Urbiniana 7:
Aggravo interposto no processo Urbino de Freitas. Porto: Typographia Manuel Sousa Ferreira, 1893 --------------------------
17. A carta de Brito e Cunha Maria Violante Statmiller, preguntada pelo Delegado, confirma o depoimento do corpo de delito, já extractado nesta reconstituição sumária. Das instâncias da defesa nada se aduz que altere êste depoimento. Bento Augusto da Costa Guimarães, ourives da rua das Flores, o que denunciou a intervenção de Brito e Cunha na remessa das amêndoas, relata o que se passou com Brito e Cunha no combóio para Lisboa e diz que há uma carta na mão de alguém, que é a chave do segrêdo. - Delegado: - Porque foi que o sr. Guimarães só tão tarde, e por via anónima, me preveniu dêsse facto? - Testemunha: - Porque a pessoa que recebeu essa carta, foi depois disso ao Brasil e só no regresso eu soube qual o conteúdo de tal carta. - Delegado: - E quando soube? - Testemunha: - Poucos dias antes da chegada de Brito e Cunha. Além disso, eu sabia que o homem estava muito doente. Que podia morrer. E então, entendi do meu dever dar parte da sua chegada à autoridade. - Advogado: - Porque escreveu o senhor uma carta dessa importância não lhe pondo o seu nome? - Testemunha: - Não queria ser incomodado. - Advogado: - Já a denúncia é má, quanto mais ocultar o nome! O senhor fêz isso por sua alta recreação, ou alguém o aconselhou? A testemunha diz que ninguém o aconselhou a tal passo; e que, ao ver o caminho que as coisas levavam, se apresentara à Justiça. - Advogado: - E porque indicou, na sua carta, ao sr. Delegado o que devia fazer, para aproveitar o depoimento de Brito e Cunha, e o segrêdo que devia manter-se, e os passos que deviam dar-se? - Testemunha: - Para dar um itinerário. Apenas entendi que prestava um serviço de alto valor. E não fiz acusações falsas. Fiz acusações verdadeiras. A testemunha seguinte dá à matricula o nome de Manuel José Martins Tinoco – todo o auditório no anseio de ouvir o Ariadne que indirectamente forneceu à Justiça o fio que a libertou do inextrincável labirinto da insuficiência de prova. - Delegado: - Faça o favor de contar os factos ocorridos com V. Excª e seu cunhado, que respeitam a êste processo. Êle conta, êle resume a quota da sua intervenção no drama em giro. No dia 27 de Março fôra «ao bota-fora de seu cunhado», a Campanhã, que, no combóio das 7 e meia da tarde, seguia com a família para o Brasil. Na carruagem em que se instalaram os viajantes, ia um sujeito, ao fundo. Mais tarde, seu cunhado escrevera-lhe uma carta do Rio.e dissera-lhe que tinha lido nos jornais a tragédia das amêndoas envenenadas. E que o criminoso tinha sido êsse sujeito, o que, a 27 de Março, ia ao fundo da carruagem, e que lhe entregara, a ele, seu cunhado, aencomenda das amêndoas, para que as despachasse em Lisboa. Depois, ela, testemunha, fôra também ao Rio. E no Rio, em conversa com Brito e Cunha, êste contou-lhe pormenorizadamente o ocorrido desde Campanhã até à expedição da encomenda: - a conversa travada pelo desconhecido com os companheiros de carruagem; o pedido do despacho em nome dum seu amigo; a retirada de Eduardo Mota da carruagem após a entrega do volume; a expedição do volume na Capital, êle, seu cunhado, exortando a testemunha a nada dizer a tal respeito, para o furtar a incómodos. - Delegado: - Mas, quando Brito e Cunha chegou a Portugal, porque não avisou o Comissário de Polícia? Nessa altura estava de relações cortadas com o cunhado. Não queria que êle imaginasse que se vingava, fazendo a denúncia por estarem em más relações. Dissera isto mesmo ao Bento Guimarães. Afirmara-lhe que não se importava que fôsse êle a divulgar o facto. Daí, a denúncia do Guimarães ao sr. dr. Delegado. - Delegado: - E qual a data da carta que seu cunhado lhe escreveu do Rio? - Testemunha: - 15 de Maio de 1892. - Delegado: - Tem aí essa carta? - Testemunha: - Sim, senhor. E entrgo-a, para ser junta ao processo. - Delegado: - (recebendo a carta, sem sobrescrito). – E o sobrescrito? - Testemunha: - Esqueceu-me. Devo tê-lo em casa. - Delegado: - e o sr. Juiz autorizasse, a testemunha ia buscar a casa o sobrescrito. - Juiz: - Irá depois de concluir o seu depoimento. - Advogado. – (após exame á carta) – Se a testemunha concordasse, podia cortar-se o post-scriptum, que é o que interessa à causa e juntar-se só este. A testemunha concorda. O Escrivão corta o post-scriptum, que lê, à ordem do Juiz e que reza assim:
«P.S. – Lembram-se daquele sujeito que estava ao fundo do compartimento do vagão em que tomámos lugar na Campanhã? Tenho lido nos jornais daqui a descrição do que se tem passado com o médico Urbino de Freitas. Se o tal sujeito, de chapéu baixo carregado sôbre a testa e óculos ou lunetas de vidro escuro, era ou não esse médico, não o sei dizer, por não conhecer pessoalmente Urbino de Freitas; mas quási podia jurar que foi aquêle sinistro personagem o autor do crime. «Acompanhou-me até próximo de Coimbra, e, durante a viagem, deu-se mais um facto que me convence da sua culpabilidade. Lembram-se que foi justamente na noite de 27 de Março que nos retirámos para Lisboa, e que nessa noite, segundo dizem os jornais, Urbino aparecia em Coimbra? «Eu tenho provas esmagadoras para ~ele, se é êle o personagem que nos acompanhou; mas não se podem revelar, porque não estou em circunstâncias de me expor a fazer uma viagem para depor; além disso, não poderia restituir a vida à infeliz criancinha, vítima dêsse monstro. Deus se encarregará de o punir, como merece. É indispensável, pelo que deixo dito, que nada absolutamente transpire; é um caso muito sério, que poderia incomodar-nos a todos... «Repito-me seu amigo, reconhecido, «Em 15-5-92. a) Cunha.»
- Delegado: - Peço a V. Ex.ª, sr. Juiz, que autorize a testemunha a ir buscar o sobrescrito. - Testemunha: - Posso trazê-lo amanhã. - Advogado: - Contanto que venha, não faz mal que seja amanhã – (o sobrescrito desta carta foi entregue, de facto, no dia seguinte). - Juiz: - A defesa quere instar a testemunha? - Advogado: - Não senhor. Martinho António Borges Nogueira, sogro de Brito e Cunha. Assistiu à despedida do genro, filha e netos em Campanhã, a 27 de Março. Corrobora o depoimento anterior no que se refere ao «passageiro que ia ao canto da carruagem» em que embarcaram os seus. E reconhece a letra da carta junta aos autos.
Episódios anteriores:1. A rua das Flores e a casa do negociante Sampaio. Os netos de Sampaio. 2. A família do negociante envenenada pelos doces da caixa. 3. Intervenção de urbino de freitas, genro e tio dos envenenados. Os clisteres de cidreira. 4. Morte de Mário, um dos netos de Sampaio. Ressurge o caso recente da morte de Sampaio Júnior, filho do mercador. 5. Interrogatórios de Urbino. 6. Declarações de Adolfo Coelho. 7. Prisão de Urbino, professor da Escola Médico-Cirúrgica 8. As investigações prosseguem. 9. A imprensa e o Ministério Público. 10. Os especialistas e a polémica. 11. A estratégia da defesa. 12. A conferência de peritos e os recursos apresentados por Alexandre Braga. 13. Uma testemunha inesperada. 14. A Urbino tudo corre mal. 15. O julgamento, os incidentes e as testemunhas de acusação. 16. Mais testemunhas de acusação Etiquetas: Grandes dramas |
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