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segunda-feira, julho 10, 2006

Grandes Dramas Judiciários: Urbino de Freitas (12)

Palavras curtas, apenas as suficientes para apresentar o terceiro exemplar da bibliografia Urbiniana e para chamar a vossa atenção para a ilustração inserida no texto, a qual foi retirada do periódico «O Sorvete» de 26 de Novembro de 1893.
SOUTO, Agostinho Antonio do - Exame e Refutação dos pareceres constantes dos supplementos á Coimbra Médica ácerca do Processo-Crime Urbino de Freitas. Porto: Imprensa Portugueza, 1892
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12. A Conferência de peritos e os recursos apresentados por Alexandre Braga

Ora a opinião pública, pacificada pelo tempo, dividida pela dissidência criada em tôrno dos exames periciais, tem hoje por dogma, pois está provado nos autos, que não foi Urbino quem despachou as amêndoas; mais, e que as amêndoas não estavam envenenadas. Se a defesa convencer os Juízes do êrro ou da má-fé do exame toxicológico às vísceras do Mário, Urbino sai da prisão, limpo de tôda a culpa – os próprios descrentes da sua inocência, tão encandeados pelo relampaguear da campanha dos respectivos paladinos, a homologarem a sentença.
Assim, em Julho de 92, a defesa requere uma Conferência entre os peritos oficiais e os oficiosos. O Ministério Público opõe-se. O Juíz, agora Ernesto Kopke da Fonseca Gouveia, indefere o pedido. A Relação confirma o despacho agravado. O Supremo ordena que se proceda à Conferência, «pois à Justiça cumpre, não restringir, mas antes ampliar ao Réu todos os elementos da sua defesa».
A Conferência realiza-se a 21 de Dezembro do ano referido. Os peritos oficiais começam por declarar que não aceitam a discussão com os peritos oficiosos, pelo facto de haverem sido pùblicamente caluniados e ofendidos por êles, depois de fragmentarem, truncarem e falsearem o seu trabalho médico-legal – concluindo por pedir que lhes sejam formulados quesitos, por escrito, a que, por escrito, responderão.
O Juiz defere – com a concordância dos peritos oficiosos.
Da Conferência resulta maior e mais rumoroso dissídio entre os peritos da acusação e os peritos da defesa – dissídio que torna mais numerosas e mais aguerridas as hostes encorpadas no campo do arguido.
A arte de Alexandre Braga na faina de lidar a opinião pública, quando a opinião pública vem a terreiro nos arrancos ululantes da fera brava, está a produzir os seus resultados magníficos. Não se encontra apenas dividida quási três anos decorridos sôbre o acontecimento que a levantara, sem discrepâncias, em irados assomos de revindicta.
A fracção contrária a Urbino, sendo ainda a mais numerosa, encontra-se entretanto corrompida, desorientada, quebrantada pela acção natural do tempo, e por influência de certos pontos de interrogação a que não sabe, a que não pode responder; e até pela dispersão de interêsse suscitado pela revolta de 31 de Janeiro de 1891, no Pôrto, e prisões correlativas, e correlativos debates, e correlativas consequências políticas.
É verdade. Êle declarou os sobrinhos envenenados. Êle aplicou-lhes clisteres, aplicação ocultada a médicos e autoridades. Êle disse que fôra a Lisboa tratar da tradução dum seu trabalho médico, e que se hospedou em casa de Adolfo Coelho, o que se provou ser falso. Êle não fez a menor prova que tornasse verosímil a existência da dama misteriosa de Lisboa – a qual, por sua vez, não apareceu a salvá-lo, em circuntâncias tão afrontosas da sua honorabilidade de homem e da sua dignidade profissional. Êle afirmou que, a 27 de Março, indo a Lisboa, ficou na Estação-Velha, tendo-se apurado que o combóio na Estação-Nova, em que foi à cidade estudantil, partiu antes de seguir o seu rumo o de Lisboa – salientando-se, além disso, a coincidência da ida a Lisboa, de 27 para 28, sendo as amêndoas despachadas em Lisboa, precisamente a 28 de Março.
Mas quem as despachou? Êle? Não, que ficou em Coimbra. E a morte do Mário, foi a resultante de envenenamento pelos bolos, ou pelos clisteres? Os peritos da acusação juram que foi envenenado – os peritos da defesa a jurarem que não, apoiados por sumidades estrangeiras em matéria toxicológica. De resto, os peritos de acusação nem sequer chegaram a uma conclusão exacta, indiscutível, àcêrca do envenenamento pelos bolos ou pelos clisteres e àcêrca da natureza do veneno empregado nos clisteres e nos bolos.
Alexandre Braga sente a opinião pública prestes a submeter-se, vencida, aos volteios da sua capa relampejante de grande lidador do fôro – pelo menos pronta a receber, na barra do Plenário, a estocada final, o golpe de misericórdia. Em vez de lhe apontar a estocada final, na audiência do julgamento, decide, porém, sobreslar ainda no golpe dicisivo – decide requerer a anulação do processo, na certeza de que, se perder o recurso, ganhará o domínio absoluto sôbre a opinião pública, a nova dilatação a operar por fôrça do desgaste dos meses transcorridos na consciência dos opositores e do acréscimo das falanges favoráveis ao incriminado.
Pelo que, verificada a improdutividade da Conferência a favor da acusação, requere a anulação do processo, com o fundamento do conflito entre as opiniões dos peritos e a insubsistência do corpo de delito directo. O Delegado opõe-se. O Juiz indefere, a 4 de Janeiro de 93 – assinalando no seu despacho que as opiniões dos peritos da defesa, que «se limitaram à análise dos relatórios dos outros, não podem prevalecer sôbre as de quem viu por seus próprios olhos».
A Relação, a 10 de Fevereiro, por aquelas mesmas razões, nega provimento ao agravo contra o despacho do Juiz, em aórdão assinado por Vasco Leão, Pinto Osório e Conde de Aurora. O Supremo, a 22 de Março, confirma o acórdão da Relação, o qual negou à defesa «o recurso de revista contra o acórdão de 10 de Fevereiro». A defesa interpõe segundo recurso para o Supremo – desta vez recurso de agravo contra o primeiro acódão, o de 10 de Fevereiro.

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