunhas ouvidas; afirmação do próprio arguido de que os sobrinhos tinham sido envenenados, deduz contra êle a sua querela, a 23 de Abril, dentro dos oito dias após a sua prisão – não aguardando, por isso, a prova do corpo de delito directo, resultante do exame toxicológico às vísceras dos dois cadáveres autopsiados e do exame à letra do enderêço apôsto no envólucro da caixa de amêndoas. Acusa-o das mortes de José e Mário e do envenenamento da demais família Sampaio. O Juiz recebe a querela a 24 de pronuncia a querela como incurso no artigo 353 do Código Penal, sem admissão de fiança. Intimado o despacho de pronúncia, o arguido constitui seus defensores os advogados Alexandre Braga e Temudo Rangel. A família Sampaio desiste de se representar no feito, como parte. E oferece uma pensão mensal à filha, mulher de Urbino, pensão que a filha rejeita – no seu afecto incondicional pelo marido, afecto que através das longas e tormentosas veredas da desgraça, não fraqueja um dia, um instante, sempre atento às quebras de ânimo do proscrito, sempre cega e surda a tôdas as luzes e a tôdas as vozes que procuram dogmatizar a culpabilidade do incriminado. Cega e surda a tôdas as luzes e a tôdas as vozes que suspeitem o marido de culpabilidade no crime, Dona Maria das Dores – cujo nome soa a terrífico vaticínio – não perdoa aos próprios pais o zêlo manifestado pela descoberta e castigo do criminoso, êles que, sem êsse zêlo, surgiriam no proscénio, aos olhos do Mundo, transfigurados em coniventes no atentado. [Episódios anteriores] 1. A rua das Flores e a casa do negociante Sampaio. Os netos de Sampaio. 2. A família do negociante envenenada pelos doces da caixa. 3. Intervenção de urbino de freitas, genro e tio dos envenenados. Os clisteres de cidreira. 4. Morte de Mário, um dos netos de Sampaio. Ressurge o caso recente da morte de Sampaio Júnior, filho do mercador. 5. Interrogatórios de Urbino. 6. Declarações de Adolfo Coelho. 7. Prisão de Urbino, professor da Escola Médico-Cirúrgica 8. As investigações prosseguem |
Comments on "Grandes Dramas Judiciários: Urbino de Freitas (9)"
Os mádicos envolvidos no caso e que desvendaram o segredo do envenenamento (Foi um trabalho cientifico importante, na altura)publicaram em livro todos os estudos realizados, para os quais recorreram às mais avançadas teorias da altura.
Se quiseres empresto-te.
Isso era excelente! Envia-me isso. E obrigado.
Quando for ao norte entro em contacto