Resposta ao senhor Nuno Monteiro (teria grande prazer em conhecer a sua profissão, na qual, pelo zelo profissional que evidencia relativamente à profissão dos outros, nomeadamente os professores, aposto que será um funcionário exemplar): Quadratura do Círculo, dia 6 de Junho de 2005. Senhor Monteiro: Lamentavelmente só hoje li a sua profundíssima análise à classe dos preguiçosos, perdão, professores, que (bem feita!) terão que cumprir a sua componente não lectiva nas escolas. Sou educadora de infância há 25 anos, e faço parte (na minha modestíssima opinião, embora não me custe obviamente admitir que o senhor, com o seu elevadíssimo grau de exigência, possa discordar em absoluto daquela) dos tais "professores competentes" que o senhor, num rasgo de magnanimidade, admitiu existirem. Hélas, e aqui destruirei completamente, perante o senhor, a minha reputação, uma vez que considero ser possível acumular a competência com o fazer parte dum sindicato "esquerdista e corporativo". Uma vez que amanhã é (para mim, não sei se para o senhor) dia de trabalho, não me alongarei sobre sobre algumas considerações que eufemisticamente apelidarei de "não verdadeiras", que o senhor, sem dúvida por lapso, entendeu registar, nomeadamente: 1) "apenas os professores dão pareceres sobre educação" (de facto, é raríssimo ouvir-se nos media qualquer referência à Educação e às escolas); 2) "nas escolas não há condições de trabalho; não as criam" (os preguiçosos, perdão professores), porque "não interessa"; relativamente a este assunto, há-de lembrar-me de lhe enviar algumas fotos sobre muitas das escolas do 1º ciclo e Pré-Escolar da Província (presumo que o senhor seja um cosmopolita lisboeta) que são a minha realidade mais próxima; 3) a "componente lectiva fica suspensa durante determinados períodos"; muito bem, poderemos admitir que ao contrário de todas as outras crianças da Europa (diria quase do mundo) as crianças portuguesas fossem as únicas a permanecer na escola 365 dias por ano (incluo fins de semana, porque já agora, se eles pudessem também estar ocupados nesses dias...) para que os professores nunca pudessem interromper a sua actividade lectiva; 4) O "estatuto do pessoal docente é um absurdo"; não me darei ao trabalho de comentar, uma vez que o senhor, sem dúvida por lapso, negligenciou explicar porquê; 5) "os professores portugueses são na Europa os que mais ganham", infelizmente, caro senhor, ir recolher dados neste momento sobre este assunto iria tomar-me muito tempo; assim, posso apenas dizer-lhe que uma colega e grande amiga espanhola, Maria de Jesús, tem menos tempo de serviço do que eu, é também educadora, e aufere quase o dobro do meu vencimento. Mas um dia voltaremos a este assunto, porque irei certamente documentar-me. (A não ser, evidentemente, que estivesse apenas e exclusivamente a referir-se a países de Leste...); 6) e finalmente: "há tanto tempo disponível no horário de trabalho dos docentes...": o excedente da componente lectiva dos docentes do Pré-Escolar e do 1º ciclo, que o senhor, apesar de tão bem informado, também eventualmente por lapso terá omitido, é exactamente de 10 horas, para perfazer as 35 semanais. Nestas duas carreiras não existe qualquer tipo de redução. E para um maior esclarecimento relativamente ao que se faz nestas "horitas" em que não estamos com os meninos, queira o senhor ter a paciência de ler até ao fim as actividades nas quais uma educadora de infância "perde" o seu tempo: ACTIVIDADE NÃO LECTIVA EM JARDIM DE INFÂNCIA a) A Realizar No Espaço Escolar 1. Reuniões E Contactos Atendimento semanal a encarregados de educação; Reunião semanal com educador dos apoios educativos para planificação e avaliação das actividades realizadas; Reunião semanal com acompanhantes dos almoços; Reunião semanal com pessoal da componente de apoio à família; Reunião com professores do 1º ano do 1º ciclo, para articulação e planificação de projectos em comum; Reunião com outros professores para realização de actividades comuns, constantes no Plano Anual de Actividades; Reunião com educadores de outro(s) jardins de infância, para programação/desenvolvimento de projectos em comum; Reunião diária com a auxiliar de acção educativa, para triangulação das observações realizadas no decurso das actividades lectivas, e para planeamento e preparação das actividades do dia seguinte; Contactos telefónicos com outros técnicos que acompanham a criança (serviço social, de saúde, terapias, …); Contactos telefónicos com instituições – Museus, Exploratório, Exposições, Biblioteca, Serviços da comunidade (Correio, Bombeiros, Polícia, Centro de Saúde…) para actividades a realizar que possam incluir este tipo de serviços; Contactos com pessoas do meio para preparação de visitas /saídas; Organização e compilação de material para realização do jornal escolar (colaboração de crianças, pais, auxiliar de acção educativa, outros jardins de infância, Agrupamento, organismos locais…); Reuniões com Associações de Pais e ou seus representantes; Reuniões de Supervisão Pedagógica dos alunos estagiários. 2. Organização Das Actividades Lectivas (A Sala De Actividades Como Manual Do Jardim De Infância) Preparação do material necessário para o dia seguinte, de acordo com as actividades de Pequeno Grupo e Grande Grupo planificadas, tendo em conta as áreas de conteúdo da Orientações Curriculares; Renovação e exposição de trabalhos realizados nos placares; Colocação de "desafios cognitivos" (propostas de actividades, tarefas, ou materiais diferentes), nas várias áreas de actividade da sala: Escrita, Construções, Matemática, Experiências/Ciências, Biblioteca, Desenho, Modelagem, Pintura, Construção a 3 dimensões, Jogos didácticos; Análise, construção e/ou refazer dos instrumentos de trabalho utilizados no dia a dia: Quadro das presenças / Diário / Plano de Actividades / Quadro dos nomes / Quadro das áreas / Regras do grupo / Quadro dos aniversários / Gráficos das Presenças, Faltas, do Tempo, Idades, Alturas e outros / Mapa de Tarefas / Propostas de Projectos / Placar sobre projectos a decorrer / Registo de experiências realizadas / Organização / Exposição de material recolhido em visitas e saídas, com registo dos comentários e observações das crianças; Análise do(s) projecto(s) de investigação em curso, realizado(s) por pequenos grupos de crianças, reflectindo sobre a sua continuidade de forma a abranger todas as áreas de conteúdo (procurar e colocar à disposição das crianças materiais ou pistas – livros, jornais, sites da Internet), para o aprofundamento da pesquisa, segundo o método científico (Orientações Curriculares); Complexificar os projectos de construção iniciados pelas crianças, incluindo novos materiais nas áreas de actividade onde estes decorrem; Dar continuidade a projectos de construção de grande porte, como por exemplo transformar a área do jogo simbólico em castelo, praia, hospital, floresta, oceano, estação de correios, etc, de acordo com os projectos de investigação em curso; Recolha e registo de adivinhas, lengalengas, histórias tradicionais, receitas, etc, a incluir, após passados a escrito e ilustrados, na área da leitura; Construção de material pedagógico - jogos didácticos, relacionados com matemática e escrita, propostas ilustradas de experiências científicas a desenvolver, reproduções de quadros de artistas plásticos para realização de puzzles e outros, fotos das actividades para sequências e utilização na área da escrita, construção de fantoches e teatro de sombras... 3. Documentação Das Aprendizagens Da Criança Recolha, organização e análise das amostras de trabalho das crianças, realizadas ao longo do dia, nas diferentes áreas de actividade; Organização e análise das observações efectuadas, através do registo descritivo das ocorrências significativas realizadas ao longo do dia; Preenchimento de folhas de registo relativamente à documentação já recolhida sobre as crianças, de modo a garantir que todas as crianças tenham informações para posterior avaliação das aprendizagens; Organização do portfolio individual da criança. 4. Gestão E Administração Preenchimento de diversos mapas; Arquivo de correspondência (recebida e expedida); Requisição de material; Levantamento de necessidades materiais e equipamentos; Levantamento de necessidades de manutenção e reparação de Espaços / Materiais e diligências no sentido da sua resolução. b) Trabalho Individual Programação e planificação das actividades lectivas; Redacção de actas; Elaboração de relatórios descritivos sobre as aprendizagens e /ou dificuldades da criança (para possível encaminhamento); Preparação das reuniões com os diferentes intervenientes; Pesquisa bibliográfica / internet; Aquisição de materiais / equipamentos. Então? Leu até ao fim? E parece-lhe ainda que para além das 25 horas semanais lectivas se faz pouco trabalho? Meu caro senhor: para um professor /educador "competente", 10 horas não lectivas são muito pouco; de tal modo que a maioria dos colegas com quem trabalho, excede, em muito, as 35 horas que o Ministério (principescamente) nos paga. E não vou maçá-lo com pormenores como o dinheiro que gasto em gasolina (no meu carro), telefone (pessoal) material didáctico (a verba do Ministério é francamente insuficiente), papel, material de computador, livros de actualização, formações... para os quais os professores não têm quaisquer ajudas de custo. Contudo, e se apesar de tudo isto achar que esta profissão é de facto "atractiva"... pode sempre tentar ser mais um dos "dezenas de milhar que se candidatam todos os anos"... Boa sorte, futuro colega. Etiquetas: Educação |