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domingo, agosto 06, 2006

Grandes Dramas Judiciários: Urbino de Freitas (16)

O exemplar da Urbiniana de hoje, bem como outros que no futuro serão aqui expostos, foi-nos facultado por M. Irene Fonseca.


ROCHA. Augusto – O problema medico-legal no processo Urbino de Freitas: explicações prévias. Coimbra Médica. Coimbra. Suplemento ao nº 8 de Abril de 1891
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16. Mais testemunhas de acusação

4.ª Testemunha: - Acácio Pereira, do Pôrto, Jornalista. Depõe àcêrca do reconhecimento do acusado pelo porteiro do Hotel Central, Carlos Colombo, e pelo seu ajudante, José Maria Estêves.
- Delegado: - Explique como se fêz êsse reconhecimento.
-Testemunha: - O senhor Juiz Silva Lima reuniu numa das salas dêste Tribunal diferentes indivíduos, de que eu fazia parte. Colocou o acusado na fila dêsses indivíduos. Mandou introduzir na sala o Colombo. O homem entrou, e sem que lhe fizessem qualquer pregunta, indicou logo o acusado como sendo aquêle que estivera no Hotel Central. E, por ordem do Juiz, contou o aparecimento do acusado no hotel, na madrugada de 5 de Março, sendo o ajudante do Colombo, José Esteves, quem o conduziu ao quarto n.º 10. Na manhã desse dia dirigira-se ao Colombo e pedira-lhe a informação de confeitaria em que se vendessem amêndoas finas. Indicadas as principais, saíra, voltando com um pequeno volume que entregou ao Colombo, com a recomendação de o despachar para o Pôrto, a 8, para a sua noiva, que fazia anos a 9. Tornara a sair, disse, com destino a Mafra. Reaparecera na madrugada do dia 8. o Colombo não estava. Saíra do hotel, mais cedo do que de costume, um pouco adoentado, mas voltava de manhã. O acusado recolhera ao quarto. De manhã, pedira a restituição da encomenda e retirara-se. O Juiz, nesta altura, preguntou ao acusado o que tinha a dizer a isto, respondendo o dr. Urbino «que êsses factos se não passaram com êle».
Colombo, no lance em que o acusado protestou contra o reconhecimento, disse que «depois de o ouvir falar (Urbino é portador dum defeito característico de pronúncia), já não tinha dúvida nenhuma, quanto ao que afirmou».
E, chamado à sala o ajudante do criado, da mesma forma reconheceu no arguido o hóspede dos quartos n.º 10 e n.º 29.
- Delegado: - V. Exc.ª é um Jornalista. É um homem considerado. O seu testemunho tem pêso, porque assistiu a êsse acto. Diga-me, por isso, com tôda a franqueza, se pelo seu espírito passou alguma dúvida sôbre a sinceridade daqueles depoimentos?
- Testemunha: - No espírito de quem estava na sala ficou a convicção de que êsses homens falavam a verdade.
- Advogado: - (depois de outras preguntas sem interêsse para a causa) – Quando o acusado foi reconhecido, mostrou-se aflito, ou como se mostrou?
- Testemunha: - Fixava muito os criados. E creio até que parecia não estar em boa situação.
- Advogado: - E quando disse que era falso êsse facto?
- Testemunha: - Disse-o com firmeza.
Testemunha António Maria Lopes Teixeira. Do Pôrto. Jornalista.
Depõe especialmente àcêrca da acareação de Urbino, nos Arcos, com Brito e Cunha.
Narra a sua actuação, como informador de jornais, no processo de Urbino. A partida do Réu para os Arcos. A chegada aos Arcos, a testemunha na comitiva das autoridades, com muito povo aguardando o momento de ver o arguido. A entrada de Urbino em casa de Brito e Cunha, entre várias pessoas. Êste, ao ver Urbino, «estando recostado na cadeira (uma cadeira de palhinha), fêz um movimento, como querendo levantar-se, olhando para êle e depois tomou a antiga posição». O Comissário, Adriano Acácio, preguntara a Brito e Cunha se, entre as pessoas presentes, estava o indivíduo que tinha ido com êle no combóio do Pôrto para Lisboa. Indicou Urbino como sendo essa pessoa. «Urbino ficou impassível diante dessa declaração, e nada disse». Só passados alguns segundos, preguntou: - Então o sr. reconhece-me decorrido tanto tempo? Brito e Cunha confirmou o reconhecimento. «E tem filhos?- insistiu o arguido, ao que o interpelado respondeu: «É precisamente porqueos tenho, que digo isto com a consciência de que digo a verdade».
- Delegado: - O que se passou com a mulher de Brito e Cunha?
- Testemunha: - Não assisti a essa parte do reconhecimento, por ter de ir ao telégrafo informar O Século, de Lisboa e O Primeiro de Janeiro do Pôrto. Mas disseram-me que ela tinha ratificado a declaração do marido.
- Advogado: - Na ocasião em que se fêz a acareação nos Arcos, viu se os funcionários que foram daqui, levaram algum processo, ou parte de processo, ou documentos?
-Testemunha: - O que vi, nos Arcos, foi um envólucro de papel pardo em que havia algumas letras escritas e um cartão. Entrevi isso, que o sr. Comissário levava...
- Advogado: - Assistiu a todo o depoimento de Brito e Cunha?
-Testemunha: - Sim, senhor.
- Advogado: - Na viu se lhe apresentaram umas cartonagens, um envólucro e aviso de encomenda postal?
- Testemunha: - Lembro-me do papel pardo. Do aviso, não.
- Advogado: - E Brito e Cunha reconheceu êsse papel?
- Testemunha: - Reconheceu-o como sendo o da encomenda despachada.
Testemunha Emília Rosa da Cunha, criada dos sogros do Réu ao tempo do envenenamento.
- Delegado: - Diga o que sabe a tal respeito.
A testemunha relata a distribuição dos doces, pelos meninos, no dia 31 de Março. Êles ainda brincaram. Depois, apareceram no quarto da senhora e começaram a queixar-se, sem que se soubesse o que era. A menina Maria Augusta apareceu a queixar-se de que tinha vontade de lançar fora. Deu-lhe água morna e azeite. De facto, a menina «lançou muito fora», ficando mais aliviada. A sr.ª Dona Ana foi fazer chá. E soube então que tinham mandado chamar o dr. Urbino de Freitas. Disseram-lhe que os outros meninos tomaram sal de frutas e café, e que também ficaram aliviados. Ela estava na cozinha, mas constou-lhe que os meninos, nessa noite, dormiram bem, e sabe que, no dia seguinte, estavam melhor.
- Delegado: - Vossemecê viu os meninos? Andavam bem? Ou queixavam-se?
- Testemunha: - Andavam até a brincar e deram as suas lições. Nesse dia, à noite, foi o dr. Urbino à cozinha e pediu-me um copo, uma xícara, água, e uma chocolateira e mediu a água para a chocolateira. Depois foi à retrete e eu fui à sala de jantar. E quando voltei para a cozinha o sr. dr. Urbino já lá estava e disse-me que pusesse água ao lume para a amornecer. A sr. Dona Ana quis levá-la para baixo. O sr. dr. Urbino não deixou. Não sei o que se passou depois. Só sei que a água foi para um chá de cidreira.
- Delegado: - No outro dia, deram-se mais clisteres com essa infusão?
- Testemunha: - Sim, senhor. mas não foi o sr. dr. Urbino à cozinha. Foi a sr.ª Dona Ana pedir água para isso. Era cedo. Os clisteres deram-se no dia 1 e 2.
- Delegado: - Quem preparou os primeiros?
-Testemunha: - O sr. dr. Urbino.
- Delegado: - Os caixeiros da loja, a sr.ª Dona Ana, o sr. Sampaio comiam todos em casa?
Responde afirmativamente. E que, à excepção da sopa, a comida era igual para tôdas as pessoas da família.
- Advogado. – A senhora disse que, na noite de 31 de Março, o dr. Urbino lhe pediu a água para os clisteres e que a esteve a medir. Mediu-a antes ou depois de a deitar na chocolateira?
- Testemunha: - Antes.
- Advogado: - Depois foi a retrete. E levou a água?
-Testemunha: - Não, senhor. a água ficou em cima da mesa.
A defesa pregunta se Dona Ana estava presente – respondendo a testemunha que chegara nessa ocasião, que quisera levar a água ao quarto, ao que o dr. Urbino obstou, dizendo que a levava a Luísa.
- Advogado: - Mas Dona Ana, no seu depoimento, disse que só pela Luísa soube da história da água.
A testemunha insiste em que a senhora estava presente – e que, se disse o contrário, é que não se recordava bem dos factos.
- Advogado: - Não se recordava e foi inquirida pouco depois do sucedido...
Pregunta-lhe se, no dia seguinte, os meninos deram lição, se estvam bons. E salienta, à resposta afirmativa, que, o único mestre que veio a Juízo, declarou não ter dado lição aos meninos por estarem doentes.
- Testemunha: - Não sei disso.
- Advogado: - Então temos duas divergências grandes: - a 1.ª. quanto a Dona Ana estar ou não presente ao aquecimento da água; a 2.ª, quanto aos meninos terem dado as suas lições. E sabe se os clisteres foram aplicados antes da chegada do tio a casa dos avôs?
- Não sei.
- Juiz: - A testemunha ouviu dizer que tivessem aplicado clisteres além dos do acusado?
- Testemunha: - Não posso dizer, porque não sei.
- Juiz: - Mas viu ou não preparar outros clisteres?
- Testemunha: - Não vi.
- Juiz: - E quando o acusado foi à cozinha, ia sossegado, ou agitado, fora do costume?
A testemunha diz que estava agitado, o que consta do seu depoimento em corpo de delito, não se lembrando já do momento em que foi medida a água.
A defesa pede ao Juiz a aclaração da assistência de Dona Ana, ou não assistência, no momento da condução da água ao quarto, o que não chega a esclarecer-se positivamente. E pede também ao Juiz que pregunte à testemunha se a sentina de ao pé da cozinha não era a única, nesse momento, em estado de ser utilizada por qualquer pessoa.
- Juiz: - As outras sentinas não se encontram em estado de delas se servirem?
- Testemunha: - Estavam, sim senhor. Ainda melhor que a da cozinha
Episódios anteriores:1. A rua das Flores e a casa do negociante Sampaio. Os netos de Sampaio. 2. A família do negociante envenenada pelos doces da caixa. 3. Intervenção de urbino de freitas, genro e tio dos envenenados. Os clisteres de cidreira. 4. Morte de Mário, um dos netos de Sampaio. Ressurge o caso recente da morte de Sampaio Júnior, filho do mercador. 5. Interrogatórios de Urbino. 6. Declarações de Adolfo Coelho. 7. Prisão de Urbino, professor da Escola Médico-Cirúrgica 8. As investigações prosseguem. 9. A imprensa e o Ministério Público. 10. Os especialistas e a polémica. 11. A estratégia da defesa. 12. A conferência de peritos e os recursos apresentados por Alexandre Braga. 13. Uma testemunha inesperada. 14. A Urbino tudo corre mal. 15. O julgamento, os incidentes e as testemunhas de acusação

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