Dolo Eventual

David Afonso
[Porto]
Pedro Santos Cardoso
[Aveiro/Viseu]
José Raposo
[Lisboa]
Graça Bandola Cardoso
[Aveiro]


Se a realização de uma tempestade for por nós representada como consequência possí­vel dos nossos textos,
conformar-nos-emos com aquela realização.


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Para uma leitura facilitada, consulte o blogue Grandes Dramas Judiciários

Visite o nosso blogue metafísico: Sísifo e o trabalho sem esperança

O Dolo Eventual convida todos os seus leitores ao envio de fotografias de rotundas de todos os pontos do país, com referência, se possível, à sua localização (freguesia, concelho, distrito), autoria da foto e quaisquer dados adicionais para rotundas@gmail.com


Para uma leitura facilitada, consulte o blogue As Mais Belas Rotundas de Portugal


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segunda-feira, julho 31, 2006

Dois pesos e duas medidas


Foram publicadas as listas dos devedores à administração fiscal. Seria interessante que o Estado, esse Leviathan de dois pesos e duas medidas, publicasse também uma lista das quantias que deve e não paga a advogados e advogados-estagiários. Passam-se meses - por vezes anos - sem que o Estado pague as defesas oficiosas respectivas. Mais: se devemos e estamos em mora, pagamos juros. Demore o Estado o tempo que demorar a pagar, não paga juros.

Vouyerismo fiscal

É assim que se faz num país de parcos recursos, onde ainda por cima quase toda a gente se comporta como se continuasse a viver numa aldeia e quer à viva força saber da vida dos outros.
Num país de parcos recursos o ministro das finanças assume o papel de Robin dos Bosques e revela (com recurso à tecnologia) as maldades, a corrupção e os vícios privados de cada um desses Príncipes João e Xerifes de Nothigham que abundam pelo país.
Convenhamos que para o comum dos mortais que não consegue (porque se conseguisse...) fugir aos impostos, é escandaloso que apenas 290 contribuintes particulares e colectivos, possuam a estrondosa divida de 130 milhões de Euros.
Sim, é quase tão escandaloso como a divida do Estado aos sub-sistemas de saúde, só para mencionar um dos aspectos em que o Estado é mau pagador.
Nesta lista não constam nomes sonantes dos grandes grupos financeiros e talvez por isso a comunicação social se prepare para perante a crucificação pública destes 290 contribuintes, os fazer ascender a mártires do sistema.
O que realmente me entristece é que o "meu" Estado se demitiu de fazer aquilo que lhe competia e passou a permitir que amanhã na paragem do autocarro e nas estações de comboio os portugueses continuem a alimentar o seu vouyerismo para com os demais e nunca para com o seu próprio umbigo.

Censura

Já é conhecida a decisão final relativa aos processos disciplinares da Ordem dos Advogados ao Bastonário da Ordem José Miguel Júdice. Veja aqui.

Publicidade

O leilão de publicidade directa no Kontratempos, para mim pioneiro em blogues portugueses - não sei se o será - parece ter resultado e já se pode ver, mesmo ao fundo da sidebar, o que penso ser um anúncio publicitário. A ideia é boa, simples e evita situações desagradáveis como esta. Virá daí um efeito dominó na blogosfera portuguesa?

Marcelo, o virtuoso ou falar é muito bonito

Marcelo Rebelo de Sousa veio ontem informar, no programa «Bom eu é que sou o dono da verdade e senhor da moral e não admito contraditório nem perguntas impertinentes dos senhores jornalistas porque bom o Professor aqui sou eu e os meus conselhos à vida política são divinos e sigam as minhas sugestões de leitura de livros que nunca li ou reprovam nos exames bom vejam como são bonitos os meus netinhos bom», que não receberia a pensão de três mil euros atribuída a Manuel Alegre pelo trabalho na RDP. O modelo nórdico que José Sócrates tenta importar rumo ao paraíso está ultrapassado. Senhor Primeiro-Ministro, atente nas palavras deste homem antes que seja tarde demais.

Grandes Dramas Judiciários: Urbino de Freitas (15)

Alexandre Braga (1829-1895) já deixou esta história, mas o ponto a que chegou o caso Urbino de Freitas deve-se, em grande parte, à estratégia seguida pela defesa. Este personagem é uma boa ilustração do Porto (e do país) do século XIX. Filho de Alexandre José da Silva Braga, que a partir da sua drogaria na Rua da Banharia chega a vereador. Juntamente com o seu irmão, o poeta Guilherme Braga, são exemplares de uma nova burguesia que vai conquistando o seu espaço da vida e cultura da cidade. Alexandre Braga é ainda o pai de Alexandre Braga, filho (1871-1921), figura incontornável do movimento republicano. Alexandre Braga, pai é lembrado, em primeiro lugar, pela sua brilhante carreira enquanto advogado (um dos mais afamados da época, diz-se) «incombatível nas suas eruditas orações jurídicas de brilhantíssima eloquência – quer convicente quer comovente, conforme o caso – raro deixavam de dominar a todos em absoluto» (LENCASTRE, Antão – A trilogia dos Bragas, in O TRIPEIRO, série V. Porto, Janeiro de 1948, pp197 e 198. / OBS: a ilustração com o retrato de Alexandre Braga foi retirada deste mesmo artigo). Para além da sua carreira pelos tribunais, também deixou rasto nas letras. Consultando a base de dados da Biblioteca Nacional fica-se a saber que para além da panfletária vária, também publicou poesia:

- O novo trovador: colecção de poesias contemporaneas [compil. Alexandre Braga]. Coimbra, Imprensa de E. Trovão, 1856
- Voz de Alma: Versos. Porto, Typographia J. L. de Sousa, 1849 (2ª edição: Cruz Coutinho, 1857)
- Minuta de nullidades na causa de Diogo Cassels. Porto, Typ. D. Antonio Moldes, 1869
- Discurso pronunciado no comício anti-jesuitico, realizado no Theatro de S. João a 17 de Abril de 1881. Porto, Tip. Occidental, 1881
- Discurso pronunciado no comicio anti-jesuitico realisado no Theatro de Recreios a 7 de Setembro de 1885. Porto, Typ. Occidental, 1885

Sobre a sua obra enquanto poeta: «Foi o primeiro poeta que teve a eschola romantica no Minho. Ha no seu livro cousas que revelam grande genio. O seu gosto não estava ainda formado... A sua musa é habitualmente sentimental e triste, sem comtudo deixar de ter a espaços arrojos d'enthusiasmo, e impetos d'amor da patria. A sua poesia é suave e apaixonada: os seus versos cadenciosos, e de uma perfeição metrica admiravel.» (Revista Peninsular, tomo II pag. 277.) Foi um dos redactores do jornal politico O Clamor Publico, publicado no Porto, e consta que egualmente ha collaborado em alguns outros." (créditos a Artur Navarro).

[Nota: os meus agradecimentos à Cristina Santos, ao Teodósio Dias do
Ruas do Porto e ao Artur Navarro do Alberto Pimentel. A vossa ajuda foi preciosa. Espero poder continuar a contar convosco]
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Atenção às imagens que ilustram o capítulo de hoje. Julgo que são inéditas, bem como outra documentação sobre o caso Urbino de Freitas que divulgaremos num futuro próximo. Aproveito para agradecer à imensa disponibilidade e boa vontade de M. Irene Fonseca que nos permite partilhar com os nossos leitores estes fragmentos da nossa história colectiva.
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15. O julgamento, os incidentes e as testemunhas de acusação

Constitui-se o Tribunal. Presidência – Juiz Ernesto Kopke da Fonseca e Gouveia. Acusação Pública – Delegado Miguel Maria Guimarães Pestana da Silva. Defesa – Advogado João Carlos Freire Temudo Rangel. Escrivão – Manuel Joaquim Cardoso da Silva.
O Réu senta-se no seu lugar. A audiência abre às onze menos um quarto do dia 20 de Nivembro – a sala do Pretório sem capacidade para a cheia grande que transborda por corredores e desvãos do torvo mosteiro crúzio de S. João Novo.
Chamada das testemunhas. Da acusação falta, entre outras, o Médico José Carlos Lopes. Da defesa, o negociante António Alves Calém Júnior.
A acusação prescinde das testemunhas faltosas. A defesa não prescindindo das suas, requere o adiamento da audiência, por dilação maior do que a das 24 horas concedida por Lei, a fim de dar tempo a que melhorem as testemunhas doentes. O Delegado opõe-se. O Juiz ordena que o Advogado requeira o adiamento. Temudo Rangel dita o requerimento ao Escrivão. O Juiz indefere o requerimento pela defesa – adiando o julgamento do feito para o próximo dia 22.
[Fotografia e autógrafo com dedicatória de Urbino de Freitas]

É a mesma, neste dia 22, a constituição do Tribunal. Após a chamada das testemunhas, a defesa requere o adiamento da causa, enquanto não fôr decidido o incidente de suspeição que deduzira contra o Juiz.
Novos requerimentos na acta. Novo indeferimento do requerimento pelo Advogado. Novo recurso do Advogado para a Relação.
Procede-se ao sorteio do Júri, que dá origem a novos incidentes e a novos requerimentos.
Apuram-se no sorteio os seguintes jurados: - Clemente José da Cunha, João Bernardo Coelho Pinto e José Ribeiro da Costa, pauta de Paredes; António A. Pinto de Almeida Chaves e Frederico F. Correia Vaz, pauta do Pôrto; Justino Leite Rendo, Francisco Martins, José G. da Silva Maia e António J. da Silva Flores, de Vila-do-Conde. Suplente, do Pôrto – Anselmo Evaristo de Morais Sarmento.
A inquirição das testemunhas, na audiência de 23, inicia-se pelo Tabelião de notas Tomás Megre Restier – (seguindo-se de perto nesta reconstituição sumaríssima das sessões de julgamento, o escrupuloso relato publicado pelo taquígrafo António La-Grange).
- Delegado: - V. Ex.ª sabe que o Réu é acusado do crime de envenenamento. Na sua qualidade de perito, procedeu ao exame da letra no envólucro da caixa de amêndoas, em confronto com a letra do autógrafo escrito pelo Réu na ocasião. Qual a sua opinião a êste respeito?
- Testemunha: - Havia semelhança entre uma e outra.
- Delegado: - Lembra-se de que se fizeram vários exames?
- Testemunha: - O resultado dêsses exames foi que havia semelhança nas letras.
- Delegado: - O segundo exame recaíu sôbre aquele autógrafo do Réu e as cartas escritas a Adolfo Coelho. Lembra-se da conclusão a que chegaram?
- Testemunha: - Que havia semelhança em algumas letras. E, por exemplo, na palavra Lisboa.
- Delegado: - Autógrafo e cartas parece-lhe que devem ser do mesmo punho?
- Testemunha: - Parece-me que sim.
O Delegado pede aos senhores jurados o confronto das letras, no 2.º volume do processo, volume que lhes é entregue para esse fim.
- Delegado: - (depois de longo incidente, com novos requerimentos na acta) – A testemunha tomou parte também no exame à letra do bilhete que Brito e Cunha apresentou como escrito pelo Réu e que dizia Eduardo Mota, Coimbra. Está lembrado da resposta dos peritos?
- Testemunha: - Que havia perfeita identidade de letras.
- Delegado: - A testemunha também examinou a caderneta em que o Réu marcava as faltas e notas dos seus alunos na Escola Médica?
- Testemunha: - Não me recordo.
O Delegado pede ao Júri que examine os dizeres da caderneta e os confronte com o bilhete de visita, a fim de verificarem a côr do lápis com que caderneta e bilhete foram escritos.
A instâncias do Advogado de defesa, a testemunha «nada altera, nem para mais, nem para menos», no depoimento produzido. E, novamente preguntada pelo Delegado, acrescenta que as conclusões daqueles exames foram unânimes.
Testemunha pericial Manuel Vieira da Silva e Sá. Nada assinala que modifique o depoimento da anterior – confirmado nos seus elementos essenciais.
Instada pela defesa diz que, na verdade, há letras reconhecidas por tabeliães, por semelhança, e que, no entanto, podem ser falsas, por imitação perfeita do falsificador. E que a mesma pessoa pode variar a letra, por não ter a mão firme ao traçá-la, ou disfarçá-la propositadamente.
A terceira testemunha, o perito António dos Reis Castro Portugal, ratifica os depoimentos dos colegas.
Episódios anteriores:1. A rua das Flores e a casa do negociante Sampaio. Os netos de Sampaio. 2. A família do negociante envenenada pelos doces da caixa. 3. Intervenção de urbino de freitas, genro e tio dos envenenados. Os clisteres de cidreira. 4. Morte de Mário, um dos netos de Sampaio. Ressurge o caso recente da morte de Sampaio Júnior, filho do mercador. 5. Interrogatórios de Urbino. 6. Declarações de Adolfo Coelho. 7. Prisão de Urbino, professor da Escola Médico-Cirúrgica 8. As investigações prosseguem. 9. A imprensa e o Ministério Público. 10. Os especialistas e a polémica. 11. A estratégia da defesa. 12. A conferência de peritos e os recursos apresentados por Alexandre Braga. 13. Uma testemunha inesperada. 14. A Urbino tudo corre mal

domingo, julho 30, 2006

Dos poemas-gillette

Tenho para mim que o informático pálido com óculos grossos, depois de deixar em paz os poemas-gillette de Pacheco Pereira - mas antes mesmo de voltar a dedicar o seu tempo e calo a gloriosas noites em sítios de pornografia - ainda vai fazer estragos no sítio do Gato Fedorento.
E tenho para mim ainda que tudo isto dava um excelente sketch fedorento: o Tiago Dores, de barba postiça, poderia fazer de José Pacheco Pereira, nu, cheirando magnificamente da boca, elogiando José Pacheco Pereira no Abrupto, pela pinta de judeu que tem; ao Zé Diogo Quintela estaria destinado o papel de informático pálido de óculos grossos, pela pinta de tarado e porque imagino o informático gordo o Diogo de óculos; o Miguel Góis daria vida ao personagem de leitor histérico do Abrupto, dos que gostam ainda um pouco mais, devido ao seu estilo de cidadão anónimo; o Ricardo Araújo Pereira estaria bem para o papel de Ricardo Araújo Pereira, já que o Ricardo é extraordinariamente semelhante ao Ricardo e porque, lá está, estão-lhe destinados os papéis dos personagens mais engraçados; por fim, o Zé Diogo Quintela interpretaria ainda o personagem Carlos Abreu Amorim, aproveitando os óculos do informático e contribuindo destarte para a contenção de despesas de produção.
Mas haverá por certo coisas mais urgentes do que fazer este sketch, como por exemplo visitar o sítio oficial da Ana Malhoa.

sábado, julho 29, 2006

Entretanto, em Miragaia II ou Porto "la habanita"


6ª-feira, 15:30. Afinal a missão dos operários era esta. Esconde-se a chaga, varre-se a porcaria para debaixo do tapete, disfarça-se a decadência. Enfim, longe da vista, longe do coração. Pelo menos não espetaram ali com um painel publicitário (até ver). Em definitivo, esta cidade não anda nada bem.

Brevemente - As mais belas rotundas de Portugal

Tem um telemóvel que tira fotografias? Tem uma rotunda perto de si?

Neville Chamberlain está vivo

O Tribunal Constitucional não extingue, como é da sua competência, grupos organizados racistas que fazem passeatas de saudação nazi em riste, gritando em coro «Rudolf Hess» e «Heil Hitler». Qual é, então, o sentido de relatórios da GNR e PSP denunciando propaganda de organizações legais de cariz fascista junto às escolas? Faça-se alguma coisa, mas como deve ser feita.

FITEI sem casa


Com esta trapalhada do Rivoli, o FITEI (Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica) ficou sem casa. Mário Moutinho no Jornal de Notícias: «Não fazemos ideia onde o poderemos fazer. Mas não será na cidade, porque não existem salas disponíveis».

Querem a minha opinião? Fazem muito bem sair do Porto. O Fantasporto também devia sair do Porto (só ainda não saiu para Gaia porque esta cidade não tem ainda um equipamento à altura). Sigam as pisadas do TEP (Teatro Experimental do Porto) e da Feira do Livro. O sr. Rui Rio só ficará feliz quando ficar com a cidade só para ele.

Entretanto, parece-me que esta seria uma excelente oportunidade de Aveiro ganhar um festival de teatro já montado e com pergaminhos. O Teatro Aveirense está mesmo a pedi-las. Estão à espera do quê? Quem não arrisca, não petisca!

sexta-feira, julho 28, 2006

Portugueses espalhados pelo mundo

Outrora, emigrava-se em busca de melhores condições económicas. Nos tempos hodiernos, emigra-se para fugir a tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. Mas Maria João Pires tem toda a razão em querer emigrar para o Brasil: antes assaltada do que torturada.

Recados sem sentido

Ribau Esteves, presidente da Câmara Municipal de Ílhavo, já manda recados ao Governo através de Secretários de Estado e tudo. O que aqui está em causa é a Marina da Barra e o autarca reclama de um suposto atraso relativamente a este projecto. Mas que atraso?! Há aqui alguma coisa que não bate certo. O projecto Marina da Barra não foi chumbado? Então que atraso poderá haver? Estranho...

100 imagens reconfortantes para fumadoras em tempos difíceis (54ª)

(Uma concessão ao público feminino por sugestão de aL)

Aveiro, 2006 dc

A Câmara Municipal de Aveiro, a título experimental e apenas neste verão, permitirá que os bares de algumas zonas da cidade encerrem às 3 da manhã de Domingo a 5ª e às 4 da manhã às 6ª, Sábados e Feriados. Devagar, muito devagar, Aveiro vai sacudindo a caspa provinciana.

O lado bom de Ribeiro e Castro

Gosto muito de ouvir o senhor Ribeiro e Castro, líder do PP, na televisão. Tal como a andorinha anuncia a primavera, o senhor Ribeiro e Castro anuncia o fim-de-semana. :)

Contributo para a teoria evolucionista


Depois do louva-a-deus, o louva-o-motorista.
[Pérola via Verbo Jurídico Blog]

Casos jurídicos para curiosos não-juristas [37º]


José tem um filho do seu primeiro casamento, João. Assim, José tem apenas dois herdeiros: João e sua segunda esposa, Bina, com quem se casou no regime de separação de bens. José, numa bela tarde de Verão, regressando mais cedo a casa do que o costume, encontrou Bina em pleno acto sexual com o seu melhor amigo, Judas. José rapidamente entrou em contacto com o seu advogado, mandatando-o para intentar acção de divórcio litigioso, o que fez. Uns tempos após a propositura da referida acção, José morre - ainda casado com Bina. João, inconformado com o facto de Bina poder vir a herdar, juntamente com ele, os bens de José, procura o seu advogado e pergunta-lhe se é possível dar-se continuidade à acção de divórcio litigioso e, em caso afirmativo e sendo o mesmo decretado, se tal impedirá que Bina seja chamada à herança de José. Quid iuris?
O advogado de José dir-lhe-á que:
1) Sim, é possível dar continuidade à acção de divórcio litigioso; mais: sendo decretado, evitará que Bina seja chamada à herança.
2) Não é possível - ambos estavam, afinal, ainda casados quando José morreu.
*Proposta de solução em futuro post.

Brevemente - As mais belas rotundas de Portugal

Vá lá, colabore. Por muito raras que sejam as rotundas neste país, sabemos que há sempre uma perto de si.

quinta-feira, julho 27, 2006

Porque o dinheiro deve estar ao serviço das pessoas

E depois desta douta palestra, por certo, ficaram todos mais sábios. Agora sim: pode-se dizer que os CTT estão imbuídos do espírito de grupo e ninguém os pára. Bem empregado dinheiro. Aliás, considero um excesso a duração de 45 minutos. Um quarto de hora teria sido suficiente dada a sapiência documentada no bigode do Sr. Scolari.
P.S. - Humildemente ofereço os meus préstimos aos CTT, disponibilizando-me desde já para realizar uma palestra subordinada a qualquer tema, por minha pessoa e/ou subcontratando com alguém especializado no tema, por metade dos honorários [i.é, 45 minutos por €9.500,00].

Élio Maia e a Arte Nova II


Antes de mais queria explicar a ilustração que acompanha este texto. O João Oliveira (blogger e assessor de imprensa da Câmara Municipal de Aveiro) prometeu-me nos comentários ao post Élio Maia e a Arte Nova me enviar algumas fotos da casa estilo Arte Nova demolida em Cacia. O João não faltou à sua palavra e enviou-me duas fotos que não vieram acrescentar muito por serem pouco esclarecedoras. Para além disso, não lhe foi possível autorizar-me a publicá-las porque – justificou – não era ele o autor das ditas. Assim, decidi publicar esta moldura e convidar os meus amigos aveirenses a preenchê-la. Fica então aqui o desfio: Quero uma fotografia da casa de Cacia!

Demorei um pouco mais a escrever este segundo post sobre este assunto porque aguardei que alguma novidade ou esclarecimento suplementar viesse a público. Como tal não aconteceu escrevi a partir do que tinha. Vamos a factos:

1. Os proprietários demoliram uma casa com elementos estilo Arte Nova situada na freguesia de Cacia, alegando que esta representava um perigo para a população.

2. Apesar de alguns especialistas filiarem o edifício na corrente Arte Nova, este não foi alvo de qualquer classificação quer pelo IPPAR, quer pela Câmara.

3. A Câmara Municipal de Aveiro não foi notificada da acção de demolição, quando, nos termos da lei, qualquer obra de demolição carece de parecer prévio dos serviços da autarquia.

4. Perante o facto consumado, o presidente da autarquia, Élio Maia, defendeu a demolição da casa.

Este factos suscitam-me algumas reflexões. Umas de foro jurídico-legal, outras já no domínio político-moral.
Do ponto de vista legal é claro que Élio Maia e o co-proprietário Encarnação Dias (ex-presidente da Região de Turismo Rota da Luz) têm razão quando dizem que «aquilo não era património nenhum». Pelo menos, não era reconhecido como tal pelas autoridades competentes, as quais, diga-se em abono da verdade, nunca avaliaram o edifício em questão. Foi esta a questão que mais se discutiu na imprensa e, quanto a mim, erradamente, já que se acabou por distrair as atenções das ilegalidades aqui cometidas:

1) Se existia realmente um projecto de loteamento aprovado em que o edifício era preservado e se não entrou nenhum aditamento de alteração a esse projecto, então a demolição não respeita o documento aprovado em sede própria e esta é ilegal;

2) Se o que existia era apenas um estudo prévio que entretanto caducou, como alguém o disse, então a demolição também é ilegal porque um estudo prévio per si e ainda por cima caducado não a legitimaria;

3) Se a Câmara só tomou conhecimento do acontecido após o facto consumado, isso significa que não deu entrada o devido pedido de autorização para a demolição, tratando-se, portanto de uma obra clandestina;

4) Manda a lei que os proprietários zelem pelo seu património e que acautelem a sua degradação, para que este não se transforme num perigo público quando devoluto. Seria obrigação da Câmara notificar os proprietários para que estes limpassem e selassem o imóvel de modo a garantir a segurança da população. Ora, isso não foi feito. A incúria não foi sancionada como deveria ter sido.

Do ponto de vista político-moral a imagem que fica da Câmara é preocupante: não faz o seu trabalho, não sabe o que faz, não faz o que diz e pactua com ilegalidades:

1) Não faz o seu trabalho porque, pelos vistos, em Aveiro é possível demolir clandestinamente um edifício inteirinho sem que a fiscalização ou a Polícia Municipal detectem a infracção;

2) Não sabe o que faz porque o senhor vereador nem sabia que era preciso uma autorização prévia da autarquia para que o dono da obra procedesse à demolição, porque desconhecia a existência de um loteamento com o edifício integrado e porque nos fala de um pedido de viabilidade de costrução caducado como este se pudesse legitimar a acção do proprietário. Aliás, o estatuto desta obra não foi devidamente clarificado perante a opinião pública, coisa que a Câmara devia fazer o mais rápido possível, isto é, se o conseguir;

3) Não faz o que diz porque tendo a Câmara de Aveiro feito gala da sua adesão à Rede Arte Nova, não actua em conformidade com as disposições que ela própria outorgou: defender, estudar e rentabilizar o património Arte Nova (independentemente de este estar classificado ou não);

4) A Câmara pactua com ilegalidades porque não notificou o propritário para cuidar do que é seu e porque tentou legitimar a posteriori um acto ilegal. É isso mesmo que Élio Maia faz quando diz que «foi bem demolida atendendo ao perigo que representava». Era suposto a autarquia accionar os devidos mecanismos para apurar responsabilidades e fazer respeitar a lei. Era suposto o presidente censurar publicamente o “excesso de voluntarismo” do proprietário tão preocupado com o bem estar dos seus concidadãos. Mas não. O que Élio Maia fez foi passar a mão pelo pêlo do prevaricador, com a agravante de este gesto facilmente se confundir com uma atenção especial a um notável da terra. Eu por mim sei o que vejo: a Câmara a tentar justificar um acto ilegal de um construtor, em vez de clarificar o seu próprio papel no meio de toda esta história. Isto é muito grave. Aveiro tem destas coisas.

PS. A atitude dos proprietários faz-me lembrar aquela fábula das pérolas e dos porcos. Em outras mãos, aquele edifício poderia funcionar como elemento de valorização do próprio loteamento.

quarta-feira, julho 26, 2006

Proposta de lei...

de Revisão do Código de Processo Penal.

PMA

Publicada hoje no Diário da República a tão falada lei que regula a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida - PMA.

No meu país as marinas são obrigatórias

Ainda não é desta que a Região de Turismo da Rota da Luz tem um dirigente à altura. Considera Pedro Silva que as Marinas da Barra e do Aveiro Pólis são «obrigatórias». Assim, mesmo OBRITAGÓRIAS! Às vezes, mas cada vez com maior frequência, dá-se deste tipo de irrupção de mentalidade pré-democrática. Não há leis da república que valham a este senhor, nem mesmo as leis que asseguram o bem estar e segurança dos cidadãos. Quanto ao Aveiro Pólis não sei qual é o ponto da situação, mas no que diz respeito à Marina da Barra, esta, é tudo menos obrigatória, já que foi chumbada - e bem chumbada - pelo ministério do ambiente.
Ou o entusiasmo não é bom conselheiro ou o senhor não sabe do que está a falar senão não diria uma estupidez como esta: as marinas devem ser construídas «sem prejuízo de outros portos que possam existir ao longo da ria». Sem prejuízo de outros portos?! A Marina da Barra propunha uma oferta de 858 lugares para embarcações de recreio. 858! Se a isto acrescentarmos que o próprio estudo de viabilidade da Marina prevê apenas 50 escalas/ano, bem se vê o elefante branco que se queria ali construir e que o único interesse de verdade que há à volta de tal empreendimento reduz-se ao interesse imobiliário.
Todavia a solução poderia passar justamente por aí: pequenos portos espalhados pelos braços da ria e por vários concelhos, entrosados com a malha urbana preexistente e com a envolvente natural. A chatice é que esta solução não dá de comer aos tubarões do betão.

Brevemente - As mais belas rotundas de Portugal

100 imagens reconfortantes para fumadores em tempos difíceis (53ª)

[Por recomendação de Paulo Cunha Porto]

terça-feira, julho 25, 2006

Infeliz

Infeliz seria o corte de relações de Portugal com qualquer outro país apenas com base na sua cor partidária.

O exclusivo de há 4 dias atrás

A notícia da reforma de Manuel Alegre, avançada hoje como «exclusivo» do Correio da Manhã, já fora divulgada, há 4 dias atrás, pelo blogue Câmara Corporativa. Haja respeito pela informação disponibilizada pelos blogues. E um pouco de ética jornalística.

Excelentes relações

"A festa é dos madeirenses e a atracção não é o presidente do partido, mas o PSD-M", afirma Jaime Ramos. Marques Mendes vem dizer que existe "uma relação excelente entre o PSD nacional e o PSD/Madeira". Será que me escapou alguma coisa? Quer dizer: Fernando Nogueira, Marcelo Rebelo de Sousa e Durão Barroso foram sempre convidados para a festa anual dos sociais-democratas - relativamente a estes líderes, o presidente do partido é atracção. Marques Mendes não foi convidado por dois anos consecutivos - relativamente a este líder, o presidente do partido já não é atracção.
Pois, foi uma simples mudança de orientação dogmática do PSD/M.

Pero que las hay, hay!

No Público de 24 de Julho: «Carmona não acredita em empresas municipais 'fictícias'».

O país possível

Finalmente um ponto final na profunda injustiça de que Manuel Alegre tem sido vítima ao longo dos últimos anos. Após árduo e suado esforço diário trabalhando durante três longos meses consecutivos na vetusta Rádio Difusão Portuguesa, chegou a sua parca reforma, relativa a tão extenuante labor, no valor de €3.219,95. Uma vez que é deputado, por ora só irá receber 1/3 desse montante. Mas a verdade é que Manuel Alegre já há muito - desde os 35 anos - deveria auferir, por direito, esta magra reforma, que certamente será bem vinda, com atraso porém, no seu agregado familiar. Não bastou já a intervenção gritantemente injusta do Estado Social neste caso (três meses de RDP são ostensivamente desproporcionais a €3.219,95; Manuel Alegre deveria receber muito mais porque, num Estado Social, a justiça na redistribuição da riqueza deve ser um imperativo), teve ainda a reforma de chegar com décadas de atraso. É este o país em que vivemos...

Entretanto, em Miragaia...


2ª-feira, 24 de Julho, 10 da manhã: ao contrário do que possam pensar estes operários não estão nem a demolir, nem a recuperar estes dois prédios. A sua missão é bem mais curiosa. Acrescentam, pregando, mais umas tábuas aos escombros. Um remendo a ver se a coisa aguenta mais uns dias. Ao meio-dia, os operários já lá não estavam. Missão cumprida! Esta cidade passou-se de vez...

segunda-feira, julho 24, 2006

Rivoli (um comentário promovido a post)

«Como se pode privatizar uma actividade que não dá dinheiro, nem tem que dar. Não é uma privatização do Rivoli como o conhecemos, será outra coisa, pior. Mais do que privatizar o espaço, o que preocupa é uma programação que deixa de existir, substituída por uma “mais rentável”. Nos últimos tempos (Rio) já tinha sido reduzida a quase nada, esta tudo pensado! Lógico que o nosso presidente não sabe quem é Bill T. Jones por exemplo, mas não imponha os seus “gostos” a toda cidade. Lógico que grande parte dela quer Revistas e Morangos, mas por isso mesmo é que é importante um Rivoli forte. Passe uns tempos em Lisboa e veja a diferença.»

Carlos Dias

Vai-se lá saber...

Que recôndito ódio guardará este senhor a Paulo Portas?

Pelo Rivoli

Por princípio, as privatizações não me assustam. Sejam elas de canais de televisão, de serviços de limpeza urbana ou até mesmo de teatros. Serão legítimas se essa for a melhor solução (que nem sempre é).
No caso do Teatro Rivoli, no Porto, sou contra a sua privatização. E porquê?
Em primeiro lugar, porque a Culturporto, até ao advento de Rui Rio tinha vindo a fazer um trabalho excepcional, com uma programação diversificada e de qualidade, desempenhando com o sucesso o seu papel de pólo de animação e formação cultural;
Em segundo lugar, porque já temos uma mau exemplo na cidade: o Batalha está sob gestão de privados e não passa de uma múmia com um bar e restaurante, mas sem programa (nem bom, nem mau: zero!);
Em terceiro lugar, porque o modo como foi conduzido este processo é, como diria o Rui Rio, «moralmente repugnante»: esvaziou-se e secou-se o Rivoli para tentar fazer crer à opinião pública de que se trata de um elefante branco, comprometendo dessa maneira a recuperação da baixa e a vida profissional dos mais directamente implicados;
Em quarto lugar, porque, tanto quanto me lembro, no programa eleitoral da coligação PSD/CDS não havia qualquer referência à privatização do Rivoli e, como não andamos aqui a brincar às democracias, seria politicamente mais honesto não avançar com uma medida desta envergadura sem a ter sujeitado ao escrutínio popular (Sim, talvez um referendo fosse aconselhável);
Em quinto lugar, este executivo já gastou todos os créditos a que tinha direito: pura e simplesmente perdi a confiança no Rui Rio e na sua equipa (não me admirava nada se o Rivoli fosse cair nas mãos do La Féria).
Por isso, sou solidário com todos aqueles que se vão manifestar hoje pelo e frente do Rivoli às 19:00. Por isso, vou assinar a petição contra a privatização do Rivoli: http://www.juntosnorivoli.com/. Por isso, exijo um referendo sobre esta questão.

Casos jurídicos para curiosos não-juristas [36º]


O Rei da Suazilândia, Mswati III (na foto), de visita oficial a Lisboa, tem marcado um desfile por uma das suas avenidas, sendo acompanhado por 50 nativas virgens e em tronco nu, das quais uma será eleita sua 14ª mulher. Nos dias que antecederam o desfile, praticamente todas as varandas da avenida tinham afixada uma placa com os dizeres «arrenda-se» - os proprietários dos prédios bem sabiam que uma varanda nestas alturas pode fazer render muito dinheiro. H, férreo monárquico, 3 dias antes do desfile, arrendou uma varanda a Y - a última por arrendar da avenida -, pelo período de tempo de 4 horas, por um preço exorbitante (€2.700,00). Sucede que, na véspera do desfile, o Rei Mswati III teve um problema cardíaco, cancelando de imediato o mesmo e voltando para o Reino da Suazilândia, onde devará ficar em repouso vários meses. Poderá H resolver (leia-se desfazer) o negócio?
1) Sim;
2) Não.
*Proposta de solução em futuro post.

Brevemente - As mais belas rotundas de Portugal

Grandes Dramas Judiciários: Urbino de Freitas (14)

Já não é a primeira vez que me acontecem coincidências destas. Cheguei ao caso Urbino de Freitas através do Sr. Faria, proprietário do armazém de pronto-a-vestir que ocupa na actualidade a casa onde esta tragédia aconteceu. Foi ele que fez chegar às mãos da minha mulher um exemplar de um dos fascículos da colecção «Grandes Dramas Judiciários» publicada nos anos 40 pelo «O Primeiro de Janeiro» e da autoria de Sousa Costa.
Quando ouvi o nome «Urbino de Freitas» fiquei com as orelhas no ar: aquilo tinha qualquer coisa de familiar. Pois tinha. Um dos meus gozos é a bibliofilia, pelo que é costume meu deambular pelos alfarrabistas. Um dia, bem antes de tropeçarmos no sr. Faria, encontrei (e comprei) na Livraria Varadero uma coisa que procurava à muito: uma espécie de catálogo de um gabinete de leitura do Porto. Refiro-me à «Revista da Sociedade de Instrucção do Porto» publicada a partir de 1881 nesta cidade. Pois quem vamos nós encontrar entre os sócios fundadores deste grémio? Justamente! Dr. Vicente Urbino de Freitas! E não pensemos que se trata de uma pequena e provinciana associação. Os nomes ilustres, nacionais e estrangeiros, confirmam que Urbino de Freitas seria uma figura proeminente na sociedade portuense. Apenas alguns exemplos: Willian e Alfred Tait, Augusto Luso da Silva, Dr. Eduardo Augusto Allen, Joaquim de Vasconcellos, Visconde de Villar d’Allen, José Joaquim Rodrigues de Freitas, George Delaforce, Visconde da Silva Monteiro, Alberto Kendall, Conselheiro Arnaldo Braga, José Teixeira da Silva Braga Junior, Dr. Alexandre Braga, E. Chardron, Fernando Kopke, Antonio Bernardo Brito e Cunha, Conde de Samodães e muitos outros. Na revista propriamente dita, outros nomes de relevância também aí escrevem, como é o caso de Carolina Michaelis e Teófilo Braga. Urbino de Freitas colaborou no exemplar da Urbiniana em baixo assinalado.

PS: Os meus agradecimentos a todos aqueles que me ajudaram a perceber melhor quem foi o Dr. Alexandre Braga. No próximo capítulo vou fazer uso das informações que me fizeram chegar às mãos. Obrigado.

FREITAS, Vicente Urbino de – A Escola Médico Cirurgica do Porto (1879-1880). Revista da da Sociedade de Instrucção do Porto. Porto. Nº 3 de 1 de Março de 1881, pp 92 a 98

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14. A Urbino tudo corre mal

- E o bilhete de visita escrito por Eduardo Mota? Não o conservará ainda em seu poder? – inquire Pestana da Silva, no alvorôço do mandante que, em busca das minas de Salomão, se tivesse trasviado no caminho, e que, de repente, em brusco e imprevisto desvio, se lhe deparasse a rota certa.
Brito e Cunha procura o bilhete na carteira. Encontra-o entre outros papéis. Entrega-o ao Delegado do Ministério Público – que o rubrica, rubricando-o também as entidades presentes.
Pestana da Silva regressa ao Pôrto, exultante. Considera-se na posse da chave mestra da tragédia.
Volta aos Arcos na madrugada de 29, desta vez com o Comissário, Cardoso Lopes e Urbino de Freitas, êste ao cuidado de dois guardas à paisana – na comitiva o Jornalista Lopes Teixeira, que lograra violar o segrêdo da Justiça e que assim ia testemunhar a diligência.
Nos Arcos, vão direitos à Administração do Concelho. Da Administração do Concelho dirigem-se a casa de Brito e Cunha, o arguido levado no meio de pessoas desconhecidas.
- Conhece, entre os indivíduos presentes, o que foi seu companheiro de combóio em 27 de Março? –pregunta-lhe o Comissário.
- Conheço. É aquêle – e aponta Urbino.parecera-lhe calvo na carruagem. Ao vê-lo agora, sem chapéu, verifica que o engano proviera do facto da testa alta, com fundas entradas.
- Então o senhor... reconhece-me, decorrido tanto tempo?! – interpela o incriminado.
- Reconheço. É o senhor mesmo.
- Tem filhos? – replica, altivo, intimorato.
- Precisamente porque os tenho... é que afirmo isto, com a consciência de quem cumpre um dever. Foi o senhor que me entregou a encomenda. Foi o senhor que pediu o seu despacho para o Pôrto e que escreveu o nome Eduardo Mota no meu próprio bilhete de visita.
A mulher de Brito e Cunha, chamada a preguntas, reconhece em Urbino de Freitas, igualmente, o Eduardo Mota da viagem para Lisboa – Urbino de Freitas protestando sempre, com energia e decisão, contra as declarações dos Britos e Cunhas.
Na mesma emergência, tornado público o reconhecimento dos Arcos, o Delegado recebe a caderneta da Escola Médica, enviada por mão anónima, em que Urbino, a lápis azul, apontava faltas e notas dos seus alunos – as últimas notas apontadas a 14 de Abril, véspera do dia em que foi prêso. Após isto, em busca feita a diversas farmácias, encontraram-se receitas do Clínico, escritas a lápis azul.
O empregado dos correios de Lisboa, que fêz o despacho da encomenda, Acácio Morais Costa, vai aos Arcos, a ver se reconhece Brito e Cunha. Antes da entrada solene no quarto do doente, diz ao Administrador do Concelho que, nunca esquecera, pela impressão que lhe fêz a sua quota-parte no envenenamento, que o expedidor da encomenda lhe deu, para se pagar do porte, uma moeda de 500 réis. Entra no quarto. Brito e Cunha está com outras pessoas. Aponta-o, embora sem a certeza de que seja o mesmo. Brito e Cunha é que o reconhece. Reconstitui, na sua presença, a sala do Correio em que fêz a expedição. Lembra-lhe que, para pagamento do porte, lhe deu uma moeda de 500 réis – particularidades de retentiva que seriam inverosímeis, inacreditáveis mesmo, desvinculadas de acontecimento durante anos e a cada passo rememorado.
No Comissariado, os peritos Megre Restier, Manuel Vieira da Silva e Sá e António dos Reis Castro e Portugal procedem ao exame do bilhete de visita, posta em confronto a sua letra com a das cartas de Urbino a Adolfo Coelho. E declararam achar perfeita identidade entre uma e outra letras.
A campanha dos convictos da culpabilidade de Urbino recrudesce, animada ao sôpro ponteiro dos últimos acontecimentos. Os jornais desta facção, a maioria dos jornais do País, afirmam aos quatro ventos que tôdas as dúvidas se dissiparam na consciência dos homens de boa-fé – embora os paladinos de Urbino, continuem a lançar mil calúnias e insinuações tendenciosas sôbre os Magistrados da Polícia e dos Tribunais ligados à instrução e organização do processo e seus muitos incidentes; a despejarem mil e uma afrontosas aobjurgatórias sôbre os peritos do Tribunal, Agostinho Souto, Ferreira da Silva e demais, reduzidos a infímos bonifrates servis, manobrados ao sabor dos cordelinhos da acusação; a transfigurarem a avó de Mário, ela que é igualmente avó dos filhos do incriminado, em ferina megera, apunhalando no coração, por velhos despeitos familiares, os filhos da própria filha; embora os parciais do arguido proclamem que Brito e Cunha não passa de reles farsante, alugado pelos empresários da farsa tenebrosa, no momento em que a viam na iminência de banquear no abismo da torpeza que a engendrou, a vítima da torpe cabala, prestes a libertar-se das suas garras e a ressurgir imaculada de culpas.
E as contradições de Urbino no caso da ida a Lisboa em 27 de Março? – interpelam os contrários. Declarou que perdeu o combóio em Coibra, tendo-se provado a falsidade de tal declaração.
Declarou às pessoas com quem esteve em Coimbra que saira do Pôrto em visita a uma doente da Pampilhosa, tendo afirmado, nos autos do processo, que viajava nesse combóio com destino a Lisboa – o que prova também pelo bilhete comprado em Campanhã. Ao passo que, argumentam os dêste partido, as declarações de Brito e Cunha acertam em absoluto com as próprias declarações do incriminado.
Já se sabe o nome e a qualidade da pessoa que fêz a denúncia anónima da interferência de Brito e Cunha na tragédia e da sua chegada a Portugal. Chama-se Bento Agostinho da Costa Guimarães. É ourives na rua das Flores. Brito e Cunha teve notícia do envenenamento, no Brasil, pelos jornais. Pelos pormenores da remessa das amêndoas, certificou-se de que fôra cúmplice involuntário de Urbino de Freitas. Do Rio escrevera uma carta a Manuel Tinoco, seu cunhado, comunicando a participação involuntária no crime. Proibira-o, porém, de falar no assunto, a fim de lhe evitar a obrigação e os incómodos da vinda a Portugal para esclarecer a Justiça. E Costa Guimarães, ciente, pelo Tinoco, da chegada do Cunha a Lisboa, decidira comunicá-la ao Ministério Público.
O Ministério Público adiciona estas novas testemunhas ao rol apontado no libelo acusatório.
Realizam-se mais exames a autógrafos. Surgem mais incidentes dilatórios – o julgamento designado para 20 de Novembro. O Ministério Público requerera que o Réu fôsse julgado por Júri misto, sorteado pelas pautas do Pôrto, Paredes e Vila-do-Conde. E a defesa, embora se não oponha ao Júri misto, pretende que, à pauta da Comarca de Paredes, se prefira a da Feira, mais próxima.
Está à morte, a 13 de Novembro, uma filha de Urbino, de quinze anos. A mãe da moribunda, que não fraqueja na heróica assistência ao encarcerado, acompanhada pelos outros quatro filhos e pelos advogados do pleito, apresenta-se no Tribunal e suplica ao Juiz a ida do marido a casa, a fim de se despedir da filha. O Juiz indefere – rígido no apêgo à Portaria do Ministério da Justiça, de 21 de Janeiro de 1843, que não concede aos foreiros do Código Penal o piedoso e humano desfôgo.
A filha morre a 16 – a cidade agitada, ao falso alarme de que se encontra apenas em crise letárgica, provocada pelo pai, no fito de adiar o julgamento, os médicos Franchini e Gramaxo verificando que ela de facto morrera.
No mesmo dia 16 – não há fulminação que não caia, nos últimos tempos, sôbre a cabeça do arguido! – Alexandre Braga, ao coordenar com Temudo rangel a defesa do constituinte, dorido talvez por tão desastrosamente ter protelado o julgamento, sofre o insulto duma congestão pulmonar. Recolhe a casa, febril, numa «cadeirinha» - o constituinte privado do poder dominador, tantas vezes milagroso, da eloquência empolgante do insigne patrono.
[Episódios anteriores]
1. A rua das Flores e a casa do negociante Sampaio. Os netos de Sampaio. 2. A família do negociante envenenada pelos doces da caixa. 3. Intervenção de urbino de freitas, genro e tio dos envenenados. Os clisteres de cidreira. 4. Morte de Mário, um dos netos de Sampaio. Ressurge o caso recente da morte de Sampaio Júnior, filho do mercador. 5. Interrogatórios de Urbino. 6. Declarações de Adolfo Coelho. 7. Prisão de Urbino, professor da Escola Médico-Cirúrgica 8. As investigações prosseguem. 9. A imprensa e o Ministério Público. 10. Os especialistas e a polémica. 11. A estratégia da defesa. 12. A conferência de peritos e os recursos apresentados por Alexandre Braga. 13. Uma testemunha inesperada

domingo, julho 23, 2006

Sísifo e o trabalho sem esperança [25 de 100]


[Gravura de Max Klinger - 1914]

As cidades e os fundos estruturais

Ao cuidado das associações, agentes económicos, profissionais, SRU’s, autoridades locais e regionais e cidadãos.

Neste sábado que passou, para além do embaraçoso caso do site da C.M.Porto, o Público trazia ainda um pequeno artigo da autoria de Danuta Hubner (Comissária Europeia responsável pela Política Regional) intitulado «Uma política para as cidades e zonas urbanas» onde se define o enquadramento de aplicabilidade dos fundos estruturais 2007-2013. Dado o interesse (para o Porto e para qualquer outra cidade) do que aí é dito resolvi transcrever algumas passagens mais significativas:

1. O enquadramento geral: a cidade como protagonista
«...as questões relativas às cidades e às zonas urbanas devem ser tratadas na sua globalidade e diversidade, pois elas simbolizam o duplo desafio que se coloca à união europeia: aumentar a nossa competitividade e, simultaneamente a nossa competitividade e, simultaneamente, enfrentar o desafio social e ambiental».

2. A decadência das cidades: o Porto não está só
«...sabemos que uma em cada três cidades, entre as que foram estudadas na auditoria urbana, se vê confrontada com fenómenos de degradação, desertificação dos centros urbanos, habitações devolutas e subutilização de equipamentos e infra-estruturas».

3. Os objectivos: chamo a vossa atenção para o facto de a cultura aqui aparecer como factor nuclear na recuperação das cidades e da economia. O Porto, neste aspecto, está claramente a trabalhar em contraciclo. Deverei voltar este assunto mais tarde.

«reforçar a atractividade das cidades, em termos de transporte, serviços, qualidade ambiental e cultura»

«fomentar um desenvolvimento equilibrado entre as diferentes cidades; reforçar as relações entre as zonas urbanas, rurais e periurbanas»

«consolidar o papel das cidades como pólos de crescimento, promover o espírito empresarial, a inovação e a economia do conhecimento, bem como apoiar as PME»

«melhorar a empregabilidade e diminuir as disparidades entre os bairros e entre os grupos sociais»

«lutar contra a delinquência e o sentimento de insegurança»

«melhorar a governação das intervenções urbanas, graças a um planeamento eficaz e ao empenhamento de todas as entidades competentes interessadas»

«promover as redes de intercâmbio de experiências e a transferência de boas práticas»

«desenvolver mecanismos de engenharia financeira, a fim de maximizar o efeito catalisador dos fundos estruturais»


No mesmo artigo explica-se que «A auditoria urbana é uma recolha de dados feita pela Comissão Europeia que inclui informações sobre a qualidade de vida em cidades europeias de grande e média dimensão. Cobre actualmente 258 cidades em 27 países e abrangerá 300 cidades em 2006».
A este propósito somos remetidos para este site http://ec.europa.eu/regional_policy/urban2/audit_es.htm, a partir do qual é possível aceder a http://www.urbanaudit.org/ propriamente dito. Ora, na minha opinião trata-se de uma ferramenta essencial para que se interessa por estas questões. Oferece uma série de aplicações nos seguintes domínios: City profiles, How the cities rank?, How does your city compare?, What is the structure of the city? e Data that can be accessed.. Estas aplicações, bem como outras informações disponibilizadas, são elaboradas a partir de mais de 250 indicadores divididos pelas seguintes áreas: Demography, Social Aspects, Economic Aspects, Civic Involvement, Training and Education, Environment, Travel and Transport, Information Society e Culture and Recreation. Vale bem a pena uma consulta.

sábado, julho 22, 2006

Brevemente num post perto de si

Consciente de que em Portugal é escassa a existência de rotundas;
Consciente de que muitas das rotundas deste país são seguras e realmente necessárias;
Consciente do louvável esforço épico do autarca português na construção de rotundas e respectiva inauguração;
Consciente de que a construção de rotundas é factor de crescimento económico, gerador de emprego e dinamizador do sector da construção;
Consciente das verdadeiras obras de arte concebidas no interior destes espaços circulares;
Consciente de que o condutor português é exímio na circulação automóvel em rotundas, contrariamente ao que sucede nos obsoletos cruzamentos;
Consciente de que o dinheiro gasto em rotundas e sua manutenção é bagatelar;
Consciente de que o dinheiro gasto em rotundas e sua manutenção é dinheiro que prepara um futuro melhor
o Dolo Eventual, orgulhosamente, vem por este meio anunciar a sua nova rubrica
«As mais belas rotundas de Portugal»
onde o leitor poderá admirar e maravilhar-se com a utilidade, as cores, a criatividade, a perfeição geométrica, a diversidade, o espaço envolvente, o fascínio, a beleza, a raridade, a magia destas magníficas e ímpares construções circulares e assistir à atribuição final dos dolosos prémios «As mais belas rotundas de Portugal».
Para tanto, o Dolo Eventual convida todos os seus leitores ao envio de fotografias de rotundas de todos os pontos do país, com referência, se possível, à sua localização (freguesia, concelho, distrito), autoria da foto e quaisquer dados adicionais que por bem forem entendidos enviar para
rotundas@gmail.com.

Agarrar a estupidez pelos cornos

Proposta de solução dos casos jurídicos 31 a 35 para curiosos não-juristas

Caso número 31:
Tem o seu fundo de verdade, à luz da nossa lei, a velha frase: uma vez sogra, sogra para sempre. Ainda que Z se divorcie de Y, há-de ser sempre genro de B, mãe de Y. E ela sua sogra. Segundo o art.º 1585.º do Código Civil, a afinidade determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco e não cessa pela dissolução do casamento.
Proposta de solução: 1) Sim. Acertaram Karloos, Luís Bonifácio, Tiago Alves, João Luís Pinto.
Caso número 32
:
Uma vez que X e U eram casados no regime da comunhão geral de bens, uma vez que a sentença declarou X como único culpado do divórcio e que U trouxe para o casamento muitos mais bens do que X (e sendo a intenção da lei beneficiar o cônjuge não culpado no divórcio), a partilha será efectuada nos termos do art.º 1779.º do Código Civil: «O cônjuge declarado único ou principal culpado não pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos».
Proposta de solução: 2) Pelo regime da comunhão de adquiridos. João Luís Pinto, Karloos, Nuno Maranhão, Alaíde Costa, David Afonso, Tiago Alves acertaram.
Caso número 33
:
Diz o art.º 2914.º do Código Civil que é nula a disposição a favor do médico ou enfermeiro que tratar do testador, ou do sacerdote que lhe prestar assistência espiritual, se o testamento for feito durante a doença e o seu autor vier a falecer dela. Foi precisamente isso que sucedeu in casu.
Proposta de solução: 2) Não. Assim escreveram João Luís Pinto, Mário Almeida, Tiago Alves, Karloos.
Caso número 34
:
De acordo com o art.º 355.º do Código Processo Penal, não valem em julgamento, nomeadamente para formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido examinadas em audiência. E a leitura, em audiência, de declarações anteriormente feitas pelo arguido só é permitida a sua própria solicitação ou quando prestadas perante o juiz e quando houver contradições ou discrepâncias sensíveis entre elas e as feitasd em audiência que não possam ser esclarecidas de outro modo (art.º 357.º CPP). Logo, tendo sido a confissão de X feita pelo Ministério Público, tal confissão não poderá, em sede de julgamento, relevar como prova.
Proposta de solução: 2) Não. Disseram o mesmo João Luís Pinto, Blogo, Mário Almeida, Xor Z, David Afonso, a_mais_linda, Tiago Alves, Nuno Maranhão, Karloos.
Caso número 35
:
Muitos pensarão que as palavras «furto» e «roubo» se usam indistintamente. Mas tal não ocorre. No que é que essencialmente o roubo se distingue do furto (enquanto crime fundamental e não qualificado)? Furto: «Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, substrair coisa móvel alheia, é punido com [...]». Roubo: «Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com (...)». Daí o roubo ser contemplado com pena mais pesada. Ora, no caso, não houve qualquer tipo de violência, ameaça ou coação. Por outro lado, o crime fundamental de furto acima referido é qualificado caso ocorram certas circunstâncias, como sejam o valor elevado da coisa móvel subtraída, estar esta fechada em cofre, a introdução ilegítima em habitação, et caetera.
Proposta de solução: 2) Furto qualificado. Alaíde Costa, David Afonso, Nuno Maranhão, Rickster, Mário Almeida, Tiago Alves, Luís Bonifácio, Xor Z, Karloos, a_mais_linda, João Luís Pinto. Isto é: todos acertaram, pela primeira vez.
Classificação:
Karloos - 18 pontos
Tiago Alves - 13 pontos
Mário Almeida e João Luís Pinto ex aequo - 12 pontos
David Afonso e Nuno Maranhão ex aequo - 5 pontos
Xor Z - 4 pontos
Luís Bonifácio, Alaíde Costa e a_mais_linda ex aequo - 3 pontos
11º João Oliveira Santos, José Barros, Blogo e Rickster ex aequo - 1 ponto
[Pela primeira vez houve três totalistas: Karloos, Tiago Alves e João Luís Pinto]
[1 ponto por cada resposta correcta; bónus de 4 pontos para totalista de uma série de 5]
[Cada campeonato tem 25 casos]

Casa do Livro

[Obra impressa no Porto por Manuel Cardoso em 1634]
Gostei muito da ideia, da arquitecta Paula Morais, de se aproveitar o Pavilhão Rosa Mota para aí se fundar uma Casa do Livro. O Porto é, historicamente, um importante pólo de produção e difusão do impresso. O livro e o periódico ocupavam, entre nós e ainda há pouco tempo, um importante papel não só cultural e sociológico, como também económico. É minha convicção de que o nosso atraso (em todos os campos) se prende com a decadência da cultura do livro. Ler um livro é um acto de liberdade fundador da própria cidadania. O livro é, ainda, a tecnologia mais acessível e mais democrática, com resultados comprovados ao longo da história e por todo o mundo. Este devia ser o nosso plano tecnológico.
Para além de tudo aquilo que a Paula já sugeriu, também me parece que valeria a pena ponderar a hipótese de se instalar nessa Casa do Livro, o Museu da Imprensa onde este passaria a usufruir de instalações muito mais dignas e integradas num complexo instalado no coração da cidade. Os próprios jardins do Palácio de Cristal têm um grande potencial, já que neles poderia decorrer a Feira do Livro (já é hora de a libertar e a deixar respirar fora do pavilhão). Um outro sector a não perder de vista, até porque é cada vez mais importante, é o do livro usado e do livro raro. O Porto tem dimensão a mais para aderir ao conceito de Book Town, mas tem a dimensão ideal para organizar uma Feira Internacional do Livro Antigo e vou dizendo que o tipo de público atraído por eventos desta natureza não é nada desprezível.
Entretanto, estamos no domínio da utopia e não será com este executivo que estas ideias serão levadas a sério. Até porque não há dinheiro (se ainda fosse uma corrida de carros antigos...). O que importa agora é estarmos atentos às manobras para não se reeditar a história do velhinho Palácio de Cristal. Eu, por mim, desconfio desta Câmara e ainda mais da Parque Expo.

PS: Tomo a liberdade de deixar aqui um link para o meu blogue (em constante reconstrução) dedicado ao tema da história do livro.

sexta-feira, julho 21, 2006

Má sorte não ser ano eleitoral

Quem visitar o site oficial da Câmara Municipal de Coimbra verá em destaque uma interessante iniciativa intitulada Conferência Internacional "A Imagem nos Centros Históricos», a qual conta com a presença de nomes como Álvaro Domingues, Gian Paolo Scardella, Pedro Providência, Manoel de Oliveira e outros. Ora, acontece que este encontro deverá ter lugar a 21, 22 e 23 de Setembro de 2005. Sim, é isso mesmo: 2005! Quer dizer, que o site da autarquia continua a fazer destaque de um evento que já teve lugar há quase um anos atrás! Em Coimbra o tempo parou.

Quem tem medo da avaliação?

Avaliação dos professores? Bem ou mal, já existe. Não é correcta a ideia de que só agora, com esta ministra, é que os professores vão estar sujeitos a avaliação. Estamos a falar de um processo que já existe há décadas. Para sermos exactos, o que agora está em causa é a reformulação dessa avaliação, que é normal e necessária. Todavia, «o exemplo deve vir de cima» e a ministra devia começar por virar o seu ímpeto reformista para o seu próprio ministério e para os seus inúmeros serviços (direcções-gerais, regionais e gabinetes), os quais nunca foram avaliados. O rigor começa em casa, caso contrário tudo isto que se tem passado, não será nada mais do que um exercício de populismo. Recomenda-se uma auditoria externa e independente a todos estes serviços para que se possa perceber o que tem feito este ministério nos últimos 20 anos. Depois de se pôr ordem na casa, passemos ao resto.
E temos muito (a mais?) para (por) avaliar:

100 imagens reconfortantes para fumadores em tempos difíceis (52ª)

[Por recomendação de Paulo Cunha Porto]

quinta-feira, julho 20, 2006

Os maçons do MIT

Para minha surpresa, e do Paulo Portas, os exames nacionais correram mal e a ministra teve de ir ao parlamento explicar-se de forma bastante atrapalhada.
Paulo Portas em entrevista ontem à noite na SIC (naquele tempo de antena que lhe arranjaram para lixar o Ribeiro e Castro) demonstrava o seu gáudio pelo buraco em que se tornaram os exames nacionais até porque parece que o Sócrates na entrevista que deu à mesma SIC terá dito que com ele a colocação de professores correu bem. É justo que Portas, que desenvolveu uma espécie de bloqueio mental que apenas lhe permite pensar em termos de comparação com os governos em que participou (nem o Santana deve continuar a pensar que eles eram mesmo bons...) diga agora que com os socialistas os exames nacionais correm mal. É uma lógica infalível dos nossos políticos “ ora toma lá dá cá…”
Mas o mais importante da tarde de hoje foi a intervenção da deputada do PCP Luísa Mesquita, que perante um parlamento boquiaberto releva a mais vil das conspirações na área da educação.
Segundo a deputada, apenas foram repetidos os exames de Física e química porque existe um lobby por trás destas áreas (certamente por oposição ao lobby dos pais que pretendia repetir todas as provas devido aos resultados dos seus rebentos).
Longe estava o país de saber que por trás das cadeiras de física e de química existia uma sociedade maçónica e secreta que exercia um terrível lobby junto do ministério da educação, com o abjecto objectivo de vilipendiar os estudantes que não querem entrar para o Técnico.
Mas afinal tudo é mais claro do que parecia inicialmente. A deputada comunista descobriu que o governo assinou uma adenda ao protocolo com o MIT que só se pode cumprir se houver pelo menos 50% de aproveitamento dos nossos estudantes nestas áreas, ou caso contrário o MIT não se comprometerá a dar-nos um prémio Nobel da física ou da química num futuro próximo.
Como sempre parecemos todos falar línguas diferentes sempre que o tema é a educação. Parece que todos querem atirar o barro à parede para ver se cola algum erro que se possa apontar nas próximas cinco legislaturas, mas a essência do debate da educação passa ao lado e tudo continua a ser uma bandalheira onde é possível que um sistema de ensino que durante todo o ano esteve supostamente a “educar” milhares de alunos, consiga que apenas 20% deles tenham aproveitamento. A função social da escola parece estar a falhar.

«O acto sexual é para fazer filhos»

Aqui há uns dias numa conversa de café (antes do meu desaparecimento com a onda de calor...), discutíamos por que raio o CDS está sempre contra as leis relacionadas com a procriação, e afinal quem são aqueles sinistros senhores e senhoras da petição, arrumada na gaveta pelo Parlamento?
Concluímos rapidamente que os sinistros peticionários são os suspeitos do costume, que têm encabeçado os mais diversos movimentos pró-vida, mesmo que a lei também preveja a criação de vida, e o CDS continua a manter a mesma atitude perante este assunto, desde os idos tempos de 82 e do deputado João Morgado, naquele tempo em que Natália Correia dava cor ao Parlamento e Zita Seabra vestia um branco imaculado por fora, mas ainda era bem vermelha por dentro.
De qualquer forma esta lei sobre a procriação medicamente assistida era urgente e necessária. Apesar da polémica que estas coisas sempre geram na sociedade portuguesa, que quase sempre tem alguém que interprete os seus mais íntimos desejos, ainda que individualmente os portugueses escolham as soluções que muito bem entendem sem dar cavaco a ninguém, vem tapar um buraco legislativo que até aqui poderia lançar milhares de portugueses nas mãos dos mais reles charlatães.
Não compreendo como é possível acreditar-se que uma lei, ainda que com algum aspecto com o qual se possa não concordar, seja pior que a inexistência de uma lei que regule um sector que há mais de 20 anos se começou a desenvolver sem qualquer enquadramento jurídico.
Este sector tem vindo a permitir que milhares de portugueses possam ter os filhos que tanto desejam, e num país com tão baixos níveis natalidade esta lei terá um efeito moralizador da prática médica.
Outros sectores, do lado oposto do espectro político também criticaram a lei no seu alcance. Pretendiam que ela fosse mais longe.
Ainda assim, ela proíbe pela primeira vez e com total clareza a clonagem de seres humanos, embora possa não ser clara quanto à clonagem de tecidos ou até órgãos, e permite pela primeira vez a doação anónima de esperma e a utilização de embriões excedentários para investigação genético-médica, onde cientistas portugueses se têm vindo a destacar.
Toda a gente sabe que o processo de reprodução assistida é uma espécie de tiro no escuro, donde resulta o sucesso de uns embriões em relação a outros. Assim como também acontece tantas e tantas vezes na natureza.
Seria errado não legislar sobre esta matéria e seria errado não permitir a investigação impondo-lhe ao mesmo tempo limites.
As reservas que à direita e à esquerda existem sobre esta lei, são sociais e não técnicas e por isso provavelmente não foram reflectidas na lei. Ainda assim a lei reflecte (no meu entender, claro está) uma posição equilibrada e inteligente, abrindo espaço a uma discussão razoável sobre as implicações sociais da procriação medicamente assistida.


Já que o coito - diz Morgado -
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou - parca ração! -
uma vez. E se a função
faz o orgão - diz o ditado -
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.

Natália Correia

All sperm is sacred, já diziam os Monty Phyton

Gosto pelas fardas

Acabei de ver na televisão um dirigente do CDS açoriano a pedir a intervenção dos fuzileiros nas próximas eleições regionais...

Mas que diabo se passa com as nossas ilhas? Está tudo maluco ou quê?! E o que dizer deste partido? Nada sexy, nada sexy...

Vida de cão

Sócrates agradeceu aos deputados do PS por estes não se terem «distraído» no apoio ao governo. A vida pode ser mesmo muito injusta. Como foi ele deixar de fora os deputados do PSD?

Dar a volta ao bico do prego

A opinião da Ministra da Educação sobre o estado da educação: 1) Antes do imbróglio dos exames nacionais: a culpa é dos professores; 2) Depois do imbróglio dos exames nacionais: a culpa é do sistema.
Numa coisa estará certa: o Ministério da Educação, enquanto tal, nunca existiu.
PS: A opinião impressa deu a mesma volta ao bico do prego. Comportamentos de cardume.

quarta-feira, julho 19, 2006

Beirut


Mário Teixeira do "100Mais Nem Menos" enviou-me este mail:

«O luís da "Esquilo Records" fez-me chegar o endereço do blog do Mazen Kerbaj, (o trompetista do líbano que cá tocou num dos melhores concertos realizados no espaço). Creio que é um imperativo de solidariedade humana visitar o blog que tem mantido durante estes dias de guerra e sofrimento em beirute. São pensamentos e desenhos dele».

http://mazenkerblog.blogspot.com/

O bailinho da Madeira - e roda mais uma vez

«A Assembleia Legislativa da Madeira, onde esta semana seis jornalistas foram impedidos de entrar por estarem vestidos de «t-shirt», está a preparar um regulamento de indumentária para os profissionais da informação. [...] Uma fonte parlamentar disse à Agência Lusa que este regulamento vai substituir as regras avulsas que estão a ser transmitidas - por ordem do presidente da Assembleia Legislativa, Miguel Mendonça - aos jornalistas pelos funcionários da segurança do hemiciclo. [...] Segundo as regras, não podem entrar na Assembleia Legislativa jornalistas com calças de ganga rotas, pólos, «t-shirts» ou que usem sapatilhas, alegando Miguel Mendonça com o prestígio da instituição parlamentar.» [Link / Negrito meu]
E porque o prestígio de uma instituição é sempre contagiado pelas pessoas que nela habitam - e na Assembleia Legislativa Regional da Madeira abundam espécimes da mais profunda honorabilidade -, relembremos uma das mais heráldicas passagens bíblicas de tais espécimes: "filho da puta", "vai à merda", "para o caralho", "burro", "tonto", "mafioso", "cabra", "tiro nos cornos" e "demente". Vai daí, até, o Dolo Eventual, consciente do aumento de prestígio que tal iniciativa faria pulular, propôs a substituição da luta de galos pela luta de deputados madeirenses.
É claro que sapatilhas, ganga rota e t-shirts, essa corja de artefactos vexantes que quase nem me atrevo a pronunciar, não pode entrar numa instituição como é o Parlamento da Madeira. Tal vitupério, a acontecer, é bem capaz de manchar a sua honra e até mesmo - pasme-se - de manchar a sua honra. Este regulamento, perfeitamente consonante com direitos e princípios constitucionalmente consagrados - como é o caso, por exemplo, da liberdade de imprensa e do princípio da proibição do excesso - deve entrar o mais celeremente em vigor, a ver se as coisas entram realmente nos eixos.

Pergunta


Se estão fechados na escola durante todo o dia, como podem os nossos jovens aprender?

terça-feira, julho 18, 2006

A culpa é do sr. Tó Zé e da chinesa Wu Li


O inefável presidente do governo regional da região autónoma da Madeira considera, mais uma vez, uma atitude desleal, que revela falta de patriotismo, a do Ministro das Finanças - a de vir agora meter o bico onde não é chamado, afirmando que o rigor orçamental é para todos. Primeiro, escreve a Sócrates indignado com a possibilidade de uma discriminação positiva em favor da região dos Açores na revisão da Lei das Finanças das Regiões Autónomas. Depois, vem dizer que nunca escreveu tal carta - o que se compreende, dado o seu avançado estado de decomposição. A seguir, diz que afinal sempre enviou uns ofícios a Sócrates. Por fim, não terá ficado contente com a resposta.
Bom, miudezas à parte. O que é certo é que é uma injustiça de todo o tamanho que uma região sujeita aos constrangimentos da periferia, como é o caso da Madeira, seja tratada desta forma. A Madeira possui uma dívida bagatelar de pouco mais de uns parcos 1250 milhões de euros - responsabilidade exclusiva do Sr. Tó Zé, o talhante, e da chinesa Wu Li, a dona da loja de conveniências - e o seu líder necessita de dinheiro para acudir às mais elementares despesas com o bem-estar do seu povo, como é o caso de milhares de bandeirinhas para os festejos da autonomia, iguaria essencial à alimentação dos madeirenses.

Uma boa compra


«Este CD-ROM contém infomação que cobre todas as áreas de produção estatística do INE revelando-se essencial ao conhecimento da realidade portuguesa em áreas tão importantes como a economia, o emprego, o turismo, a educação o ambiente e o comércio. A informação está organizada em 21 temas, e pode ser consultada sob a forma de quadros, gráficos e mapas.
Para a maioria dos indicadores disponíveis o utilizador poderá escolher o ano (no período de 1991-2004) e a unidade geográfica que pretende até ao nível de Freguesia. O CD-ROM dispõe de menus que tornam a consulta fácil e intuitiva e de um conjunto de ferramentas que permitem visualizar, exportar e imprimir os dados.»

Uma boa compra. Só custa 30 euros.

segunda-feira, julho 17, 2006

Dois anos a jorrar


A Fonte faz dois anos. Como blogger mais velho [o Dolo Eventual só por cá anda há 1 ano e 2 meses], o Mário Almeida fica intimado a pagar à malta um copo comemorativo virtual.

Eu não diria melhor seguido de uma achega

Helena Roseta (Público: 14 de Julho):

«Os concursos concepção-construção são uma das causas das derrapagens nas obras públicas».

E depois há os concursos de fachada, os chamados concursos por Prévia Qualificação que só servem para disfarçar adjudicações directas ilegais. Acho que todos os grandes gabinetes de arquitectura em Portugal já usufruiram deste expediente. Se o IGAT, o Tribunal de Contas e a Autoridade da Concorrência olhassem com olhos de ver para esses concursos, muitas autarquias e arquitectos da moda ficariam em maus lençóis.

100 imagens reconfortantes para fumadores em tempos difíceis (51ª)

[Por recomendação de Paulo Cunha Porto]

domingo, julho 16, 2006

Grandes Dramas Judiciários: Urbino de Freitas (13)

Repito o desafio aqui lançado. Será que ninguém consegue encontrar uma imagem de Alexandre Braga, pai? E já agora: Quem me poderá indicar uma pequena nota biográfica? É uma personagem interessante esta. Toda a gente o conhece, mas quem a história recorda? O seu irmão Guilherme e o filho homónimo. Fica mais um exemplar da Urbiniana.
ROCHA. Augusto – O problema medico-legal no processo Urbino de Freitas: novos documentos. Coimbra Médica. Coimbra. Suplemento ao nº 7 de Abril de 1892
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13. Uma testemunha inesperada

O recurso sobe à instância superior. Estamos em Abril de 93. ora, exactamente a 27 de Abril dêste ano de 93, mais de três anos transpostos sôbre a morte de Mário, o Delegado do 1.º Distrito, Pestana da Silva, recebe uma carta anónima em que se lhe anuncia a chegada a Portugal dum indivíduo chamado Brito e Cunha, cidadão domiciliado no Rio-de-Janeiro, natural de Arcos-de-Valdevez, que muito pode esclarecer a Justiça, relativamente à pessoa que despachou as amêndoas em Lisboa.
Pestana da Silva comunica a denúncia ao Comissário de Polícia. No maior sigilo, acompanhado pelo chefe Cardoso Lopes, parte em direcção aos Arcos. Ciente de que Brito e Cunha chegara, de facto, à vila, mas que se encontra muito doente, tendo saído do Brasil, a conselho dos médicos, em busca da cura nos ares pátrios, convoca o seu Médico assistente a audiência. Esclarecido da missão do Delegado Pôrto, o Médico autoriza o interrogatório a que precisam submetê-lo. E o interrogatório efectua-se na presença do Delegado dos Arcos, Administrador do Concelho, Presidente da Câmara e Abade da Freguesia.
Trocados os cumprimentos da pragmática, Pestana e Silva dispara, olhos fitos no enfermo:
- Recebi a denúncia de que V. Exc.ª está em condições de esclarecer a Justiça relativamente a um ponto obscuro do processo Urbino de Freitas, processo de que deve ter conhecimento...
- Sim, tenho conhecimento. Pelos jornais lidos no Rio...
manuel Bento de Brito e Cunha, pálido, olheirento, concentra-se por momentos. O delegado apela para a sua consciência. Indaga se sabe alguma coisa que se prenda com o envio duma caixa de amêndoas de Lisboa para o Pôrto, em Março de 90. concluído rápido exame às reservas da memória, o inquirido dispõe-se a falar. Fala, pausado, moroso.
No dia 27 de Março de 90 saíra do Pôrto, estação de Campanhã, com espôsa e filhos, no combóio correio de Lisboa – afim de embarcar no Savoie, vapor da carreira do Brasil. Foram à estação, às despedidas, várias pessoas da sua família, entre elas o seu sogro e seu cunhado, Manuel Martins Tinoco. No compartimento de 1.ª classe em que se instalou com os seus, notou, logo de entrada, que já ali havia um passageiro, ao fundo, sentado, de óculos escuros e chapéu derrubado sobre os olhos. É natural que se lembre disto, muito bem, por corresponder a episódio rememorado em família, depois de ter conhecimento, pelo jornais, do envenenamento da rua das Flores, e pelo papel que êsse misterioso passageiro desempenhou na remessa dos bolos envenenados. O combóio partiu. Na estação de Gaia um empregado instalou caloríficos nos compartimentos dos vagons. Sua espôsa quis saber como funcionavam êsses aparelhos de aquecimento. O passageiro, acantonado ao fundo da bancada, saíu do seu mutismo. E, amável, informou a senhora. Estabeleceu-se conversa. O desconhecido tirou os óculos, ajeitou o chapéu. Falaram no Ultimatum, ocorrido a 11 de Janeiro dêsse ano, assunto obrigatório de tôdas as conversações.
- V. Exc.ª vai para o Brasil? – preguntou-lhe o desconhecido, quebrando o gêlo da distância e do silêncio.
- Vou, sim, senhor.
- Tinha-o previsto, pelas despedidas, em Campanhã.
A conversa animara-se. A certa altura o seu interlocutor dissera-lhe que residia em Coimbra, onde era Professor da Universidade. Que estava na intenção de ir a Lisboa, nesse mesmo combóio, e por isso, um seu amigo do Pôrto o incubira de despachar, de Lisboa para o Pôrto, uma encomenda de amêndoas, endereçada à sua noiva, a fim de lhe causar surpresa agradável e de a convencer de que se encontra na Capital, quando certo era que estava na sua terra. Mas contrariava-o, afinal, a prolongação da viagem. Preferia ficar em Coimbra. E daí, o pedir-lhe, a êle, que seguia para Lisboa, o despacho da encomenda. Aceitra a incumbência. Dera um bilhete de visita, com o seu nome, ao companheiro de carruagem. Êste procurou nos bolsos um bilhete, no intento de retribuir a amabilidade. Não o encontrando, pediu-lhe um outro do seus bilhetes. E no verso, com um lápis azul, traçou o nome e o enderêço – Eduardo Mota, Coimbra. Depois, Eduardo Mota saíu da carruagem, numa estação para lá de Aveiro. Voltou com o enderêço a apor no envólucro da encomenda – enderêço escrito a tinta. Com a encomenda e o enderêço entregou-lhe 300 réis para o despacho. Desapareceu noutra estação, e, reaparecendo daí a pouco, despediu-se, depois de agradecer o favor que lhe prestava. Não queria incomodar mais os seus companheiros de viagem. Passava a um compartimento em que seguia um seu colega.
No dia imediato, 28, êle, declarante, expedira a caixa de amêndoas, com o enderêço que lhe fôra dado no combóio. E embarcara a 30, para o Rio, no vapor francês Savoie.
[Episódios anteriores]