Grandes Dramas Judiciários: Urbino de Freitas (14)
Já não é a primeira vez que me acontecem coincidências destas. Cheguei ao caso Urbino de Freitas através do Sr. Faria, proprietário do armazém de pronto-a-vestir que ocupa na actualidade a casa onde esta tragédia aconteceu. Foi ele que fez chegar às mãos da minha mulher um exemplar de um dos fascículos da colecção «Grandes Dramas Judiciários» publicada nos anos 40 pelo «O Primeiro de Janeiro» e da autoria de Sousa Costa. Quando ouvi o nome «Urbino de Freitas» fiquei com as orelhas no ar: aquilo tinha qualquer coisa de familiar. Pois tinha. Um dos meus gozos é a bibliofilia, pelo que é costume meu deambular pelos alfarrabistas. Um dia, bem antes de tropeçarmos no sr. Faria, encontrei (e comprei) na Livraria Varadero uma coisa que procurava à muito: uma espécie de catálogo de um gabinete de leitura do Porto. Refiro-me à «Revista da Sociedade de Instrucção do Porto» publicada a partir de 1881 nesta cidade. Pois quem vamos nós encontrar entre os sócios fundadores deste grémio? Justamente! Dr. Vicente Urbino de Freitas! E não pensemos que se trata de uma pequena e provinciana associação. Os nomes ilustres, nacionais e estrangeiros, confirmam que Urbino de Freitas seria uma figura proeminente na sociedade portuense. Apenas alguns exemplos: Willian e Alfred Tait, Augusto Luso da Silva, Dr. Eduardo Augusto Allen, Joaquim de Vasconcellos, Visconde de Villar d’Allen, José Joaquim Rodrigues de Freitas, George Delaforce, Visconde da Silva Monteiro, Alberto Kendall, Conselheiro Arnaldo Braga, José Teixeira da Silva Braga Junior, Dr. Alexandre Braga, E. Chardron, Fernando Kopke, Antonio Bernardo Brito e Cunha, Conde de Samodães e muitos outros. Na revista propriamente dita, outros nomes de relevância também aí escrevem, como é o caso de Carolina Michaelis e Teófilo Braga. Urbino de Freitas colaborou no exemplar da Urbiniana em baixo assinalado. PS: Os meus agradecimentos a todos aqueles que me ajudaram a perceber melhor quem foi o Dr. Alexandre Braga. No próximo capítulo vou fazer uso das informações que me fizeram chegar às mãos. Obrigado. ![]() FREITAS, Vicente Urbino de – A Escola Médico Cirurgica do Porto (1879-1880). Revista da da Sociedade de Instrucção do Porto. Porto. Nº 3 de 1 de Março de 1881, pp 92 a 98 --------------------------- 14. A Urbino tudo corre mal - E o bilhete de visita escrito por Eduardo Mota? Não o conservará ainda em seu poder? – inquire Pestana da Silva, no alvorôço do mandante que, em busca das minas de Salomão, se tivesse trasviado no caminho, e que, de repente, em brusco e imprevisto desvio, se lhe deparasse a rota certa. Brito e Cunha procura o bilhete na carteira. Encontra-o entre outros papéis. Entrega-o ao Delegado do Ministério Público – que o rubrica, rubricando-o também as entidades presentes. Pestana da Silva regressa ao Pôrto, exultante. Considera-se na posse da chave mestra da tragédia. Volta aos Arcos na madrugada de 29, desta vez com o Comissário, Cardoso Lopes e Urbino de Freitas, êste ao cuidado de dois guardas à paisana – na comitiva o Jornalista Lopes Teixeira, que lograra violar o segrêdo da Justiça e que assim ia testemunhar a diligência. Nos Arcos, vão direitos à Administração do Concelho. Da Administração do Concelho dirigem-se a casa de Brito e Cunha, o arguido levado no meio de pessoas desconhecidas. - Conhece, entre os indivíduos presentes, o que foi seu companheiro de combóio em 27 de Março? –pregunta-lhe o Comissário. - Conheço. É aquêle – e aponta Urbino.parecera-lhe calvo na carruagem. Ao vê-lo agora, sem chapéu, verifica que o engano proviera do facto da testa alta, com fundas entradas. - Então o senhor... reconhece-me, decorrido tanto tempo?! – interpela o incriminado. ![]() - Reconheço. É o senhor mesmo. - Tem filhos? – replica, altivo, intimorato. - Precisamente porque os tenho... é que afirmo isto, com a consciência de quem cumpre um dever. Foi o senhor que me entregou a encomenda. Foi o senhor que pediu o seu despacho para o Pôrto e que escreveu o nome Eduardo Mota no meu próprio bilhete de visita. A mulher de Brito e Cunha, chamada a preguntas, reconhece em Urbino de Freitas, igualmente, o Eduardo Mota da viagem para Lisboa – Urbino de Freitas protestando sempre, com energia e decisão, contra as declarações dos Britos e Cunhas. Na mesma emergência, tornado público o reconhecimento dos Arcos, o Delegado recebe a caderneta da Escola Médica, enviada por mão anónima, em que Urbino, a lápis azul, apontava faltas e notas dos seus alunos – as últimas notas apontadas a 14 de Abril, véspera do dia em que foi prêso. Após isto, em busca feita a diversas farmácias, encontraram-se receitas do Clínico, escritas a lápis azul. O empregado dos correios de Lisboa, que fêz o despacho da encomenda, Acácio Morais Costa, vai aos Arcos, a ver se reconhece Brito e Cunha. Antes da entrada solene no quarto do doente, diz ao Administrador do Concelho que, nunca esquecera, pela impressão que lhe fêz a sua quota-parte no envenenamento, que o expedidor da encomenda lhe deu, para se pagar do porte, uma moeda de 500 réis. Entra no quarto. Brito e Cunha está com outras pessoas. Aponta-o, embora sem a certeza de que seja o mesmo. Brito e Cunha é que o reconhece. Reconstitui, na sua presença, a sala do Correio em que fêz a expedição. Lembra-lhe que, para pagamento do porte, lhe deu uma moeda de 500 réis – particularidades de retentiva que seriam inverosímeis, inacreditáveis mesmo, desvinculadas de acontecimento durante anos e a cada passo rememorado. No Comissariado, os peritos Megre Restier, Manuel Vieira da Silva e Sá e António dos Reis Castro e Portugal procedem ao exame do bilhete de visita, posta em confronto a sua letra com a das cartas de Urbino a Adolfo Coelho. E declararam achar perfeita identidade entre uma e outra letras. A campanha dos convictos da culpabilidade de Urbino recrudesce, animada ao sôpro ponteiro dos últimos acontecimentos. Os jornais desta facção, a maioria dos jornais do País, afirmam aos quatro ventos que tôdas as dúvidas se dissiparam na consciência dos homens de boa-fé – embora os paladinos de Urbino, continuem a lançar mil calúnias e insinuações tendenciosas sôbre os Magistrados da Polícia e dos Tribunais ligados à instrução e organização do processo e seus muitos incidentes; a despejarem mil e uma afrontosas aobjurgatórias sôbre os peritos do Tribunal, Agostinho Souto, Ferreira da Silva e demais, reduzidos a infímos bonifrates servis, manobrados ao sabor dos cordelinhos da acusação; a transfigurarem a avó de Mário, ela que é igualmente avó dos filhos do incriminado, em ferina megera, apunhalando no coração, por velhos despeitos familiares, os filhos da própria filha; embora os parciais do arguido proclamem que Brito e Cunha não passa de reles farsante, alugado pelos empresários da farsa tenebrosa, no momento em que a viam na iminência de banquear no abismo da torpeza que a engendrou, a vítima da torpe cabala, prestes a libertar-se das suas garras e a ressurgir imaculada de culpas. E as contradições de Urbino no caso da ida a Lisboa em 27 de Março? – interpelam os contrários. Declarou que perdeu o combóio em Coibra, tendo-se provado a falsidade de tal declaração. Declarou às pessoas com quem esteve em Coimbra que saira do Pôrto em visita a uma doente da Pampilhosa, tendo afirmado, nos autos do processo, que viajava nesse combóio com destino a Lisboa – o que prova também pelo bilhete comprado em Campanhã. Ao passo que, argumentam os dêste partido, as declarações de Brito e Cunha acertam em absoluto com as próprias declarações do incriminado. Já se sabe o nome e a qualidade da pessoa que fêz a denúncia anónima da interferência de Brito e Cunha na tragédia e da sua chegada a Portugal. Chama-se Bento Agostinho da Costa Guimarães. É ourives na rua das Flores. Brito e Cunha teve notícia do envenenamento, no Brasil, pelos jornais. Pelos pormenores da remessa das amêndoas, certificou-se de que fôra cúmplice involuntário de Urbino de Freitas. Do Rio escrevera uma carta a Manuel Tinoco, seu cunhado, comunicando a participação involuntária no crime. Proibira-o, porém, de falar no assunto, a fim de lhe evitar a obrigação e os incómodos da vinda a Portugal para esclarecer a Justiça. E Costa Guimarães, ciente, pelo Tinoco, da chegada do Cunha a Lisboa, decidira comunicá-la ao Ministério Público. O Ministério Público adiciona estas novas testemunhas ao rol apontado no libelo acusatório. Realizam-se mais exames a autógrafos. Surgem mais incidentes dilatórios – o julgamento designado para 20 de Novembro. O Ministério Público requerera que o Réu fôsse julgado por Júri misto, sorteado pelas pautas do Pôrto, Paredes e Vila-do-Conde. E a defesa, embora se não oponha ao Júri misto, pretende que, à pauta da Comarca de Paredes, se prefira a da Feira, mais próxima. Está à morte, a 13 de Novembro, uma filha de Urbino, de quinze anos. A mãe da moribunda, que não fraqueja na heróica assistência ao encarcerado, acompanhada pelos outros quatro filhos e pelos advogados do pleito, apresenta-se no Tribunal e suplica ao Juiz a ida do marido a casa, a fim de se despedir da filha. O Juiz indefere – rígido no apêgo à Portaria do Ministério da Justiça, de 21 de Janeiro de 1843, que não concede aos foreiros do Código Penal o piedoso e humano desfôgo. A filha morre a 16 – a cidade agitada, ao falso alarme de que se encontra apenas em crise letárgica, provocada pelo pai, no fito de adiar o julgamento, os médicos Franchini e Gramaxo verificando que ela de facto morrera. No mesmo dia 16 – não há fulminação que não caia, nos últimos tempos, sôbre a cabeça do arguido! – Alexandre Braga, ao coordenar com Temudo rangel a defesa do constituinte, dorido talvez por tão desastrosamente ter protelado o julgamento, sofre o insulto duma congestão pulmonar. Recolhe a casa, febril, numa «cadeirinha» - o constituinte privado do poder dominador, tantas vezes milagroso, da eloquência empolgante do insigne patrono. [Episódios anteriores] 1. A rua das Flores e a casa do negociante Sampaio. Os netos de Sampaio. 2. A família do negociante envenenada pelos doces da caixa. 3. Intervenção de urbino de freitas, genro e tio dos envenenados. Os clisteres de cidreira. 4. Morte de Mário, um dos netos de Sampaio. Ressurge o caso recente da morte de Sampaio Júnior, filho do mercador. 5. Interrogatórios de Urbino. 6. Declarações de Adolfo Coelho. 7. Prisão de Urbino, professor da Escola Médico-Cirúrgica 8. As investigações prosseguem. 9. A imprensa e o Ministério Público. 10. Os especialistas e a polémica. 11. A estratégia da defesa. 12. A conferência de peritos e os recursos apresentados por Alexandre Braga. 13. Uma testemunha inesperada |
Comments on "Grandes Dramas Judiciários: Urbino de Freitas (14)"
Caro David,
Saberia dizer-me se Alberto Pimentel e Francisco Faro Oliveira participaram de alguma forma na Sociedade de Instrução do Porto através da Revista ?
Francisco de Faro e Oliveira era na época director do Colégio da Ordem da Trindade.
Fico a aguardar as suas descobertas sobre o Guilherme Braga, tema que muito me interessa.
Agradeço antecipadamente
Cumprimentos
Navarro
Meu caro,
Entre os sócios fundadores não consta qualquer um deles. O que nada quer dizer porque dá para perceber que há um constante aumento de sócios e correspondentes. Mas esse trabalho ainda não o fiz (até pq me faltam alguns exemplares da revista). Mas entretanto, hei-de lhe mandar a lista completa do sócios-fundadores.
cumprimentos