Enganei-me
Mas face a esta declaração de Cavaco preferia não me ter enganado, uma vez que estamos num dos momentos mais sombrios da relação entre órgãos de soberania nesta democracia, desde a consolidação democrática que sucedeu ao PREC. Há neste momento um grave problema institucional entre a Presidência da República e o governo, que vai para além das habituais e até saudáveis diferenças politicas protagonizadas por diferentes cores em Belém e São Bento e que se situa ao nível pessoal, da falta de entendimento de duas pessoas igualmente legitimadas pelo voto popular, sem que exista a hombridade de colocar os interesses do país acima de pequenas questiúnculas palacianas.É o próprio regime e a separação de poderes tal como a entendemos que está a ser posta em causa por esta crise. É o regime, no equilíbrio que deve existir entre Presidência e o Governo que está em choque como nunca antes aconteceu, mesmo nos piores momentos Cavaco / Soares, alimentando a incerteza já muitas vezes pronunciada sobre as vantagens do semi-presidencialismo. O que se passa ultrapassa de facto os limites da decência, e se Cavaco pretendia ser o fiel da balança, papel reservado aos presidentes, para pôr fim a uma situação extemporânea divulgada pelos meios de comunicação social, acaba por alimentar e dar substância a uma historia que o próprio, e temos de reconhecer, o Primeiro-Ministro não tinham dado qualquer valor anteriormente. É errado pensar que estas declarações esclarecem o assunto das escutas. Não só lançam ainda mais confusão, como destroem a ideia da independência e equidistância do Presidente em relação aos partidos políticos, marca que minará de forma clara este mandato e o futuro da figura presidencial, independentemente do inquilino que ocupar Belém. Nem Sampaio quando dissolveu o Parlamento, demitindo na prática um governo apoiado por uma maioria parlamentar, se deixou arrastar para uma situação como esta. De qualquer forma eu fiquei com inúmeras dúvidas que fui escrevinhando ao longo da comunicação ao país, não necessariamente na ordem que surgirá aqui a seguir. Assim, mantenho as seguintes questões e quero crer que muita gente se revê nelas: Se era mentira a participação de assessores no programa do PSD, o que legitima a aparente normalidade dessas pessoas terem dúvidas sobre o que sabiam deputados socialistas, se na realidade nunca lá estiveram? Se era mentira, qual a razão de preocupação do Presidente? Como é que o Presidente não considera grave ou crime, que alguém levante suspeitas sobre outrem se isso afinal se revelar falso, o que o Presidente não confirma, nem move nenhuma acção para confirmar? Como é que o Presidente considera aparentemente normal os direitos cívicos dos seus colaboradores não eleitos em participar num programa de um partido politico (eu tb acho) mas não de elementos do partido do governo eleitos para o Parlamento em criticar essa opção? Se o Presidente não pretende afirmar com clareza que é de opinião que está a ser escutado, porque razão, só hoje pediu a intervenção de empresas especializadas e não o fez através de uma investigação da Procuradoria-geral da República? O Presidente considera que Procuradoria-geral da República também está condicionada? Porque razão o presidente pretende deixar no ar a ideia que existem vulnerabilidades no sistema informático da Presidência, quando sabe que a existência das ditas vulnerabilidades não comprovam a violação dos sistemas, que era o que pretendíamos saber? De acordo com a segunda interrogação do Presidente, se alguém poderia ter entrado no seu computador e ver o seu mail, o Presidente pretende esclarecer se essa caixa de correio conteria informação válida para este assunto? O Presidente faz leituras que qualquer cidadão pode fazer? Não é suposto o Presidente fazer leituras informadas sobre o que se passa no país? O Presidente tem alguma coisa para dizer sobre as confirmações alegadamente feitas por várias fontes de Belém a vários órgãos de comunicação social, sobre as suspeitas levantadas em Agosto? O Presidente faz leituras graves sobre duas pessoas do PS que dificilmente vinculam o Governo, mas tem factos que o suportem? O Presidente alimenta a ideia que um assessor do Primeiro-Ministro o possa ter espiado durante a sua visita à Madeira com base em que argumento? O assessor nega ter invocado o nome do Presidente em vão, mas o Presidente nega que o encontro tenha ocorrido? O Presidente tem dúvidas sobre a veracidade do email publicado no Público, mas se é falso porque razão isso o leva a questionar a segurança do seu correio electrónico? São algumas das inúmeras questões que muitos portugueses colocarão hoje à noite e provavelmente não terão resposta em breve. Lamentável é o Presidente falar ao país dois dias depois das eleições legislativas que resultaram num dos parlamentos mais fragmentados da historia da democracia, e não ter tido uma palavra, que apenas o Presidente poderia dizer, sobre a responsabilização dos partidos políticos na governabilidade do país. A Presidência, e provavelmente o Governo também, estão de cabeça perdida e nessa situação perdemos todos. Como é que podemos esperar que estes dois homens se reúnam para que Portugal tenha um novo governo? |