Grandes Dramas Judiciários: Urbino de Freitas (18)
Urbiniana 8: Minuta do Recurso de Revista no Processo Urbino de Freitas. Porto: Typ. de M. Luiz de Souza Ferreira, 1892 -------------------- 18. Testemunho de Cardoso Lopes Na audiência de 25 de Novembro começa por se ouvir o depoimento do Chefe da polícia Judiciária Francisco Cardoso Lopes. Na noite da morte de Mário, o sr. Comissário da Polícia ordenou-lhe a partida para Lisboa, a fim de averiguar se as amêndoas haviam sido remetidas por Carlos de Almeida e mulher. Reconhecera-se que estes não tinham culpabilidade no crime. Depois, procedera à investigação da casa em que haviam sido compradas, na rua da Betesga. A seguir, fôra a casa do dr. Adolfo Coelho, com o chefe Ferreira. Adolfo Coelho, conduzido ao Comissariado, entregou as cartas de Urbino e fêz as declarações, constantes no processo. - Delegado: - Sabe se a Polícia de Lisboa procedeu a algumas diligências, por suspeitas, para averiguar se Miss Lothie tinha responsabilidades na remessa das amêndoas? - Testemunha: - Procedeu. Mas não chegou a prendê-la. Reconheceu-se logo que estava inocente. A testemunha relata, prosseguindo no seu depoimento, o que se passou nos Arcos em casa de Dona Leocádia de Brito e Cunha, onde estava hospedado o seu irmão Brito e Cunha. - Advogado: - (depois de várias preguntas que nada esclareceram o fundo da questão) – O dono da confeitaria da rua da Betesga, que reconheceu pelo retrato o comprador da cartonagem, disse o dia em que a vendeu? - Testemunha: - Disse, mas não posso precisar datas... - Advogado: - Muitos ou poucos dias antes de o ouvirem? - Testemunha: - Também não sei. - Advogado: - Eu avivo-lhe a memória. Não disse que reconhecia a cartonagem como vendida, por ele próprio, em 28 de Março, ao sujeito que se parecia com o retrato que a Polícia lhe mostrou? - Testemunha: - Não ouvi falar no dia 28. sei que, no dia por ele indicado, podia ter sido comprada pelo dr. Urbino. E já nem me lembro dos dias em que o dr. Urbino esteve em Lisboa. - Advogado: - Ele foi a Lisboa duas vezes e não se encontrou o seu nome em nenhum hospedeiro. - Testemunha: - Vi os livros de registo de hóspedes, das hospedarias, e não encontrei realmente o seu nome. O dr. Temudo rangel salienta que, a princípio, se dizia que o dr. Urbino estivera em Lisboa no dia 28, dia do despacho da encomenda. Diz que o confeiteiro da rua da Betesga, em face do retrato de Urbino, apresentado pela Polícia, «declarou, positivamente», que reconhecia nele o «próprio indivíduo que no dia 28 lhe comprou a cartonagem»; que um sapateiro de Lisboa jurou na Polícia do Porto, na presença do dr. Urbino, que «o viu despachar a encomenda no dia 28»; que um empregado da papelaria da rua Augusta afirmou ter fornecido ao dr. Urbino, no dia 28, o lacre com que lacrou a caixa expedida. E pregunta à testemunha se foram lavrados na Polícia os autos desses depoimentos. - Testemunha: - Se se lavraram, devem estar juntos ao processo. - Advogado: - Não estão. E o senhor verificou ou não, nos livros dos hotéis, como já disse, e até em datas muito anteriores a êstes factos, que o nome do dr. Urbino não figurava em qualquer deles? - Testemunha: - Parece-me que vi todos os livros. Pelo menos vi todas as partes da Polícia, a tal respeito, com data anterior a um ano. A defesa interroga o chefe Lopes àcerca da diligência aos Arcos, para ouvir Brito e Cunha, respondendo a testemunha às preguntas formuladas, o que nada adianta ao já averiguado. A seguir, apresenta-lhe a cópia fotográfica dum bilhete e pregunta-lhe se a letra desse bilhete é ou não sua – afirmando que a testemunha encarregou um gatuno, falsificador consumado, de forjar um documento, como escrito pelo sogro dele, testemunha, já falecido, no fito de obter dos herdeiros, por este meio ilicito, livros pertencentes a um cunhado dele, chefe Lopes. E declara que vai contraditar o valor das declarações da testemunha, com o fundamento da falsificação desse documento. - Juiz: - Eu vou interrogar a testemunha. Depois dou a palavra a V. Ex. para apresentar a contradita. (À testemunha). – Eu não compreendi bem o seu depoimento no que se refere à estadia do Réu em Lisboa nos princípios e fins de Março. - Testemunha: - Não encontrei o nome dele em nenhuma das partes dos hotéis. - Juiz: - Na sua vida de polícia nunca encontrou casos em que os hóspedes não são registados nos livros das hospedarias, ou que dão ao registo nomes supostos? - Testemunha: - Isso encontra-se todos os dias. - Juiz: - Recorda-se do caixeiro da confeitaria que disse reconhecer em Urbino a pessoa que mandou as amêndoas em 28 de Março? - Testemunha: - Recordo-me do episódio, mas não da data. - Juiz: - Os jornais de cá e os de Lisboa publicaram diversos retratos do Réu. E isso podia produzir confusão em muitas pessoas, que, tendo visto o retrato, imaginaram que viram o Réu. Outro assunto: na ocasião da primeira diligência aos Arcos mostraram o retrato do Réu a Brito e Cunha? - Testemunha: - Não, senhor. - Juiz: - E quando da segunda diligência, foi alguém a casa do Brito e Cunha antes de lá chegarem o sr. Comissário e mais pessoas encorporadas na diligência? - Testemunha: - Não, senhor. Pelo menos, que eu saiba. - Juiz: - (ao Advogado) – Dou a palavra a V. Ex.ª para deduzir a contradita. O Advogado declina os termos da contradita da testemunha como «suspeita de má fé e maus costumes», por isso que, para haver uns livros que pertenciam a um seu cunhado, procurou um gatuno, perito em falsificações escritas, gatuno nesta data ausente no Brasil, incubindo-o de forjar um documento, imitando a letra do sogro, em que se afirmava que esses livros eram do genro. O chefe Lopes, ouvido àcerca da contradita, para prova da qual o contraditor não apresenta testemunhas, afirma que tudo isto é «falso, falsíssimo». Esses livros tinha-os ele emprestado ao sogro. De resto, encontram-se em seu poder, entregues espontaneamente pelos herdeiros. Nega que tenha escrito o bilhete exibido em reprodução fotográfica. Episódios anteriores:1. A rua das Flores e a casa do negociante Sampaio. Os netos de Sampaio. 2. A família do negociante envenenada pelos doces da caixa. 3. Intervenção de urbino de freitas, genro e tio dos envenenados. Os clisteres de cidreira. 4. Morte de Mário, um dos netos de Sampaio. Ressurge o caso recente da morte de Sampaio Júnior, filho do mercador. 5. Interrogatórios de Urbino. 6. Declarações de Adolfo Coelho. 7. Prisão de Urbino, professor da Escola Médico-Cirúrgica 8. As investigações prosseguem. 9. A imprensa e o Ministério Público. 10. Os especialistas e a polémica. 11. A estratégia da defesa. 12. A conferência de peritos e os recursos apresentados por Alexandre Braga. 13. Uma testemunha inesperada. 14. A Urbino tudo corre mal. 15. O julgamento, os incidentes e as testemunhas de acusação. 16. Mais testemunhas de acusação. 17. A carta de Crito e Cunha Etiquetas: Grandes dramas |
Publicado por David Afonso às 22:09
Comments on "Grandes Dramas Judiciários: Urbino de Freitas (18)"
Terminei o «Amendoas, doces venenos», não vou contar o fim , o livro descreve a Cidade do Porto com o pessimismo que nos é habitual, as personagens antigas revelam comportamentos muito actuais, transparecendo que evoluimos pouco de lá para cá...
faltam promenores da morte de Urbino , do destino de Maria das Dores, mas concluo da leitura, que Urbino é culpado.
Não se explica facilmente como pode ser culpado de um crime um Homem culto, instruido e carismatico, ou como é que esse homem inteligente pode cometer um crime tão estupido e mal preparado.
As provas em Tribunal são uma mesclada, mas parece-me que é culpado , falta o fim das v. publicações, para se poder saber se um determinado facto, que me parece decisor, é real ou é só para compor o dito livro.
Cristina, é claro que as personagens do romance revelam comportamentos actuais, porque quem manda é o olho do romancista que ainda é vivinho da silva ;)
Eu recomendo que não perca os restantes episódios, bem como alguma informação suplementar que vamos publicando sobre o caso. E se for caso disso, sempre pode ir consultando a bibliografia urbiniana que tenho vindo a publicitar. Mas isso é só para os urbinianistas terminais ;)
PS: Este fim-de-semana temos correspondência inédita! A não perder!
Não perco, assim que for possivel vou ler alguns poemas do ilustre Dr. Urbino, para ver se descubro alguma faceta negra...
Voces tiveram mesmo uma excelente ideia, não interessa muito se era ou não culpado, mas a meu ver deste caso podemos estabelecer paralelos para a actualidade e para os recentes julgamentos de pessoas ilustres - estabelecer comparações e até prever amargos no relato futuro das historias