Regular o acesso às cidades
Não é preciso pensarmos muito para perceber que ainda que Portugal estivesse a crescer a 10% ao ano e pudesse estar entre as maiores economias europeias, os portugueses jamais aceitariam a colocação de portagens na entrada das cidades. Até agora não são muitos os exemplos de cidades onde foram instalados sistemas de portagens com relativo sucesso, muito embora a popularidade da medida não seja muita. Em Londres e em Estocolmo, estes sistemas retiraram carros do centro das cidades, com benefício para a quantidade das emissões de gases de efeito de estufa, assim como a mobilidade dentro da cidade e a qualidade de vida dos seus habitantes. Em Paris têm-se adoptado medidas menos permanentes e mais localizadas, mas acabam por prejudicar mais os utentes porque estão dependentes dos níveis diários de poluição e logo não são previsíveis. Ainda assim, Paris começa a pensar em tornar estas medidas mais permanentes utilizando as portagens para regular o acesso. Em Portugal apenas agora se começou a falar sobre o assunto e provável que ainda se leve muito tempo a discuti-lo, muito embora o mais certo é que acabe por não se fazer nada. Considero não ser ainda o momento de se introduzirem este tipo de sistemas em Lisboa. Isto por várias situações que podem ficar esclarecidas na eventualidade de um debate público sobre este assunto. Importa saber se existe uma estrutura viável de transportes que servem a cidade desde a periferia e se existe um sistema adequado de transporte dentro da cidade. Assim como a área onde se poderia aplicar esta medida. Por exemplo, em Londres a área em causa são apenas alguns km do centro histórico da cidade, mas no caso de Paris começa a discutir-se uma área bastante maior, dentro do anel rodoviário que circula a cidade, a périphérique. Lisboa ainda necessita de uma série de eixos viários fundamentais que atravessam o centro da cidade, impossibilitando a criação de alternativas, ainda por cima numa altura em que se continuam a construir infra-estruturas que permitem um acesso livre ao interior da cidade, como é o caso do túnel do marquês. Mas todas estas possibilidades devem ser tratadas dentro de um contexto próprio que permita perceber se é o momento de aplicar medidas restritivas, ou se pelo contrário existem outras formas de restringir o tráfego. Uma das formas vulgares de o fazer e igualmente pouco popular é o aumentos dos combustíveis de forma a restringir o seu consumo, reduzindo a utilização do automóvel particular e diminuindo ao mesmo tempo as emissões para a atmosfera. Como em Portugal esta medida não seria facilmente aplicada, eterniza-se de forma inexplicável o cliché da falta de qualidade dos transportes públicos. Na área metropolitana de Lisboa são inúmeros os exemplos de estradas, auto-estradas, itinerários complementares e principais, a rebentar de carros de manhã e ao final da tarde. Inauguram-se metro a metro novos milhares de kilometros em alternativas, mas ainda assim a uma taxa de crescimento inferior à de crescimento do automóvel particular, o que origina que a qualquer hora do dia ou da noite possam surgir filas monstruosas que prejudicam gravemente a mobilidade e a qualidade de vida dos utilizadores dessas vias. O transporte público nos últimos anos ultrapassou claramente a barreira da falta de qualidade que era tradicional. Os autocarros são modernos, têm ar condicionado, piso rebaixado e bio diesel. Os comboios são novos e razoavelmente confortáveis para um comboio suburbano e relativamente rápidos. O metro é bom e tem investido fortemente em aumentar a sua infra-estrutura e a qualidade dos seus serviços. Não conheço a realidade das travessias fluviais, mas calculo que com a entrada em funcionamento dos novos catamarãs, deve ter melhorado muito. Ainda assim e no caso concreto do comboio, existem períodos de grande fluxo, mas a partir de certas horas da manhã em que as vias rodoviárias ainda estão bem cheias, o comboio já segue meio vazio. Ao ponto de a CP ter reestruturado os horários concentrando a maioria dos comboios entre as sete e as nove horas e num correspondente horário no final da tarde. E então porque razão continua a não ser o transporte público uma alternativa ao transporte particular? Continua a faltar uma verdadeira autoridade metropolitana de transportes em condições de assegurar a incipiente articulação entre transportes públicos. Não existe informação completa sobre todos os transportes num único local. Cada uma das empresas divulga e gere os seus próprios horários sem dar cavaco a ninguém. Os seus funcionários não são instruídos para informar os utentes de diversos transportes, porque efectivamente não existe uma rede mas várias. Não são veiculadas quaisquer informações entre os transportes que permitissem aos utilizadores decidir se devem apanhar o metro ou o autocarro, ou onde devem sair quando existem dificuldades de circulação nalguma das redes. Não existe previsibilidade de horários, nem respeito por eles. As novas tecnologias, apesar do transporlis.sapo.pt (que inexplicavelmente ninguém divulga), não estão a ajudar porque não é fácil saber todas as localidades e paragens dos transportes, sem recurso a um mapa simples e adequado, para além de ser extraordinariamente lento e os resultados muitas vezes serem nulos. E fundamentalmente as pessoas andam perdidas entre linhas e cores e nomes e atrasos e greves e naturalmente não têm paciência, recorrendo à previsibilidade do automóvel particular. Ainda é cedo para pensar nas portagens urbanas porque ainda existe muito trabalho a fazer antes de a sua existência ser inevitável. Etiquetas: Lisboa |